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Artigo

A Privatização dos Bens Naturais, por Roberto Malvezzi (Gogó)

O governo FHC passou para a história como aquele que desencadeou a “privataria” no Brasil. Especialistas calculam que 70% do patrimônio nacional foram entregues ao grande capital nacional e internacional durante seu governo. Esse foi um dos motivos para a intensa votação em Lula na eleição de 2002.

A primeira vista Lula não é um privatizador. Quem temia pela privatização do que restou do patrimônio brasileiro, como Petrobrás e Correios, teve em Lula a garantia que eles não serão privatizados, pelo menos enquanto ele for governo.

Entretanto, é preciso uma lupa mais perspicaz para analisar o governo Lula do ponto de vista das privatizações. A lente petista voltou-se não mais para a privatização de empresas públicas, mas dos bens naturais do Brasil.

Em primeiro veio a lei dos transgênicos, que FH nunca conseguiu instituir. Através dela o Brasil conheceu o patenteamento das sementes geneticamente modificadas, mesmo que elas sejam fruto do saber acumulado pela humanidade durante milênios, com a pequena modificação de um gene em laboratório. Toda resistência da sociedade brasileira caiu por terra com a lei dos transgênicos, embutida numa votação emocional que também votou a liberação de células embrionárias para fins medicinais.

Pouco tempo depois o governo veio a público com a lei de “concessão de florestas”, uma proposta também do governo FHC que nunca passou, que esse governo ressuscita. Embora as florestas continuem públicas, serão entregues às empresas para exploração comercial em longas concessões. Há muitas dúvidas sobre a capacidade governamental de controlar a ação das empresas, já que também consegue pouco controle efetivo sobre grilagens, derrubadas, queimadas, assim por diante. Os críticos afirmam que outras experiências mundiais nessa questão foram desastrosas. Essa questão ainda não está decidida.

Finalmente, pela transposição do São Francisco, a privatização da água. O governo Fernando Henrique, numa regulamentação da Lei de Recursos Hídricos 4.933/97, tentou regulamentar o “mercado de outorgas”. A Secretaria de Recursos Hídricos, vinculada ao MMA, conseguiu segurar até agora sua regulamentação. Porém, o próprio MMA agora apóia a Transposição do São Francisco, que tem em seu modelo de gestão, a venda da água pela Chesf aos estados, a compra dessa água nos estados por empresas públicas ou privadas e a venda dessa água para possíveis usuários. A Chesf fala ainda em criar o “leilão de águas” para o que ela chama de “águas excedentes”. Para agravar, esse governo se colocou contra a admissão da água como direito humano, uma luta mundial de ambientalistas, humanistas e religiosos, defendida pela CNBB na Campanha da Fraternidade de 2004 sobre a água.

Assim, pouco a pouco, o atual governo vai mostrando sua face privatista. Não mais a partir de empresas públicas, mas dos bens naturais, o que é infinitamente mais grave para o povo brasileiro – também para a humanidade – que privatizar uma empresa.

Publicado no Portal EcoDebate, www.ecodebate.com.br), em 17/10/2005