Os Recursos Genéticos e as Comunidades Indígenas, por Marcos Vital
Se uma comunidade concordar em passar o conhecimento para alguém de fora, ela tem direito a receber benefícios por isso
Marcos Vital é professor do Depto. de Biologia da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Artigo enviado ao “JC e-mail”:
O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, do Ministério do Meio Ambiente, lançou no dia 14 de dezembro de 2006 a consulta pública para apresentação de críticas e sugestões para aperfeiçoar a legislação sobre repartição de benefícios decorrentes do acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético com potencial econômico.
A participação da comunidade, indígena ou não, é de grande importância para viabilizar as pesquisas em Recursos Naturais e biotecnologia, que podem ser inviabilizadas.
Além das dificuldades a serem enfrentadas pelos pesquisadores da área é questionada também a sustentabilidade regional, inclusive das comunidades tradicionais e/ou indígenas, visto as características espaciais do estado de Roraima, com grande parte do seu território em áreas de uso exclusivo daquelas comunidades.
A Convenção sobre Diversidade Biológica e a Medida Provisória nº 2186-16/01 reconhecem o direito das comunidades indígenas e das comunidades locais de decidirem se passam, ou não, seus conhecimentos sobre como usam as plantas, os animais ou outros componentes da biodiversidade, como os microrganismos, para outras pessoas que não pertencem às comunidades.
Este conhecimento é chamado conhecimento tradicional associado a elementos da biodiversidade ou ao patrimônio genético e pertence às comunidades indígenas.
Muitas instituições como universidades e empresas, por exemplo, podem ter interesse em acessar este conhecimento tradicional com a finalidade de desenvolver produtos comerciais, os quais poderão gerar benefícios econômicos para elas.
Por isso, antes que a comunidade forneça informações sobre o seu conhecimento relacionado ao uso de plantas, animais, ou outro componente da biodiversidade, ela deve entender o que se pretende fazer com estas informações; o porquê de uma pessoa de fora, que representa uma instituição, empresa, universidade ou outra, pedir informações; se o uso que se pretende fazer das informações poderá, ou não, gerar benefícios econômicos, e outras perguntas que sejam do interesse da comunidade.
Se a comunidade concordar com a proposta, ela, então, dá o seu consentimento, ou seja, sua autorização de acesso ao conhecimento.
A comunidade indígena deve estar atenta ao fato de que, quando concordar em autorizar o acesso ao seu conhecimento por alguém de fora, ou seja, quando essa comunidade der o consentimento prévio fundamentado, pode ser que a utilização desse conhecimento resulte em um produto que vai ser explorado comercialmente.
Neste caso, a exploração econômica dos conhecimentos tradicionais deve gerar benefícios para a(s) comunidade(s) detentora(s) do conhecimento.
Quando o uso desses conhecimentos tiver finalidade de exploração econômica, que gera benefícios (por exemplo, um medicamento desenvolvido a partir daquele conhecimento tradicional), esses benefícios devem ser repartidos com as comunidades.
A exploração econômica dos conhecimentos tradicionais deve gerar benefícios para a(s) comunidade(s) indígena(s) ou local(is). Esses benefícios devem ser combinados com as comunidades.
A combinação deve ser feita por meio do Contrato de Repartição de Benefícios entre a comunidade e à instituição (empresa, universidade, etc) que acessar e usar o conhecimento tradicional.
Os benefícios podem ser de diversas formas, em dinheiro ou não. Neste último caso, o benefício pode ser, por exemplo, a capacitação de recursos humanos, a recuperação de áreas degradadas, favorecendo assim a conservação da biodiversidade, ou o apoio para formulação de projetos ou outras demandas de interesse da comunidade.
Ocorre que diversas comunidades indígenas podem possuir conhecimentos iguais ou semelhantes sobre o uso de uma mesma planta, de um mesmo animal ou fungo. Isto ocorre porque moram próximas e trocam informações, entre outros fatores.
Se uma comunidade concordar em passar o conhecimento para alguém de fora, ela tem direito a receber benefícios por isso.
A questão é: como ficam as outras comunidades indígenas que também possam ter esses conhecimentos? É necessário estabelecer um jeito, uma regra, para que as outras comunidades também recebam benefícios. Como resolver esta questão? O que aqueles que querem usar o conhecimento tradicional deveriam fazer?
Para responder de forma racional a estas questões e visando premissas como sustentabilidade, cidadania e soberania, faz-se necessário a participação de todos nesta consulta pública.
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3187, de 19 de Janeiro de 2007