Não Queremos Carvoarias! Carta-Aberta às Autoridades e ao Povo
Nota do EcoDebate
As carvoarias continuam sendo grandes devastadoras florestais, quer seja na Bahia, em Minas Gerais, no Pará ou no Maranhão. Basta ver o que acontece no Pará, com a devastação incentivada pelas siderúrgicas.
Neste sentido, esta Carta-Aberta, de setembro de 2005, continua atual e importante, razão pela qual resolvemos republica-la, contando que suas informações sejam úteis aos nossos leitores e a todos que são companheiros nesta jornada por um Brasil socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável.
Henrique Cortez
coordenador do EcoDebate
Não Queremos Carvoarias! Carta-Aberta às Autoridades e ao Povo
Somos 62 pessoas – camponeses e camponesas, sindicalistas, agentes de pastoral, professores e professoras, religiosas, técnicos e representantes de ONGs, Cáritas NE 3, CPT e Paróquias do Médio São Francisco – reunidas na cidade de Barra, nos dias 24 e 25 de setembro de 2005 no I Seminário sobre Carvoarias da Região de Barra. Contamos com a participação da Ouvidoria Agrária do INCRA-BA, do IBAMA-Barreiras, do GEF-Caatinga e das Câmaras de Vereadores e das Prefeituras de Barra e de Buritirama. Acusamos as ausências da EBDA, CRA, Ministério Público Estadual, Ministério do Meio-Ambiente e Prefeituras e Câmaras Municipais de Morpará e Muquém do São Fancisco. Dirigimo-nos através desta Carta-Aberta às Autoridades e a todo o Povo para externar nossas preocupações e comunicar nossas resoluções a respeito da contínua expansão e conseqüências do carvoejamento em nossos municípios e comunidades. Constatamos preocupados os impactos negativos de caráter social, econômico, ambiental e cultural para as comunidades, desta atividade praticada muitas vezes de maneira irregular, quando não criminosa, em nome do lucro fácil de uns poucos, de fora da região, e do falso benefício local. Sentimo-nos impelidos a bradar: NÃO QUEREMOS CARVOARIAS!
Esgotadas as matas nativas e aumentado o controle político e social em Minas Gerais, as siderúrgicas mineiras têm feito aumentar assustadoramente o carvoejamento na Bahia, chegando já ao Piauí. As carvoeiras chegam se apropriando de nossas terras, se aproveitando do baixo preço delas e da carência e abandono do povo. Até áreas de assentamento de reforma agrária foram envolvidas. Muitas pessoas e comunidades da região têm sido assediadas e cooptadas, “compradas” com fornecimento de água, transporte de doentes, apadrinhamento de crianças e o ilusório ganho fácil e passageiro, que não compensa o desastre ambiental e social. E nunca houve debate ou consulta pública sobre se é este o tipo de desenvolvimento apropriado e desejado para a região. O resultado está sendo o desmatamento desenfreado da Caatinga e do Cerrado, onde as comunidades tradicionais criavam seus animais e plantavam suas roças, e a submissão de trabalhadores e trabalhadoras, em muitos casos até crianças, a condições de trabalho escravo.
Ficamos perplexos com a constatação de que o carvoejamento tem sido praticado sob o manto protetor da lei, a cobrir verdadeira “máfia” – uma rede mais ou menos criminosa que envolve empresas siderúrgicas e carvoeiras, prepostos locais e autoridades. Como o Estado é desaparelhado para fiscalizar projetos perfeitos apenas no papel e comprometido com uma modelo de desenvolvimento anti-social e anti-ambiental, através até de esquemas de corrupção, crimes como este do carvão tem compensado!
As autoridades não têm o respaldo da sociedade para permitir e, pior, apoiar esta perversa cadeia de produção do complexo minerário-siderúrgico-madeireiro, que obtém lucros fantásticos às custas da degradação do Cerrado e da Caatinga – natureza e povo –, cujo elo mais fraco e mais penalizado é o trabalhador do carvão e as comunidades locais.
Denunciamos:
· a legislação insuficiente para coibir o desmatamento e o carvoejamento indiscriminados;
· a falta de fiscalização nas empresas siderúrgicas e carvoeiras e nas estradas onde transitam os caminhões de carvão, por desaparelhamento, omissão ou conivência dos órgãos competentes;
· a não demarcação e regularização das terras devolutas que facilita a apropriação e usufruto pelas empresas carvoeiras, impedindo o uso comum pelas comunidades tradicionais, dificultando sua subsistência baseada na manutenção da biodiversidade local;
· as condições degradantes de trabalho nos desmatamentos e fornos de carvão, causando graves problemas sociais e de saúde aos trabalhadores e trabalhadoras, suas famílias e comunidades.
Exigimos:
· leis mais rigorosas e punitivas do carvoejamento indiscriminado e do trabalho escravo;
· aprovação pelo Congresso Nacional da Proposta de Emenda Constitucional no 483, que expropria as terras flagradas com trabalho escravo;
· reforma agrária de verdade, que desaproprie o latifúndio improdutivo e fraudulento e recupere os assentamentos inviabilizados;
· reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios quilombolas da região;
· criação de mais Unidades de Conservação na Caatinga e no Cerrado e melhor proteção das já existentes, com envolvimento e educação ambiental das comunidades locais;
· aparelhamento dos órgãos de fiscalização ambientais e trabalhistas através da reversão para eles dos recursos advindos de multas e penalizações de crimes ambientais e trabalhistas, invertendo a lógica da impunidade;
· reparação pelas siderúrgicas dos danos por elas causados ao meio-ambiente e aos trabalhadores de suas carvoarias, incluindo recuperação de áreas por elas degradadas;
· planos diretores de desenvolvimento sustentável em cada município, construídos com ampla participação popular;
· políticas sociais públicas, multi-setoriais, amplas e participativas, capazes de elevar o nível de vida das comunidades e a dignidade das pessoas;
· revitalização verdadeira da Bacia do São Francisco, através de programas governamentais efetivos, com recursos suficientes.
Defendemos que somente uma Caatinga e um Cerrado permanentemente manejados e preservados podem garantir um desenvolvimento realmente sustentável. NÃO QUEREMOS CARVOARIAS!
Comprometemo-nos em intensificar a informação, a formação, a organização e a mobilização permanentes do povo através de nossas entidades e ações, que têm que ser mais diretas, preventivas e efetivas em defesa dos interesses genuinamente populares.
Conclamamos as autoridades e toda a sociedade, cada uma cumprindo seu papel, a impedir o avanço da desgraça ambiental e social que são as carvoeiras em nossa região.
Barra, 25 de setembro de 2005.
Diocese de Barra, Paróquias de Barra e Morpará, MPA, MST, OTL, STR de Barra, Comunidades São Gonçalo, Sítio Novo, Cachoeira e Travessão (Brejos da Barra), Baixão de Aparecida, Baixão do Malabá e Piripiri (Barra), Serra Branca e Quilombo Jatobá (Muquém do SF), Comunidades de Brejão e Cupins (Buritirama), Mocambo do Branco e Bandarra (Morpará), APROCANA, Pastoral de Juventude, Pastoral da Infância Missionária, Cáritas NE 3, CPTs Barra e NE 3, FUNDIFRAN, CESAB-SF.