Crescimento a qualquer custo? Não, obrigado, por Fernando Almeida
[Correio Braziliense] Em 2007, completaremos 20 anos da criação da base filosófica do desenvolvimento sustentável. O paradigma da sustentabilidade como sobrevivência em um sentido mais amplo foi elaborado em 1987 por uma comissão da ONU, a célebre Comissão Brundtland. Trata-se de planejar, ordenar, executar, monitorar e corrigir continuamente projetos e processos de desenvolvimento, considerando sempre três dimensões fundamentais: a econômica, a social e a ambiental.
Vinte anos depois do Relatório Brundtland, assistimos à reedição de inacreditável disputa entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente como se a sobrevivência de todos nós pudesse conceber um sem o outro. A constatação de que o desenvolvimento econômico do pós-guerra deu-se à custa da predação dos recursos naturais e sociais tornou-se consenso na década de 80.
Também é consenso hoje que apenas incorporar limitações ao desenvolvimento tradicional para preservar os recursos naturais não atende à necessidade de um país como o Brasil, que, com 50 milhões de miseráveis, não pode se dar ao luxo de perder, sem uma boa razão, um emprego, um investimento, uma oportunidade.
Não é exagero afirmar que o emperramento do licenciamento ambiental induz à fome. Mas a solução passa por torná-lo mais transparente e eficaz, não eliminá-lo do processo ou afrouxar suas regras. O licenciamento ambiental é instrumento de governo fundamental para a democracia e o exercício da cidadania, salvaguarda para as empresas e a sociedade.
Datam do final da década de 70 as primeiras ações governamentais para disciplinar a atividade econômica. A lei que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente estabelece como objetivo “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar no país condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”. Acolhido pela Constituição de 1988, o desenvolvimento sustentável é hoje mandamento constitucional.
Porém, de maneira geral, governos não sabem como lidar com um conceito cuja aplicação prática demanda tamanha integração, multidisciplinaridade e que não pode ser enquadrado em um único ministério ou secretaria. O nosso governo em especial transita bem pela dimensão social, mas não dá mostras de perceber que o processo de desenvolvimento econômico e social pressupõe a incorporação eficaz, simultânea e inteligente dos recursos ambientais.
Essa incorporação precisa permear as esferas de governo, da mais modesta prefeitura ao Palácio do Planalto. É necessário que as práticas sustentáveis permeiem todas as políticas públicas no país. Trata-se de uma mudança de comportamento e atitude, daí sua dificuldade. Mudam-se facilmente leis, regulamentos, opiniões, pessoas, governos. Mudar conceitos e comportamentos é muito mais complicado.
Mesmo entre especialistas, o conceito do desenvolvimento sustentável em suas três dimensões é de difícil assimilação. Apenas em novembro último, oito anos após sua criação em 1998, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social anunciou mudança radical em sua missão. A entidade passará a se dedicar à agenda do desenvolvimento sustentável, passo além do conceito de responsabilidade social que fez sua história, e se compromete a não economizar esforços para tornar as premissas do desenvolvimento sustentável realidade no projeto do país. São muito bem-vindos, pois a tarefa é imensa e urgente.
As premissas, apesar de óbvias, não são consenso nem entre ministérios do próprio governo. Apesar das dificuldades, o tema vem ganhando espaço, e a população vem se interessando mais e começa a incorporar a questão, mesmo sendo o tema complexo e avesso a simplificações. A grande imprensa também tem se mostrado receptiva. Cada vez mais vemos matérias sobre uma, duas ou as três dimensões do desenvolvimento sustentável nos jornais e telejornais. O interesse da imprensa pode ser medido nos cursos de jornalismo ambiental que já existem em importantes instituições como a PUC RJ.
Pode parecer surpresa para alguns setores, certamente não é para nós, mas quem está na frente da corrida por compreender, assimilar e aplicar os conceitos do desenvolvimento sustentável em todas as suas esferas são as empresas. Uma elite empresarial entendeu que o simples cumprimento da lei não é suficiente para colocar a empresa em uma faixa segura. Essa elite compreendeu o conceito de bens intangíveis: marca, reputação e capacidade de estabelecer parcerias e diálogos com diferentes grupos sociais definem hoje, segundo pesquisa do Financial Times, de 75% a 90% do valor de uma empresa.
Há muito tempo a “Licença para Operar” não é dada apenas pelas exigências governamentais, mas pelos consumidores e sociedade em geral. A elite empresarial esforça-se para administrar a dimensão econômica simultaneamente com as demandas sociais e ambientais não por exigência de lei, mas por acreditar que é necessidade para a própria sobrevivência.
A conscientização da elite é importante para dar o exemplo, porém não é suficiente. Precisamos democratizar a prática da sustentabilidade para além da elite. Urgente também é conscientizar o poder público da necessidade de busca de resultados desse paradigma. Há setores que já compreenderam a urgência e importância da mudança de comportamento e, por isso assumem, naturalmente, a responsabilidade da liderança da mudança. A conscientização da necessidade da aplicação dos conceitos da sustentabilidade em larga escala é questão de sobrevivência. Da própria sobrevivência
Fernando Almeida é professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Correio Braziliense – 08/01/2007