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Artigo

O PNUD e a água, por Roberto Malvezzi (Gogó)

[EcoDebate] O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento esse ano focou a questão da água. Em termos mundiais não trouxe grandes novidades. Os 1,1 bilhão de pessoas que passam sede e os 2,6 bilhões que não têm saneamento apenas alargaram as estatísticas que já existiam na Cúpula Mundial do Meio Ambiente de Johannesburgo em 2002.

A novidade é brasileira. Hoje 10% dos brasileiros não teriam acesso à água potável e 25% não teriam acesso à coleta de esgotos. Números muitos melhores que os utilizados na Campanha da Fraternidade de 2004, onde 20% da população não tinham acesso à água potável e 50% dos domicílios não tinham coleta de esgoto.

Entretanto, é preciso passar um pente fino nas estatísticas do PNUD. Estatística não põe água na torneira. Na verdade, mesmo festejando avanços, é preciso lembrar que o simples fato de ampliar as redes de abastecimento – é por aí que se cataloga as estatísticas – não significa que exista água nas torneiras. Sabemos o inferno das periferias das grandes cidades, onde as torneiras costumam ficar secas durante a semana inteira. Ora, a segurança hídrica doméstica se dá quando uma pessoa tem a quantidade de 40 litros de água por dia com qualidade e regularidade. Portanto, a insegurança hídrica de nossa população é bem maior que a estatística elástica do PNUD.

Além disso, há a questão da qualidade. A água das nossas torneiras nem sempre é potável. Estima-se que 40% não têm potabilidade confiável. Na cidade do Recife, para exemplificar, grande parte da população compra água engarrafada para beber ou perfura poços artesianos para consumo humano. Há ainda o problema da contaminação fina por resíduos de agrotóxicos e outros poluentes não elimináveis pelos métodos tradicionais utilizados no Brasil, que são bactericidas.

O problema maior, entretanto, é que 80% dos esgotos coletados são jogados “in natura” dentro de nossos rios, fazendo que com aproximadamente 70% estejam completamente poluídos e inutilizáveis para consumo humano.

O PNUD não faz referências ao projeto Um Milhão de Cisternas no semi-árido brasileiro, reafirmando o óbvio ululante que esta é a região mais problemática em termos de segurança hídrica. Pois bem, as cisternas oferecem água de qualidade e as últimas pesquisas da Embrapa comprovam o que estamos afirmando ao revelar que 94% dos beneficiados estão satisfeitos com essa pequena obra.

Vamos celebrar os avanços, afinal, cada dólar investido em saneamento poupa quatro investidos em saúde. Além do mais, temos cidades mais cheirosas, rios mais limpos, biodiversidade aquática mais rica e preservada. Mas estamos muito longe do ideal. A saída está na implantação da Política de Saneamento Ambiental que tramita no Congresso. Ali, se for mesmo aprovada e transformar-se efetivamente em política pública, poderemos celebrar índices de primeiro mundo, talvez até mais enriquecidos com rios revitalizados e saberemos que a luta não foi em vão.

Roberto Malvezzi (Gogó) é Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra – CPT

in www.ecodebate.com.br – 16/11/2006