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Os Cerrados – sabe do que mais?, por Mayron Régis

[EcoDebate] Quaisquer plantadores de soja dos Cerrados maranhenses e quaisquer empregados destes plantadores sentenciariam com a mais perfeita tranqüilidade: nessa fazenda se planta e se colhe soja respeitando as normas ambientais – da reserva legal às áreas de preservação permanente – e se maneja o solo com as mais modernas técnicas da agricultura. Quem negaria isso?

A expansão do grão da soja pelas áreas dos Cerrados estabilizou o mercado de alimentos mundial – comprar sacolas e sacolas de alimentos industrializados com prazo de validade de meses e armazenar na despensa e congelar no freezer de casa. Quem desejaria mais que isso?

Por enquanto a matriz da fazenda, no Mato Grosso, preteriu os transgênicos em prol da soja convencional para satisfazer os euro-compradores. No caso do Cerrado sul-maranhense a sorte foi lançada há mais de vinte e cinco anos e no Baixo Parnaíba uma leva de gaúchos, paranaenses e mato-grossenses em pouco menos de uma década atiçou o mercado de sementes, máquinas colheitadeiras e de terras.

Asfaltaram e sinalizaram a BR-222 no trecho entre o Entrocamento e a cidade de Chapadinha. Ficou que nem um tapete. Os caminhões que transportam a soja para o porto de Itaqui e o carvão vegetal para a Margusa, em Rosário, rodarão mais rápido. Os motoristas que se cuidem para não acelerarem demais nesse tapete e se acidentarem. As prefeituras dos municípios deveriam promover umas campanhas de educação no trânsito para a juventude e para a criançada. Até que o trânsito nesses municípios não é violento, mas basta os pais se descuidarem e os seus filhos pegam os carros e as motocicletas para farrearem pelas ruas das cidades.

E eles, os sojicultores e os empregados, mil vezes exprimiriam – como um lema ou um refrão inesquecível – que as plantações de soja e as técnicas de plantio dignificam o ser humano, valorizam o solo e melhoram o meio ambiente – diferente do que acusam alguns abusados ambientalistas, a soja não brutaliza o ser humano e não depauperiza o meio ambiente.

Sabe do que mais? O quanto antes o bacuri e o pequi chamuscarem em baterias de carvoarias melhor para a economia local, para o meio ambiente e para os moradores pobres dos Cerrados. Sob um aspecto, as presenças das duas espécies dificultam o desmate contínuo da vegetação nativa e o preparo da terra; isso conta para o bolso. Sob um outro aspecto, as presenças das duas espécies enfeiam o cenário de terra lisa pronta para acolher as sementes de soja; isso conta para os brios de alguém que pagou para desmatarem uma área extensa de Cerrado.

Sabe do que mais? Sem o agronegócio, o país empobreceria. Sabe do que mais? Os ambientalistas e os órgãos ambientais entravam o desenvolvimento do país ao reivindicarem licenciamento ambiental pra tudo – pro menor grão de soja até pro maior reflorestamento de eucalipto – e reivindicaram novas unidades de conservação. Os céus que protejam as árvores e os animais. O Estado que proteja o santo agronegócio com subsídios, investimentos em infra-estrutura e legislação ambiental mais flexível.

Sinceramente, o agronegócio só não faz chover, mas a chuva que cai todo fim e começo de ano ajuda bastante o crescimento da soja. O agronegócio acelera e chacoalha a arcaica estrutura econômica e social do Brasil com vistas a novas técnicas de produção e a novos padrões de consumo.

Em pouco menos de cinqüenta anos, o agronegócio pediu empréstimos, acumulou dívidas e estaqueou cercas pelos Cerrados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Piauí, Maranhão, Rondônia e Pará para a criação de gado ou para o plantio de soja.

O ritmo de ocupação coincide com a chamada terceira revolução industrial e, um pouco mais tarde, com as sucessivas crises do petróleo, nas quais países do primeiro mundo despacham para o dito terceiro mundo as suas indústrias mais poluidoras e mais dependentes de energia e patrocinam a produção de grãos como a soja para poderem se centrar no biscoito fino da alta tecnologia. Esse ritmo não comporta em si as narrativas orais, musicais e escritas das comunidades dos Cerrados maranhenses – Cerrado sul-maranhense e Baixo Parnaíba – porque a sua estrutura flerta com a incongruência, com o senso comum e com o consumismo irrelevante, enquanto que as narrativas das comunidades tradicionais purificam os sentidos conflitantes em prol de um sentido maior – o conhecimento humano é que dá sentido à história e não o conhecimento técnico-científico.

Das mãos do senhor Chico Viana, da comunidade de Chapada Limpa, município de Chapadinha, Baixo Parnaíba maranhense, que não é nenhum doutor em agronomia, engenharia florestal ou meio ambiente, se traçou um bacurizeiro e seus 60 galhos, que no final de novembro fora derrubado pelo correntão, na área da reserva extrativista de Chapada Limpa. Um realista afirmaria que as leis estão aí porque alguém paga caro por elas, e com a permissão do judiciário, bacurizeiros circunspetos – em dias de poucas nuvens – foram arrancados para carvoejarem lentamente. A justiça tarda, mas não falha.

Mayron Régis, jornalista

in www.EcoDebate.com.br – 22/01/2007