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trabalho escravo: A regra do jogo, por Leonardo Sakamoto

[Repórter Brasil] Os produtores rurais utilizam trabalho escravo e diminuem custos de produção para aumentar sua capacidade de competição nos mercados interno e externo de commodities agropecuárias. Por mais que a diminuição seja pequena, a competição é muito grande e os preços de referência, iguais para todos, o que garante que qualquer economia faça diferença.

O trabalho escravo contemporâneo no Brasil não é resíduo de uma situação historicamente ultrapassada, ainda não destruída pelo avanço do capitalismo, e sim uma forma de exploração antiga reinventada pelo próprio capitalismo para garantir a exploração de trabalhadores nas regiões de sua expansão.

Onde encontra situações pré-capitalistas com características que poderão beneficiá-lo, ele não as elimina e sim as recria. Por exemplo, no que pese o assalariamento ser uma regra do capital, há locais em que empreendimentos capitalistas mantiveram as práticas antigas de servidão.

Grosso modo, para produzir mais pelo mesmo custo há duas alternativas. Ou você tem tecnologia para garantir o aumento da produtividade (o que acontece nos locais desenvolvidos) ou você reduz o custo com a força de trabalho para não ficar para trás (como em empreendimentos na fronteira agrícola na Amazônia e no Cerrado). Ou seja, o trabalho escravo contemporâneo no Brasil é uma forma de garantir a capacidade de concorrência dispendendo investimentos menores.

A espoliação do trabalhador não fica restrita ao momento em que o empreendimento é implantado, mas continua ao longo do tempo para compensar essa sua natureza mais atrasada. O professor José de SouzaMartins discorre sobre isso de forma bastante interessante em seus textos sobre o tema.

Vale notar que há fazendas no Pará, Mato Grosso e Tocantins com uma parte extremamente desenvolvida tecnologicamente e correta no trato com os funcionários, enquanto a outra parte explora peões da forma mais degradantes possível. Isso normalmente ocorre nas atividades de expansão da propriedade, como o desmatamento, ou de baixa especialização, em que o maquinário não consegue operar – como catação de raízes e fabricação de cercas.

É claro que a entrada dessas novas fronteiras agrícolas elevam a oferta mundial de commodities em uma velocidade que tem sido historicamente maior que o crescimento da demanda. Conseqüente, os preços pagos aos produtores rurais diminuem constantemente. Isso beneficia as tradings e, principalmente, as indústrias, que podem continuar aumentando sua margem de lucro, com a diminuição do custo das matérias-primas. A exploração intensiva do trabalhador da periferia do mundo contribui com o desenvolvimento do capital global.

O trabalho escravo é apenas a ponta de um iceberg, a parte mais cruenta e desumana de um sistema de explora e nega direitos trabalhistas para garantir o aumento da margem de lucro. Se temos pelo menos 25 mil trabalhadores rurais nessas condições, há um número maior de pessoas em condições degradantes de trabalho e uma quantidade maior ainda de superexplorados. Como em uma pirâmide, o número de explorados vai aumentando na medida em que diminui o grau de exploração. Na base, estão milhões de pessoas com remuneração abaixo das necessidades para sua reproduçao social. Ou seja, roubados em sua força de trabalho, mas no limite da lei.

O sistema de combate ao trabalho escravo, quando se utiliza de instrumentos de repressão econômica, age, portanto, não apenas para evitar esse crime, mas também para melhorar a condição de vida de todos os que fazem parte dessa pirâmide. A pressão econômica, do consumo consciente, passando pelas restrições comerciais à perda do valor das ações em bolsa dos clientes de fazendas que superexploram o trabalhador, forçam uma adequação às regras do jogo.

O problema é que o capitalismo ideal (para os seus ideólogos, é claro) – com trabalhadores remunerados o suficiente para suprir suas necessidades e com liberdade para vender sua força de trabalho a quem garantir as melhores condições – é de rara aplicação. As práticas recorrentes no campo no Brasil mostram que a situação tem sido bem diferente e que o capitalismo precisa dessa exploração da periferia para crescer no centro.

É triste constatar (pelo tamanho do encrenca) que a garantia da qualidade de vida dos trabalhadores em todo o mundo dependerá de mudanças estruturais em um sistema de exploração que se adapta rapidamente.

Leonardo Sakamoto, jornalista e cientista político, é coordenador da ONG Repórter Brasil.

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado no Blog do Sakamoto, in Repórter Brasil
Sexta, 12 de Janeiro de 2007 – 12h23