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A síndrome do crescimento superlativo, por Mayron Régis

[EcoDebate] A hidrelétrica de Estreito sai ou não sai do papel? Ela azeita ou não azeita o planejamento energético do país? O maior empreendimento de geração de energia na atualidade – a hidrelétrica de Estreito. Ah sim, o empreendimento que fará girar a roda da fortuna e fará tilintar moedas para os cofres vazios das prefeituras e dos governos do Maranhão e do Tocantins.

Se a memória não enfraqueceu e mesmo que precise refrescá-la, a turma do meio ambiente em Tocantins fazia as honras da casa para os representantes do Consórcio Estreito de Energia e a turma do meio ambiente no Maranhão caprichava e não dava as caras nas audiências.

No Tocantins, o pessoal curtia com o lema do governo do Siqueira Campos “O Estado da livre iniciativa e do desenvolvimento social”. Curtia porque são com lemas e palavras de ordem que se pavimentam estradas, se constroem hidrelétricas, se forjam e se cooptam lideranças e se matam e se expulsam comunidades ribeirinhas e comunidades indígenas – comunidades ribeirinhas e indígenas como as que se atracam todos os dias com as palmeiras de babaçu nas margens do Tocantins.

Na audiência pública de Filadélfia, julho de 2002, o funcionário do meio ambiente de Tocantins curtia a conversa com o funcionário da Camargo Correa. A Camargo Correa pretende investir na hidrelétrica de Estreito, portanto todas as caras e bocas devem resplandecer em agradecimentos e devem bolar elogios gratuitos para os funcionários da empresa e para a empresa acima de tudo.

Sim, naquela tarde escaldante um funcionário do meio ambiente cumprimentava um funcionário da Camargo Correa com toda solicitude disponível ao mesmo tempo em que, naquele amplo salão de uma escola estadual, centenas de pessoas se aglomeravam sem que nenhum técnico do governo estadual ou do governo federal se dignasse ao menor intercâmbio de informações com estas pessoas nos minutos que antecediam a audiência.

Tanto as empresas do Consórcio Estreito de Energia (Tractebel, Alcoa, Vale, Billiton e Camargo Correa) como os órgãos do governo estadual e do governo federal estavam em Filadélfia, em julho de 2002, como estiveram em Carolina e Babaçulândia e como estariam em Estreito e Aguiarnópolis para instaurarem o licenciamento da hidrelétrica. Com isso, os cidadãos das cidades afetadas se renderiam aos valores das indenizações e aos discursos de progresso, desenvolvimento e emprego.

Entre julho de 2002 e dezembro de 2006, o Consórcio Estreito de Energia trombou em diversos pontos do licenciamento ambiental da hidrelétrica com o Ibama, o Ministério Público, a Funai, as ONG’s. Trombou tanto que o Consórcio se atoleimava em reclamações pela legislação ambiental que as amarrava e em rejeições dos estudos etno-ecológicos organizados pelo CTI (Centro de Trabalho Indigenista).

No final de 2006, o Ibama após a análise dos estudos etno-ecológicos, numa destreza ímpar, concedeu a licença de instalação e a obra começa a encarnar bons augúrios para o comércio local, tanto das cidades que serão afetadas como da cidade de Imperatriz, pois o seu santo protetor é o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que também é o santo indutor do crescimento superlativo.

Uma rápida leitura, via-de-regra, invalida uma leitura mais profunda do texto, dos subtextos e do contexto, uma leitura que surtiria, no máximo, efeito de perguntar que cabeças pensaram a sigla desse programa – essas cabeças pensantes devem se inclinar um pouquinho pra direita, só assim para os governantes e as elites econômicas abalizarem quaisquer idéias de desenvolvimento estratosférico embutidas em PAC ou Avança Brasil.

Para um bom entendimento, a análise desse mais outro programa de desenvolvimento tem que se postar em dois flancos: energia e fronteira agrícola. Nos sinais emitidos pelos governos e pelo setor empresarial sobre futuros projetos de aproveitamento de recursos naturais para a geração de energia fulguram novas tensões que logo se abaterão sobre a sociedade brasileira sem que ela se aperceba de quase nada.

Do ponto de vista técnico-científico e da promoção da agricultura familiar, a mamona representa uma das melhores opções para o setor de biodiesel. O governo providencia a legislação para que o setor empresarial compre a mamona de assentamentos no Piauí, Maranhão, Ceará, Pará e Tocantins e providencia os argumentos ideológicos que empalham a agricultura familiar como a grande fornecedora de matéria-prima para o setor energético.

É como se uma usina de biodiesel dispusesse de cada assentamento e cada agricultor familiar na sua região. Para que isso realmente funcione, do modo que o governo quer, a agricultura familiar terá que subordinar a sua tradição de fornecedora de alimentos à lógica do fornecimento de matéria-prima para a agroenergia. Com o PAC, o governo federal quer justamente acelerar o tempo da agricultura familiar e a incorporação de novas áreas pela agroenergia com o desmanche de mata nativa.

Mayron Régis, jornalista

in www.EcoDebate.com.br – 06/02/2007