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Artigo

Leis e blablablá… até quando?, por Ana Echevenguá

[EcoDebate] A precária gestão das cidades fomenta discursos inflamados sobre a justiça socioambiental. Leis fantásticas a respeito foram editadas. O Estatuto da Cidade (publicado em julho de 2001), por exemplo, impõe que a política urbana garanta “o direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Ao saber disso, quem ignora a realidade brasileira, imaginará que, aqui, o cidadão vive muito bem; e que goza de sadia qualidade de vida.

Mas, na realidade, experimentamos um vergonhoso passivo urbanoambiental gerado pela omissão criminosa da Administração Pública que fecha os olhos à favelização das cidades brasileiras que, desprovidas de planos de urbanização, tornaram-se as grandes promotoras de desigualdade e de exclusão social.

Na tentativa de reverter este quadro homicida, no início de 2007, nasceu uma lei federal que estabelece as diretrizes nacionais do saneamento básico. Sua construção minuciosa até explica – para os ignorantes do assunto – que saneamento básico é um conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.

Será que nossos problemas finalmente acabaram???

Claro que não. Qual o acesso da população às leis vigentes? E ainda que tivessem ciência, quantas leis que poderiam salvar as vidas dos eleitores do Poder Legislativo são passíveis de aplicabilidade nesta terra?

Saneamento ambiental no Brasil:

O saneamento ambiental é um serviço público fundamental à saúde, assegurado constitucionalmente a todos no Brasil. Ou seja, é imperiosa a “universalização do acesso” a ele.

Para “universalizar” o serviço, 80% dos mais de 5 mil Municípios brasileiros concederam, desde os anos 70, o direito de exploração do saneamento básico a 27 Companhias Estaduais, pelo prazo de 30 anos.

Tal exploração, no entanto, foi comprovadamente pífia. Criminosa até. Segundo a ABDIB – Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base -, hoje, 47 milhões de pessoas não têm acesso à água de qualidade e 36 milhões dos moradores da zona urbana não possuem rede de esgoto ou fossa séptica. Na zona rural, somente 18% da população usufruem desses serviços.

As causas disso são óbvias: descaso do governo, principalmente no que tange à fiscalização e à punição dos envolvidos no cumprimento das regras do jogo; falta de investimentos necessários e carência de políticas públicas para o setor.

Analisando estes números, percebe-se, sem sombra de dúvidas, que as metas estabelecidas pela Política Nacional de Saneamento, para o período 1999 a 2010 – o atendimento de 96% das residências com água, a coleta de 65% dos esgotos e o tratamento de 44% do esgoto coletado – não foram atingidas.

Entre os principais problemas do setor de saneamento básico destacam-se:

– péssimo atendimento ao usuário, em especial ao de baixa renda e de regiões menos desenvolvidas;

– perda de água em função de aspectos físicos (vazamentos) e comerciais (ausência de medição);

– lançamento, nos cursos d’água, no solo ou na rede coletora de águas pluviais, in natura ou destituídos de tratamento, de 90% dos esgotos coletados.

Os reflexos destes problemas na área da Saúde são desastrosos:

– 68% das internações hospitalares decorrem de doenças adquiridas com água contaminada o que implica um gasto, do Ministério da Saúde, de R$ 250 milhões/mês para tais atendimentos;

– anualmente, no mundo, mais de 2 milhões de seres humanos, principalmente crianças, morrem por causa de doenças veiculadas pela água.

Esses dados ratificam uma afirmativa clássica: cada dólar gasto em saneamento provoca uma economia de U$4 a U$5 para os governos.

Conclusão:

A mudança deste quadro caótico exige comprometimento – sob pena de punição grave – dos administradores públicos com o saneamento brasileiro e investimento das empresas do setor – sejam públicas ou privadas.

De que forma isso é possível? Ora, chegou a hora da sociedade enfrentar o problema. Cada usuário deve:

1. entender, de uma vez por todas, que entre ele e a Administração Pública há uma divergência de objetivos que precisa ser sanada porque está matando pessoas. Até quando ele vai permanecer envolto em sua alienação consentida (tipo avestruz)?;

(Algum candidato, nas nossas últimas eleições, levantou esta bandeira?)

2. reconhecer a importância do saneamento para a saúde e para a sadia qualidade de vida da população. Trata-se de um direito humano de importância vital, socioeconômica e geopolítica e não de uma mercadoria ou negócio;

3. exigir investimentos em políticas de Saneamento Ambiental. Este deve, obrigatoriamente, integrar a agenda política, em todas as esferas (Executivos e Legislativos) e instâncias (Município, Estado e União).

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa televisivo Eco&Ação – Ecologia e Responsabilidade; email: ana@ecoeacao.com.br

in www.EcoDebate.com.br – 21/02/2007

Nota do EcoDebate

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