Cristalino, por Sérgio Henrique Guimarães
[Estação Vida] Límpido como cristal; muito claro; transparente: água cristalina…,” Essas são, sem dúvida, qualidades do que é cristalino, exprimem sua própria natureza. Mas Cristalino é também o nome de um lugar, um Parque Estadual bem no norte de Mato Grosso, divisa com o Pará, um lugar especial, que contém uma das maiores concentrações de biodiversidade da Amazônia. É o que mostram os vários estudos já realizados por lá.
A grande diversidade de paisagens explica o imenso número de espécies lá existentes, muitas delas endêmicas – que só existem naquela região..O Parque possui ainda grande riqueza de rios e nascentes de águas cristalinas e contribui para a regulação hidrológica da bacia do Rio Teles Pires, afluente do Rio Tapajós, afluente do Amazonas. Está situado em região de “extrema importância” para conservação da biodiversidade na Amazônia. Portanto, uma preciosidade, patrimônio dos mato-grossenses e brasileiros, que claramente deve ser preservado em benefício de todos.
Entretanto, esse lugar está sendo ameaçado e dilapidado por interesses de um pequeno número de pessoas, respaldados por deputados da região. Desde sua criação o Parque já teve 15% de sua área desmatada.
Há poucos meses, a maioria dos deputados de Mato Grosso, fazendo tabula rasa da legislação em vigor, votou, sem nenhuma justificativa técnica, uma lei que reduzia o parque em 27 mil hectares. A sociedade reagiu, denunciou, fez campanha em favor do parque. Os veículos de comunicação repercutiram. A lei foi vetada pelo governador, mas os deputados insistiram na insanidade e derrubaram o veto. O Ministério Público Estadual agiu, entrou com uma Ação Civil Pública e o Juiz José Zuquim, da Vara Especializada do Meio Ambiente de Mato Grosso concedeu liminar suspendendo os efeitos da lei.
Em sua decisão o Magistrado diz de forma didática e contundente: “Lamentavelmente, é forçoso concluir que os Senhores Deputados – representantes do povo, que receberam com o voto uma “procuração” para defenderem os interesses da coletividade, estejam andando na contra-mão de direção destes interesses, pois, em detrimento da sociedade, estão privilegiando uma minoria de indivíduos, sem qualquer justificativa convincente, o que nos leva à conclusão que, indubitavelmente, agiram contrário ao interesse público”. Diz ainda, “O que é mais grave, interesses egoístas prevalecendo em detrimento dos interesses da coletividade, comprometendo a qualidade de vida das presentes e futuras gerações”.
Palavras fortes, extremamente atuais e válidas – não somente para deputados de Mato Grosso, mas também para muitas e muitas situações tristemente vivenciadas há pouco e há tempos por todos nós, seja no Congresso Nacional ou em parlamentos estaduais. Em todos os casos mostram, cristalinamente, o estado de penúria ética da maioria dos nossos parlamentares, subjugados por seus próprios interesses e de seus financiadores.
Mas, por outro lado, esse processo da manutenção e consolidação do Parque Cristalino mostra também o antídoto, a forma da sociedade enfrentar e fazer prevalecer o interesse coletivo. É a ação ativa da sociedade, feita de forma persistente e consistente, que mobilize segmentos sociais, instituições públicas e instrumentos democráticos. Quanto mais clara, cristalina, se torne uma situação para um conjunto maior da sociedade, menos os interesses obscuros prevalecerão.
Neste caso, além do esforço e da participação de um sem número de organizações e pessoas, ressalta-se a ação isenta dos veículos de comunicação e a atitude correta e decisiva da Secretaria de Meio Ambiente e do Ministério Público Estadual.
Mas esse é apenas um momento de uma caminhada, os desafios são enormes: a consolidação dessa e de tantas outras áreas vitais para a manutenção dos ciclos que sustentam a vida; a utilização inteligente de nossas riquezas em benefício de todos; a urgência de encontrar soluções sustentáveis para nossas mazelas sociais, diante das nossas reais necessidades e da “obsessão pelo crescimento”, que na maioria das vezes, inviabiliza o futuro e ocorre em benefício de uma minoria. De qualquer forma, as repostas e o futuro serão piores ou melhores na medida em que consigamos agir de forma articulada, enxergando além de nossos interesses pessoais.
Sérgio Henrique Guimarães é Presidente do Instituto Centro de Vida (ICV) e representante das ONG’s do Centro-oeste no CONAMA (Conselho Nacional do Meio
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Portal Estação Vida