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Artigo

O meio ambiente em 2007, por Rogerio Grassetto Teixeira da Cunha, Danilo Pretti di Giorgi e Rodolfo Aureliano Salm

[Correio da Cidadania] É claro que torcemos pela dama-da-mata e é claro também que derrotas significativas serão observadas durante todo o segundo mandato de Lula, caso a dama-de-ferro do governo consiga impor sua forma de ver o futuro do Brasil.

Num mundo tão instável, dominado por crises dos mais variados tipos e com acontecimentos inesperados mudando subitamente o curso da história, não é tarefa fácil tentar imaginar o que pode acontecer nos próximos 12 meses em qualquer esfera. O mesmo se dá em relação ao meio ambiente, seja no plano local ou global. Aqui no Brasil, dois fatos importantes e correlatos, ocorridos no final do ano passado, certamente vão trazer desdobramentos na área ambiental este ano e podem nos dar algumas pistas sobre como será a política de meio ambiente do governo, não só em 2007, mas durante todo o próximo mandato de Lula.

Em primeiro lugar, as trapalhadas do presidente, que, em suas declarações sobre a necessidade de crescimento do país, incluiu os órgãos ambientais entre os culpados pelo baixo crescimento do PIB.

Logo em seguida, assistimos à disputa pública, e por vezes tensa, entre duas importantes peças do governo, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, briga que promete esquentar conforme 2007 for pegando embalo, após o Carnaval. Nesta polêmica, está colocada uma das mais importantes questões do ambientalismo, que é a suposta incompatibilidade entre a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento econômico ou pelo menos a real incompatibilidade, se considerada a idéia de desenvolvimento econômico fomentada por aqui.

Tudo indica que esta briga, que raramente se torna pública, mas que acontece dentro do governo desde sempre, volte com força no segundo mandato de Lula. Tendo em vista que o presidente deu pouca força política a Marina e muita a Dilma em seu primeiro mandato, e que esta é mais alinhada ideologicamente com o presidente e com amplos setores da mídia e das forças políticas e econômicas que clamam por crescimento a qualquer custo, o cenário está montado para que as demandas ambientalistas sejam atropeladas. Principalmente em se tratando de grandes obras de infra-estrutura e energia.

Podemos imaginar, por exemplo, que as obras das malfadadas hidrelétricas nos rios Madeira e Xingu têm uma boa chance de ser principiadas de fato ainda em 2007. Também parece possível que Lula decida tocar a transposição do rio São Francisco, incensado por Ciro Gomes, que vê a obra como sua grande possibilidade de projeção pessoal. Quanto ao agronegócio destruidor, pode ser que vejamos mais um ano de redução de desmatamentos na Amazônia e no Cerrado. Com o El Niño ativo e previsões de chuvas irregulares em várias partes do país, as perspectivas para a safra 2007 não são boas, o que pode significar menor sanha de sojicultores na destruição da mata. Agora, quanto aos pecuaristas, aí já não sabemos. Ainda sobre o El Niño, o aquecimento das águas do Pacífico causado pelo fenômeno pode trazer mais um ano de seca na região Amazônica.

E, no ponto em que as duas ministras convergem, a concessão de florestas públicas à gestão privada, aí então é que a coisa deve andar mesmo. Provavelmente, veremos a implantação dos primeiros projetos ainda em 2007, embora os efeitos extremamente negativos disto só deverão ser sentidos muito mais à frente.

No plano internacional, inegavelmente a questão mais urgente é o aquecimento global. Neste assunto, o Reino Unido desponta como a voz mais ativa, ainda que tímida, na luta pela mudança de hábitos necessária para reverter o efeito estufa e suas conseqüências para as condições futuras de vida na Terra. Os dois maiores candidatos à sucessão do primeiro-ministro Tony Blair, o trabalhista Gordon Brown e o conservador David Cameron, competem para ver quem aparece na mídia como o maior amigo da natureza, com declarações sobre o futuro do planeta e atitudes práticas. Na nobreza, príncipe Charles deu mostras de engajamento, ao colocar aquecedores a lenha em suas mansões, comprar bicicletas para seus funcionários em Londres e aumentar a eficiência energética em suas casas de campo, entre outras atitudes. Pode-se questionar a figura de Charles, assim como a instituição da monarquia inglesa, mas é inegável o poder multiplicador e o forte apelo midiático e político destas atitudes, em contraposição aos posicionamentos fundamentalistas de George W. Bush. A continuar neste passo, imaginamos que as mensagens de alerta tornem-se cada vez mais audíveis em 2007 e quem sabe num futuro próximo todos acordemos da letargia na qual estamos imersos agora.

Por falar nos Estados Unidos, governadores e prefeitos republicanos, do partido de Bush, estão assinando acordos e tratados para cumprir a redução da emissão de gases prevista pelo Protocolo de Kyoto. Um deles é o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger.

Mais de 200 prefeitos estadunidenses assinaram um tratado com metas parecidas. As prefeituras de San Francisco e de Chicago, por exemplo, já trocaram boa parte da frota municipal por veículos que usam fontes de energia alternativas, tudo isso ignorando o posicionamento do governo central. Melhor: a violenta derrota eleitoral dos republicanos em 2006 tende a enfraquecer o discurso suicida de Bush, que provavelmente terá de recuar pelo menos alguns passos para não perder ainda mais espaço.

Só que os dois grandes partidos estadunidenses estão cada vez mais parecidos. Os democratas provavelmente não fariam muito diferente do que os republicanos têm feito sobre a questão, só que seriam menos desastrados na forma de fazê-lo e talvez dessem um ou outro passinho tímido e pouco relevante em prol da redução das emissões de gases do efeito estufa. De certo mesmo é que, em 2007, Bush e o que há de pior entre os republicanos continuam no poder e as chances de uma mudança significativa de atitude dos EUA neste ano são muito pequenas.

Ainda sobre Kyoto, o Brasil precisará de muito cuidado para não se tornar, a partir deste ano, um grande alvo de protestos de ambientalistas. Não está soando nada bem a insistência do governo Lula em negar-se a firmar algum tipo de acordo com metas para redução dos desmatamentos – responsáveis no nosso país por cerca de 80% das emissões dos gases. Com o argumento de que as nações ricas chegaram ao atual patamar de desenvolvimento destruindo a natureza, o Brasil tem se mostrado absolutamente intransigente para discutir metas. Quer liberdade para cometer os abusos que lhe convierem, sem prestar contas, esquecendo-se que o planeta não vai esperar o Brasil ficar mais rico para começar a acelerar o derretimento das geleiras.

De qualquer forma, este é um discurso perigoso, pois o raciocínio do Brasil tem um aspecto sedutor, já que muita gente considera que a carga maior deveria sim ir para quem já garantiu melhores condições de vida ao povo e não para os países em desenvolvimento. O raciocínio é falacioso, pois parte daquele argumento segundo o qual “já que o outro faz coisas erradas, então eu também posso fazer”. O segundo erro é acreditar que as desigualdades por aqui são fruto de pouco desenvolvimento econômico.

Todos sabemos que o grande e histórico problema do Brasil não é nem de longe falta de dinheiro, nem vem de fora. Ele é na verdade bem caseiro: a péssima distribuição de renda entre os próprios brasileiros. Com a riqueza e a infra-estrutura que temos hoje, poderíamos, com sobras, dar condições dignas de vida a todos os brasileiros. Além disso, a mudança necessária na relação do homem com a natureza e com seus semelhantes para evitar as conseqüências funestas do aquecimento global terá de ser tão radical que não é sensato analisar as coisas sob a ótica de compensações que o Brasil (e outros países em desenvolvimento, diga-se) impõe à comunidade internacional. A natureza não entende de história nem de política dos povos.

Há porém um aspecto ético em relação aos menos favorecidos, que não deve ser desconsiderado. Como já dissemos anteriormente, os pobres sempre ganham alguma coisa com o desenvolvimento, nem que seja em caixas de papelão. Assim, o contra-argumento do Brasil não é completamente falho, ainda que o desenvolvimento se dê em bases de desigualdade. De qualquer forma, o assunto pode ser conciliado se pensarmos que a destruição da floresta pouco tem a ver com um possível crescimento econômico e que poderíamos sim ter metas de redução de desmatamento e ainda assim crescer economicamente.

Há esperanças de que Lula opte ao menos por um meio termo entre o que querem as ministras, apesar de que as recentes declarações tendam ao contrário. Não há, aparentemente, um caminho que possa deixar ambas satisfeitas. É claro que torcemos pela dama-da-mata e é claro também que derrotas significativas serão observadas durante todo o segundo mandato de Lula, caso a dama-de-ferro do governo consiga impor sua forma de ver o futuro do Brasil.

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.

Rodolfo Salm, doutor em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia e pela Universidade Federal de São Carlos, é pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi.

Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.

Email: ambiente.cidadania@gmail.com

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Correio da Cidadania