EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Insistência nos desmatamentos e nos monocultivos na Amazônia, por Diones Assis Salla

[Página 20] Mesmo sem saber ao certo com que intensidade os desmatamentos da floresta amazônica estão ocorrendo, os dados oficiais apontam para uma possível desaceleração. Mas a possibilidade de redução do ritmo do desmatamento não é tudo. O problema é saber quando isso vai parar definitivamente, do contrário, estaremos apenas adiando a data em que a última árvore será abatida. Isso evidentemente não vai acontecer porque o ecossistema Amazônico morre antes.

Mesmo sabendo que 40% da floresta amazônica estão sob alguma forma de proteção, isso será insuficiente para que o ecossistema continue operando em homeostase. Até o presente momento a Amazônia já sofreu uma redução de 17% da cobertura florestal natural, suficientes para produzir alterações no ciclo hidrológico de rios e igarapés, fato amplamente noticiado em 2006.

O aquecimento mundial mobiliza especialistas no mundo inteiro. Al Gore, com o objetivo de alertar a um maior número de pessoas, através do cinema, lançou um filme sobre o assunto; os oceanos estão 30% mais ácidos do que na fase pré-industrial, condição que está provocando o desaparecimento de muitas espécies. A floresta amazônica é sem dúvida um ecossistema que fixa e imobiliza grande quantidade de carbono, contribuindo assim para reduzir as emissões desse elemento para a atmosfera. A presença da floresta, por sua vez, protege o ciclo hidrológico atuando de forma interdependente a ele, condição imprescindível para que tudo continue funcionando ao modo de um sistema sustentável.

Dois terços da Amazônia pertencem ao Brasil. Uma das funções da floresta amazônica, entre muitas outras, é a de ser responsável por 40% das chuvas que caem sobre o território brasileiro. Por isso, mantê-la é manter a disponibilidade de chuvas em todo o território nacional. Esse assunto não pode mais se ausentar da pauta do agronegócio brasileiro, seja ele do Nordeste, Sudeste, Centro Oeste ou do Sul e pode ser exercido com a participação das universidades brasileiras. Nesse sentido, a UNESP, universidade Estadual de São Paulo, através do CERAT – Centro de Raízes e Amidos Tropicais, cujo papel é gerar conhecimento e tecnologias em cultivos que são a base dos praticados na Amazônia, pode contribuir na definição de padrões de uso do solo, nas áreas já desflorestadas, afinizados com a manutenção do ecossistema amazônico.

O tema envolvendo o meio ambiente sempre esteve na pauta dos bancos de desenvolvimento e das instituições de assistência técnica, mas de maneira tímida. Precisa tornar-se um assunto dominante. As atividades na Amazônia devem preservar o ciclo aquático criando incentivos para proteger as bacias hidrográficas, ao modo dos praticados com a fixação do carbono. Sabe-se que a produção de biocombustíveis através de extensos monocultivos da cana-de-açúcar está se dando em detrimento de ecossistemas. Levar esses modelos para a Amazônia, a exemplo do que está ocorrendo no Estado do Acre, é andar na contramão das vocações do maior patrimônio florestal do planeta. Existem ilhas de cerrado dentro da Amazônia que logo estarão na mira dos avanços deste tipo de atividade agrícola.

Intervir sem interferir é uma atitude coerente e adequada para muitas áreas do conhecimento humano, no entanto, em se tratando de meio ambiente não tem produzido os resultados na intensidade desejada. É necessário pôr em prática o “principio da precaução” e embasado nele interromper, por tempo indeterminado, os desmatamentos da floresta Amazônica. Essa atitude provocará um grande estresse junto aos pequenos e grandes produtores e joga baldes de água fria nas pretensões de todos aqueles que insistem em transformar um dos últimos patrimônios da diversidade em extensos monocultivos. Sem provocar um tipo de crise dessa magnitude na Amazônia não haverá mudanças concretas, haverá no máximo a intensificação de medidas mitigadoras e maquiadoras.

É urgente, o planeta pede socorro e as mudanças climáticas já são visíveis e sentidas em várias partes do mundo. As tentativas educacionais geralmente levam mais tempo para uma conscientização geral. Sem gerar uma crise no setor não haverá iniciativas para mobilização dos que vivem na região amazônica, nem tampouco haverá motivação à criatividade e à geração de novas tecnologias que permitam a utilização e a reutilização dos espaços que já foram alterados, tornando-os suficientes para sustentar com dignidade a baixa densidade populacional ainda existente na Amazônia.

A atitude de suspender os desmatamentos da floresta amazônica vai promover, também, as mobilizações necessárias para que sejam discutidas e definidas as responsabilidades dos organismos nacionais e internacionais com relação à manutenção do padrão e da qualidade de vida dos que vivem ou dependem exclusivamente desse ecossistema. Para superar o condicionamento de livrar-se da floresta, herdado em parte do antropocentrismo, é preciso muito mais do que atuar ao modo de consciências que se dedicam, ou que são capazes de se reciclar e de promover reurbanizações no modo de pensar: é preciso ter coragem para imobilizar, sem distinção, todos aqueles que continuam explorando florestas pelo exercício da ganância, absolvidos pelo pagamento de multas e protegidos pelo argumento da ignorância. Essa decisão tem que ser tomada com urgência antes que um colegiado universal, em nome da humanidade, venha fazê-lo.

Diones Assis Salla – Extensionista da Seater e douturando em energia pela Unesp-Botucatu

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo jornal Página 20, AC – 09/02/2007