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Artigo

Transposição do rio São Francisco – Perguntas e Respostas (Terceira e Última Parte), por Dilermando Alves do Nascimento

VOCE SABE QUAIS SÃO AS ALTERNATIVAS DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA PARA O NORDESTE DO BRASIL COM O MELHOR CUSTO-BENEFÍCIO?

GEÓLOGO: DILERMNADO ALVES DO NASCIMENTO

INTRODUÇÃO

Este trabalho é composto de uma série de boletins interdependentes que proporcionam uma visão global sobre o Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, e fundamenta-se em uma coletânea de dados estritamente técnicos disponíveis na vasta bibliografia existente sobre os diversos levantamentos multidisciplinares efetuados na Região do Nordeste do Brasil. São analisadas inúmeras informações sobre o polêmico projeto que levará água para as bacias receptoras do Rio Jaguaribe, Rio Apodi e do Rio Piranhas-Açu, denominado de eixo norte da transposição.

Neste boletim iremos apresentar uma proposta de soluções alternativas que indicam custos e benefícios, com perspectivas de promoverem resultados bem mais satisfatórios para a questão da oferta e da distribuição espacial das águas para a Região Setentrional do Nordeste do Brasil, superando incondicionalmente os resultados esperados pela proposta de implantação do Projeto de Integração do Rio São Francisco apresentado pelo Governo Federal.

Queremos lembrar que nas últimas décadas todas as propostas apresentadas sobre a Transposição do Rio São Francisco, sempre foram de cunho político e não através de indicações baseadas em resultados e análises de estudos técnicos. Para nossa sorte, a idéia da transposição não decolou até o ano de 1980 em função da indisponibilidade de energia elétrica na época, que não era o suficiente para mover as gigantescas bombas que serão acionadas para jogar as águas do Rio São Francisco para as bacias receptoras. Situação típica aconteceu no governo do Presidente Fernando Henrique que graças ao fantasma do apagão, entre 2000 a 2001, o projeto não foi implantado. Acrescente-se ao fato do impedimento, a pressão exercida por varias entidades não governamentais e pela própria natureza polêmica do projeto.

Fica aqui registrada a nossa indignação por esta tomada de decisão arbitrária e inconseqüente, por parte do atual governo brasileiro, de executar a obra a toque de caixa passando por cima de todos os trabalhos realizados na região ao longo dos últimos 50 anos principalmente os estudos levantados pelas próprias instituições do governo, instituições sérias, e que gozam de um prestígio irrefutável perante toda a nação, a exemplo do, DNOCS, SUDENE, CODEVASF, CHESF, CPRM, PROJETO RADAMBRASI, IBGE etc.

Estes órgãos executaram inúmeros projetos na Região do Nordeste do Brasil apresentando estudos de alto nível técnico sendo considerados por toda comunidade técnico-científica do país como auto-suficientes constituindo a chave para resolução dos problemas nordestinos. Este acervo é totalmente irreconhecível pela equipe técnica do Governo Federal que descartou todo o conhecimento científico acumulado neste período quando da elaboração do Projeto de Integração Rio São Francisco, jogando na lata do lixo, anos e mais anos de experiências e pesquisas realizadas.

Renomados estudiosos, professores e cientistas deste país, de notório saber científico em todas as áreas do conhecimento, vêm estudando especificamente a idéia da transposição ao longo dos últimos 40 anos, fato relevante ratificado por cientistas do mundo globalizado que reconhecem serem corretas as conclusões apresentadas pelos estudiosos brasileiros sobre a inviabilidade econômica da execução do projeto. Essa verdade ficou bem clara e cristalina nas manifestações e nos debates apresentados no superlotado e concorrido auditório do Parque de Ondina na UFBA por ocasião da reunião realizada em outubro de 2003 pela SBPC em Salvador. Obviamente que os trabalhos desenvolvidos por estes professores e cientistas também não foram observados pela equipe técnica responsável pela montagem do Projeto de Integração do Rio São Francisco.

Após a análise e o diagnóstico apresentado em boletins anteriores sobre as questões relativas ao superávit hídrico das grandes massas d’água armazenadas nos principais açudes do Nordeste, onde foi dado enfoque principalmente a sua má distribuição espacial, propomos neste boletim as soluções alternativas, que são unanimidade entre os analistas e estudiosos do tema, que já sinalizaram serem estas alternativas as mais indicadas para sanar os problemas de oferta e de distribuição espacial das águas desta região do país.

Apresentamos aqui algumas das formas de se ampliar à oferta d’água no semi-árido nordestino através da construção de obras com tecnologias de eficiência já comprovadas nos diversos projetos atualmente em andamento, implantados pelos governos estaduais. São formas de captação de água que apresentam realmente o melhor resultado custo-benefício além de gerar emprego com mão-de-obra local. Ainda permitem levar a água aos recantos mais afastados da zona rural com população dispersa onde as obras de engenharia com a construção de adutoras e túneis para distribuição da água nestas áreas são praticamente economicamente inviáveis.

Dentre as opções que podem ser consideradas como objetivo de maximizar a disponibilidade de água na Região do Nordeste destacam-se:

• Dar continuidade ao programa de construção de grandes represas na região, intercalando com pequenas barragens a jusante.
• Construção de barragens subterrâneas.
• O uso de dessalinizadores em poços tubulares nas áreas onde a opção é única.
• Implantação pontual de cisternas para captação de água de chuva.
• Construção de mais poços tubulares em áreas de captação promissora.
• Tratamento e reutilização de águas recicladas.
• Implementação de processos para recarga artificial de aqüíferos.
• Desenvolver políticas de combate ao desperdício de água já que no Brasil chega-se a desperdiçar entre 30 a 40% da oferta de água tratada.

PROPOSTAS PARA IMPLANTAÇÃO DAS SOLUÇÕES ALTERNATIVAS

Dentre as opções acima relacionadas três delas, as Barragens Subterrâneas, as Cisternas e a Dessalinização de Água de Poços Tubulares, são consideradas por unanimidade em todos os trabalhos técnicos levantados, como sendo relevantes e indispensáveis em qualquer programa que vise levar a água para o mais próximo das comunidades rurais do interior do sertão. Elas constituem soluções efetivas e reais para resolver definitivamente a oferta pontual de água eliminando assim a má distribuição espacial das águas da região. Lembramos que estas alternativas, fazem parte de qualquer “catecismo” que trate do tema para sanar a problemática sobre a oferta de água para região. Elas foram taxativamente eliminadas e descartadas indevidamente pelos técnicos do Governo Federal através do Ministério da Integração Nacional na elaboração do Projeto de Integração do Rio São Francisco ou quando foram lembradas apenas consideradas como opções secundárias complementares.

BARRAGENS SUBTERRÂNEAS

• As experiências feitas no Estado de Pernambuco com a construção de 500 barragens subterrâneas indicam que a barragem subterrânea é uma forma de captação de água mais eficiente para sustentar a agricultura familiar servindo até trinta famílias na utilização da água nas lavouras.
• A construção de 50.000 barragens subterrâneas na Região Setentrional dos quatro estados Ce, Rn, Pb e Pe ao custo de R$ 6 mil reais cada, totalizariam R$ 300 milhões, com capacidade para atender trinta famílias por barragem (cinco pessoas por família), beneficiando cerca de 7.500.000 pessoas.
• Se a área do Nordeste a ser beneficiada diretamente pelo Projeto de Integração do Rio São Francisco atingir 140.000 Km² e construirmos nessa área 50.000 barragens subterrâneas, terá uma média de 0,35 barragens/Km². Esse número indica que teríamos uma reserva de água para todos os habitantes da região a uma distância nunca superior a 1 Km, inclusive para os seus animais.

DESSALINIZAÇÃO DE ÁGUA DE POÇOS TUBULARES

• Dos 70 mil poços perfurados no Nordeste , estima-se que cerca de 30% 21 mil poços possuem salinidade elevada imprópria para consumo humano.
• A instalação de dessalinizadores em 21 mil poços para atender uma vazão até 50m³ /dia (2.083l/h) ao preço unitário de 31 mil reais totalizaria R$ 651 milhões de reais suficientes para atender cerca de 546.787 pessoas ao consumo de 80 l/dia/p recomendado para a zona rural.

CISTERNAS PARA CAPTAÇÃO DE ÁGUA DE CHUVA

• Esta forma de captação tem demonstrado o melhor custo – beneficio das alternativas para consumo humano.
A ASA- Articulação para o Semi-Árido estima que a construção de 1 milhão de cisternas beneficiaria 5 milhões de pessoas em 5 anos.
• Propomos a construção de 500 mil cisternas ao custo médio de R$ 1 mil reais totalizando R$ 500 milhões reais, suficiente para atender à cerca de 2,5 milhões de pessoas (5 pessoas por família). Já foram construídas cerca de 120 cisternas nos últimos anos.
• As três alternativas propostas atenderiam a 10.546.787 pessoas, espalhadas em comunidades do interior do sertão nos locais mais longínquos e afastados das grandes massas d’águas cobrindo aqueles espaços onde essas captações são as únicas alternativas e com custo-benefício bem inferior ao da construção de grandes adutoras. Estamos projetando uma oferta de água para atender cerca do dobro da demanda da população rural dos quatro estados que é de 5.712.160 habitantes.
• Custo total de captação da água das soluções alternativas é de R$ 1.451.000.000,00 comparado com o valor de R$ 4.500.000.000,00 que serão gastos no Projeto da Integração Rio São Francisco do Governo Federal, teríamos uma economia para os cofres públicos de R$ 3.049.000.000,00 isto sem levar em consideração a economia que será feita em gastos com saúde publica, em função da oferta de água potável, minimizando o tratamento das doenças de veiculação hídrica.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES:
Assim, pode-se concluir que as soluções alternativas existem para resolver definitivamente a oferta e a má distribuição espacial das águas no semi-árido da Região do Nordeste do Brasil. Garante resultados satisfatórios já comprovados pelas experiências adquiridas em projetos atuais em desenvolvimento nos quatros estados nordestinos, que além de oferecer vantagens no custo-benefício das obras que serão implantadas, elimina as incertezas do sucesso das soluções alternativas, dando garantia e segurança ao empreendimento, fator este, que não acontece no projeto do governo, que deixa suspeitas em detrimento das ações que os programas delineados para o Projeto de Integração do Rio São Francisco venham a oferecer com retorno duvidoso.

A proposta de soluções alternativas trata portanto, da implantação e de construção de pequenas obras, simples e de baixo custo, já com tecnologias de eficiência comprovadas, que além de gerar inúmeros empregos na região da zona rural utilizando a mão-de-obra local, vai permitir um acesso fácil, próximo, e democrático do homem, para a utilização dos recursos hídricos disponíveis da região , fator de vital importância e de prioridade para a sobrevivência e para a convivência do caboclo nordestino com a seca. Resta agora o desafio de concretizá-las, o que requer vontade e força política dos nossos governantes para implantá-las, aí sim, talvez um dia nós possa ver eliminado o tão badalado estigma da indústria da seca.

Recomendamos aqui pelas características geológicas altamente favoráveis a abertura de poços tubulares nas bacias sedimentares dispersa do interior do Nordeste que tem um papel fundamental no abastecimento, sobretudo da população da zona rural desprovidas de outras fontes. Estas bacias sedimentares constituem sem sombra de duvida a melhor opção de fontes subterrâneas de água potável da região, podendo delas ser explorados racionalmente volumes de água o suficiente para suprir as necessidades principalmente de demanda de consumo humano, bem como, para irrigação das lavoras de subsistência, a exemplo do que já ocorre na bacia do Araripe com vazões que chegam até 100m³/h, a na bacia de Fátima em Pernambuco com vazão em torno de 120m³/h.

Destacam-se ainda outras bacias sedimentares interiores como:
· Pernambuco: São José do Belmonte, Mirandiba, Cedro, Araras e Carnaubeira.
· Paraíba: Rio do Peixe.
· Rio Grande do Norte: Pau de Ferro e Serra dos Martins.
· Ceará: Iguatu-Icó e Várzea Alegre-Lavras da Mangabeira.

EM APOIO A ESTE DOCUMENTO ASSINAM:

GEÓLOGOS: Adauto Lima Santiago Filho, Adevanil S. Lamartin Montes, Alex Domingos Carneiro Pereira, Carmelita Maria Pereira Píthon Gatto, Dagoberto A. Marinho, Eduardo Ruy Cardoso Braz, Enéas Góis da Fonseca, Eugênio A Lima, Flavio Cordeiro de Oliveira, Francisco Ferreira Fortunato, Luciano Leite Silva, Luiz Rodolfo C.Ortiz, Manuel Lamartin Montes, Newton Monteiro, Perpétua M.Brandão, Teotônio Durval C. Dourado, Ubirajara Ferreira do Carmo, Valdir Beraldo, Valdir Francisco Veronese, Wilson Ribeiro; GEÓGRAFOS: Bernardo Tadeu A Nunes, Geraldo César V Costa Pinto, José Henrique Vilas Boas, Lílian A Contente, Luiz Carlos S Gatto, Margarete Prates Rivas, Maria das Graças G.Correia, Maria Iranices P .C. Santiago, Regina Coeli Costa, Regina Maria P. Coutinho, Mario Luiz P Silva, Ronaldo N.Gonçalves, Tânia Regina S Ribeiro; ENGENHEIROS AGRÔNOMOS: Glailson B.Silva, Helge H.Sokolonski, José Maria Ferraz Luz, Nelson Lara da Costa; ENGENHEIROS FLORESTAIS: Roberto Paulo Orlandi, Sérgio Barros da Silva; BIÓLOGA: Rute M. Veras; NATURALISTA: Hortênsia Pousada Bautista; ANALISTAS DE SISTEMA: Romel Reis dos Santos, Washington Santos Alves; PSICÓLOGA: Selma Chaves Guilera; TÉCNICOS EM GEOLOGIA: Ieda Maria Velloso Silva, José Carlos Mata Rocha, Lunalva N Rocha, Nazareno Bezerra.

in EcoDebate, www.ecodebate.com.br, 13/06/2006