As perversidades do agronegócio para a sociedade brasileira
Caros amigos e amigas do MST,
Nesta edição especial, discutiremos o AGRONEGÓCIO. Nos alongamos um pouco no debate, mas apenas porque acreditamos ser necessário explicitar a nossa posição e as razões que nos levam a ser radicalmente contra esta prática no campo brasileiro.
I – O que é o agronegócio?
A palavra agronegócio tem um sentido genérico, referindo-se a todas as atividades de comércio com produtos agrícolas. Quando um pequeno agricultor vende um produto na feira está praticando um agronegócio. Quando um feirante vende frutas e verduras está praticando agronegócio. Essa é a essência do sentido da palavra, usada em nível internacional.
No entanto, aqui no Brasil a expressão foi utilizada pelos fazendeiros, por intelectuais das universidades e, sobretudo, pela imprensa para designar uma característica da produção no meio rural. Eles denominaram de agronegócio aquelas fazendas modernas, que utilizam grandes extensões de terra e se dedicam à monocultura. Ou seja, que se especializam num só produto, tem alta tecnologia, mecanização – às vezes irrigação – pouca mão-de-obra, e por isso, falam com orgulho que conseguem alta produtividade do trabalho. Tudo baseado em baixos salários, uso intensivo de agrotóxicos e de sementes transgênicas. Na maior parte dos casos, a produção é para a exportação. Em especial, cana-de-açúcar, café, algodão, soja, laranja, cacau, além da pecuária intensiva. Esse tipo de fazenda é o chamado agronegócio.
Mas o que há de novo? Nada. Se estudarmos com atenção, é o mesmo tipo de modo de produção que foi utilizado no período da Colônia, nos tempos do modelo agroexportador. Muda-se apenas de trabalhador escravizado para assalariado e as técnicas passam a ser modernas. E esses salários, segundo estudos, são os menores em comparação com as remunerações da indústria, do comércio e das fazendas dos países desenvolvidos ou competidores. Muitos estudiosos brasileiros afirmam que não são nosso clima e nossa sabedoria agrícola as vantagens comparativas que os fazendeiros brasileiros têm, mas sim a falta de respeito com seus empregados e de controle por parte do governo em relação à agressão que promovem ao meio ambiente, sem nenhuma responsabilidade com as gerações futuras. Há, por exemplo, inúmeras denúncias de agrônomos e cientistas dos estragos que a implantação da soja vem fazendo nos biomas da natureza do cerrado e da pré-Amazônia.
II. A falsa propaganda do agronegócio e sua aliança de classe:
Nos últimos anos, os meios de comunicação brasileiros, principalmente os grandes jornais e as televisões, têm feito propaganda sistemática em favor do modelo do agronegócio, como se fosse a salvação do Brasil. Colocam ele como o responsável pelo crescimento de nossa economia, pela geração de empregos, por uma agricultura moderna e pela produção de alimentos.
Todos esses argumentos utilizados na propaganda não se sustentam em uma análise mais rigorosa:
– O agronegócio é responsável pelo crescimento econômico do PIB: as atividades agrícolas propriamente ditas, lavoura e pecuária, correspondem a apenas 12% de toda a produção nacional. Então, mesmo que a agricultura dobre o valor ou o volume de produção, sua influência na economia total é muito pequena. Os propagandistas do agronegócio costumam misturar a agricultura com agroindústria, para dizer que o peso na economia aumenta para 37%. Mesmo assim, o peso e o crescimento da agroindústria não dependem da área cultivada, mas do mercado consumidor. Se o povo da cidade tiver dinheiro para comprar mais alimentos, aumenta a agroindústria no Brasil. Portanto, seu sucesso depende do valor do salário mínimo e da distribuição de renda nos centros urbanos.
– O agronegócio é responsável pelo sucesso da indústria: nada mais fantasioso. No final da década de 1970 e início da década de 1980, no auge da agricultura subordinada à indústria e com crédito fácil para expandir a industrialização da lavoura, cerca de 65 mil tratores eram vendidos por ano, de todos os tipos. Passaram-se 30 anos, implantou-se o agronegócio do neoliberalismo e a venda de máquinas em 2004, no auge do sucesso apregoado, foi de apenas 37 mil unidades. As indústrias tiveram de vender outras 35 mil unidades para o exterior para não falirem. Pior: pelos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no último censo, as fazendas com mais de 2 mil hectares tinham no seu patrimônio apenas 35 mil tratores. Por outro lado, as pequenas propriedades, com menos de 200 hectares, tinham mais de 500 mil tratores.
– O agronegócio tomou conta da agricultura brasileira: se o agronegócio fosse tão bom, por que não aumenta a área cultivada no Brasil? Desde a década de 1980, a área total cultivada com lavoura temporária não passa de 45 milhões de hectares.
– O agronegócio é a atividade que gera emprego no meio rural: pelos dados do IBGE, nas fazendas acima de 2 mil hectares há apenas 350 mil trabalhadores assalariados. Bem menos do que os 900 mil assalariados que a pequena propriedade emprega. Ou seja, o modo de produzir da fazenda do agronegócio, que se moderniza permanentemente, expulsa mão-de-obra do campo, ao invés de gerar emprego aos trabalhadores.
– O agronegócio distribui renda no campo: a escravidão no campo continua e os lucros se restringem aos proprietários das fazendas.
– O agronegócio significa desenvolvimento dos municípios e das economias locais: em todas as regiões nas quais predominam as fazendas do agronegócio, a renda dos latifúndios é levada para os grandes centros. Seja porque a maior parte do seu custo de produção (máquinas, venenos, sementes) vem de outros centros e, portanto, ao pagar esses custos, o dinheiro volta para lá; seja porque o seu proprietário raramente vive na cidade em que se localiza a fazenda. Em geral, ele mora nos grandes centros e, portanto, quanto aufere seu lucro com as exportações, aplica em consumo de luxo, apartamentos, etc. Sequer o “rancho” para seus empregados é adquirido no comércio local, sendo comprado, em geral, em centros mais distantes, onde os preços são menores. Por isso, as cidades dominadas pelo agronegócio, ao contrário de se desenvolverem, sofrem com o inchaço provocado pelo êxodo rural, aumentando a pobreza de suas periferias. Cenário completamente distinto dos locais em que predomina a policultura, a produção de alimentos e a pequena agricultura, que mantém e faz girar toda a riqueza no próprio município.
Se essas informações são oficiais e de fato as fazendas do agronegócio não representam solução para os problemas agrícolas e sociais brasileiros, por que então se faz tanta propaganda? Por uma questão ideológica. Está em curso na sociedade brasileira uma disputa de modelo econômico e de produção agrícola. As fazendas do agronegócio representam a parcela da burguesia nacional que possui ativos na agricultura e que se aliou, ou melhor, que se subordinou ao capital estrangeiro representado pelos interesses das grandes empresas transnacionais. Essas empresas não só têm participação no lucro obtido do comércio agrícola internacional e das agroindústrias, como mantém fortes laços econômicos e ideológicos com as empresas de comunicação de massas. Está em curso uma tríplice aliança entre os fazendeiros do agronegócio, as empresas transnacionais que controlam a agricultura e as empresas de comunicação.
Apenas 10 transnacionais têm o controle monopólico das principais atividades agrícolas do país. São elas: Bunge, Cargill, Monsanto, Nestlé, Danone, Basf, ADM, Bayer, Sygenta e Norvartis. Basta olhar seus comerciais nas televisões e ver o seu grau de envolvimento com a mídia.
III. As influências do agronegócio no governo Lula:
O governo Lula foi eleito em outubro de 2002 com uma propaganda e compromissos claramente contrários à manutenção da política econômica neoliberal, opostos à prioridade dada pelo governo FHC ao agronegócio. Todos aqueles que votaram em Lula queriam mudanças. Caso contrário, teriam votado no candidato tucano José Serra.
No entanto, passadas as eleições, o governo Lula se revelou um governo ambíguo, que apesar de prometer mudanças, se baseou em alianças de partidos e de classe que ainda defendem o neoliberalismo, ficando refém do capital financeiro internacional. Na política econômica, administrada pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central, manteve-se a linha anterior, com responsáveis claramente identificados com o partido perdedor. Para o Ministério da Indústria e Comércio, que cuida das exportações (mas poderia cuidar do mercado interno) e para o Ministério da Agricultura foram nomeados ministros identificados com o modelo do agronegócio. O ministro Luiz Fernando Furlan é sócio da Sadia e o ministro Roberto Rodrigues possui fazendas em Ribeirão Preto e no sul do Maranhão, que se dedicam ao agronegócio da soja, cana e laranja.
Na política do setor público agrícola, o governo não conseguiu reverter ainda o quadro de abstenção do Estado. No crédito rural, houve um esforço do governo para criar o seguro agrícola, que interessa particularmente aos pequenos agricultores. Houve um esforço para aumentar os recursos de crédito destinados à agricultura familiar, através do Pronaf, que saltaram de 2 bilhões para 5 bilhões de reais. Mas isso não significa mudanças na estrutura fundiária. Os recursos públicos que estão sendo alocados pelo Banco do Brasil e pelo BNDES para as fazendas que se dedicam à exportação não foram reduzidos. O próprio Banco do Brasil fez propaganda nos jornais e revistas, mostrando que concedeu um volume de crédito de mais de 5 bilhões de reais para aquelas dez empresas transnacionais que controlam a agricultura e para algumas poucas empresas transnacionais da celulose. Ou seja, menos de 15 empresas receberam o mesmo volume dos recursos que foram destinados para 4 milhões de agricultores familiares.
Dessa forma, embora o governo tenha se comprometido com a Reforma Agrária e com o fortalecimento da agricultura camponesa, na prática os Ministérios mais fortes atuam claramente priorizando a agricultura do agronegócio, a monocultura e exportação de grãos.
IV. O peso do agronegócio em nossa sociedade:
Técnicos e estudiosos do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), dos organismos do governo e também vinculados a diversas universidades prepararam em 2003 o Plano Nacional de Reforma Agrária. Foram utilizados os últimos dados estatísticos oficiais recolhidos pelo IBGE, no censo agropecuário de 1996, e no cadastro do Incra de 2003. A partir deles, o professor Ariovaldo Umbelino Oliveira, da USP (Universidade de São Paulo), organizou a seguinte tabela de comparação:
1. Produção animal
Indicadores Pequena / familiar Média propriedade Grande / agronegócio
Animal de grande porte 46% 37% 17%
Animais de médio porte 86% 13% 1%
Animais de pequeno porte e aves 85% 14% 1%
2. Produção agrícola total – produto para exportação
Indicadores Pequena / familiar Média propriedade Grande / agronegócio
Algodão 55% 30% 15%
Cacau 75% 24% 1%
Cana-de-açúcar 20% 47% 33%
Laranja 51% 38% 11%
Soja 34% 44% 22%
Café 70% 28% 2%
3. Produtos de mercado interno e alimentícios
Indicadores Pequena / familiar Média propriedade Grande / agronegócio
Algodão arbóreo 76% 20% 4%
Arroz 39% 43% 18%
Banana 85% 14% 18%
Batata inglesa 74% 21% 5%
Feijão 78% 17% 5%
Fumo 99% 1% Zero
Mamão 60% 35% 5%
Mandioca 92% 8% Zero
Milho 55% 35% 10%
Tomate 76% 19% 5%
Trigo 61% 35% 4%
Uva 97% 3% zero
V. Sobre a renegociação das dívidas dos latifundiários no Nordeste:
Os privilegiados de sempre, fazem de tudo para manter as coisas como estão. Nesta semana querem que suas dívidas sejam roladas para o tesouro nacional pagar. Os latifundiários do nordeste pedem um repasse de 7 bilhões de reais ao cofres públicos. Com o dinheiro, apenas 30 mil médios e grandes fazendeiros (que eles incluem pequenos) serão beneficiados. Os 4 milhões de camponeses e camponesas nordestinos não serão atendidos.
Em todo o país, as dívidas anteriores a 1995 dos produtores rurais ligados ao agronegócio somam 26 bilhões de reais. Elas já foram renegociadas em 1995, quando todos os devedores médios e grandes com dívidas 200 mil reais tiveram os prazos de pagamento alongados e taxas menores. Aqueles que tinham dívidas acima de 200 mil reais entraram no Programa Especial de Sanemanto de Ativos (PESA), criado pela lei 9.318.
Em 1998, quando venceu o prazo para o início do pagamento das dívidas dos ruralistas que optaram pela securitização, o governo federal autorizou mais dois anos de carência e novas taxas de juros, além de beneficiar os fazendeiros no PESA. Permitiu-se o pagamento de, no mínimo, 32,5% da parcela inicial até 31 de outubro de 2001 e o restante da prestação foi incorporado ao saldo devedor para ser pago em parcelas anuais até 2025. A inadimplência chega a 90%. Já entre os pequenos produtores e assentados, os atrasos no pagamento são inferiores a 2%.
Com esse dinheiro seria possível resolver os problemas dos pobres do campo. Porém, com o povo brasileiro pagando as dívidas dos fazendeiros e sem produzir para a nação, o agronegócio sai mais uma vez ganhando. A Câmara e o Senado já aprovaram a renegociação para os latifundiários nordestinos, mas esperamos que o Presidente Lula vete mais essa manobra.
VI. O debate nos meios acadêmicos e jornais:
O poder de influência do agronegócio é tão grande que afeta também intelectuais e jornalistas, que reproduzem a luta ideológica nos meios universitários e na imprensa. É comum vermos artigos e reportagens cantando em prosa e verso as belezas do agronegócio. Alguns intelectuais, inclusive com origem na esquerda, defendem que a saída para a pequena agricultura seria também entrar no agronegócio. Sindicalistas já copiaram mal essa idéia e chegam a falar em “agronegocinho”. Não percebem que, de fato, há uma luta entre dois modos de organizar a produção agrícola em nossa sociedade. O modo do agronegócio, que já descrevemos acima, e de outro lado, a agricultura camponesa, baseada em estabelecimentos agrícolas familiares, menores, que se dedicam à policultura (produzem vários produtos) de alimentos, dão trabalho a milhares de pessoas, da família e de fora dela, que produzem e desenvolvem o mercado local e interno.
Alguns chegam a argumentar que é possível a convivência dos dois modelos. Trata-se apenas de uma forma envergonhada de defender o agronegócio. É claro que sempre haverá unidades de produção maiores e que se dedicam à exportação. É preciso identificar que tipo de prioridade e de política agrícola o governo e a sociedade defendem.
A nossa sociedade vai usar a terra e a agricultura para produzir alimentos, distribuir renda e fixar o homem no território ou vai entregar as terras para as grandes fazendas, que vão expulsar a população, ganhar muito dinheiro e dar prioridade para a exportação?
Essa é a verdadeira disputa. São dois projetos de agricultura para o Brasil. Por essa razão, os representantes do agronegócio atacam tanto a Reforma Agrária. Aparentemente, não há relação afinal, se o agronegócio possui fazendas produtivas, elas estão a salvo da desapropriação. Então, por que o agronegócio ataca a Reforma Agrária, inclusive por intermédio dos ministros da Agricultura e da Fazenda?
Por duas razões: primeiro, porque eles sabem que a Reforma Agrária fortalece o modelo contrário de ocupação da terra e de produção agrícola. Em segundo lugar, porque eles também são proprietários do latifúndio improdutivo, que ao invés de ser compartilhado para ter uma função social, gerar emprego, distribuir renda e melhorar as condições de vida de nosso povo, é mantido como uma espécie de reserva de valor, para especulação ou para futura expansão de suas fazendas.
Portanto, não é possível compatibilizar os dois modelos. Eles poderão conviver por muito tempo, mas, do ponto de vista de proposta para a nossa sociedade, é preciso se definir: ou se defende a forma do agronegócio, ou se defende a agricultura camponesa, a fixação do homem no campo e a soberania alimentar. Definir-se pelo modo de produzir do agronegócio é aceitar também o modelo econômico neoliberal dominado pelos bancos, pelo capital financeiro e pelas transnacionais.
Como diz o ditado popular, não se pode “acender uma para Deus e outra para o diabo”.
Atenciosamente,
Secretaria Nacional do MST.
Letra Viva – Ano IV – nº 109 – EDIÇÃO ESPECIAL sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006
EcoDebate, www.ecodebate.com.br, 20/02/2006