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Quarenta anos do Código Florestal Brasileiro: o que há para se comemorar, por Márcia Pimenta

No que diz respeito à legislação ambiental, o Brasil possui um conjunto de leis digno de um país de primeiro mundo. Mas do texto a ação existe uma grande distância. Caso contrário, não veríamos nossa Mata Atlântica, Patrimônio Nacional, em contínuo processo de desmatamento, nossos rios sem proteção das matas ciliares, nosso mega tesouro, a Floresta Amazônica em chamas para dar lugar aos latifúndios de soja para alimentar o gado de outros países e nossos rios poluídos por dejetos orgânicos e químicos. Aliás, uma coisa muito difícil de entender é como em um mundo repleto de questões difíceis de serem compreendidas e reparadas, como o buraco na camada de Ozônio ou o Aquecimento Global, ainda não sejamos capazes de resolver um problema ambiental básico como o lançamento de esgotos em nossos rios e mares.

No mês de setembro o Código Florestal, Lei 4771/65, completou quarenta anos e merece ao menos uma reflexão.

O artigo 2o estabelece que: Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) Ao longo dos rios de qualquer curso d`água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: ( dispõe sobre a faixa mínima de floresta a ser preservada).
b) Ao redor das lagoas, lagos, ou reservatórios d`água naturais ou artificiais;
c) Nas nascentes ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d`água” qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 metros de largura.
d) No topo dos morros, montes, montanhas e serras;
e) Nas encostas ou parte destas, com declividade superior a 45 graus, equivalente a 100% a linha de maior declive;
f) Nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) Nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 metros em projeções horizontais
h) Em altitude superior a 1800 metros, qualquer que seja a vegetação.
i) Nas áreas metropolitanas definidas em lei.

Paro por aqui! Já é o suficiente para o leitor, com o texto embaixo do braço, sair por aí e dar uma olhada ao redor e descobrir que a lei não é respeitada, salvo algumas exceções. Senão, não poderíamos ter a profusão de favelas que se amontoam em nossas cidades. No caso do Rio de Janeiro, não poderíamos construir na Lagoa de Marapendi como querem os empreendedores imobiliários que vendem o verde, mas comprometem o meio ambiente. Ou, como vimos recentemente, o escândalo da Hidrelética de Barra Grande no Sul do País, que alaga uma área de Mata Atlântica e derruba 2000 hectares de araucária, espécie em extinção.

Em recente evento na Escola de Magistratura do Rio de Janeiro pelos 40 anos do Código Florestal, ao ouvir o discurso de um dos palestrantes, me veio a inspiração para escrever esse texto. Refiro-me a Vladimir Passos Freitas, Desembargador Federal do tribunal Regional Federal da 4ª Região. Sua palestra intitulava-se “Crimes Florestais”. Situando o leitor: a Lei 9605/98, Lei dos Crimes Ambientais, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Em sua palestra o Desembargador defendia as sanções penais, em detrimento das administrativas, pelo menos no Brasil. Estas sanções administrativas (multas), segundo ele, devem ser aplicadas nos países desenvolvidos, mas no Brasil, com um histórico de atividades lesivas ao meio ambiente tão contundente, era o caso de se aplicar as sanções penais. E exemplificava com um processo em que o réu havia derrubado por volta de 300 araucárias, Canelas e outras árvores de grande valor ambiental e econômico. Esse, para ele era um caso grave que merecia uma punição exemplar.

Para quem não sabe, o Desembargador a que me refiro, é o responsável pela suspensão da liminar que previa a paralisação da derrubada da Floresta na área a ser alagada pela Hidrelétrica de Barra Grande, que, como já escrevi acima, derrubará 2000 hectares de floresta de Araucária.

No caso de Barra Grande, o Desembargador entendeu que era “fato consumado”, uma vez que o paredão da Barragem já havia sido construído e a floresta já estava sendo derrubada. Não parece o caso de dois pesos e duas medidas?

Lamentável a distância entre o discurso e a ação!

Dias antes havia assistido a uma aula do Prof. Magnanini, um dos responsáveis pela redação do Código Florestal, e ele lamentava a forma como o Brasil trata o Meio Ambiente. Em busca de um “desenvolvimento a qualquer preço”, avançamos sobre as florestas, desprezando o que ela tem de mais valioso: a sua biodiversidade. Ele dizia que não necessitamos apenas de Educação Ambiental, mas de bons exemplos. Nesse caso, podemos dizer que Barra Grande é um péssimo exemplo, pois basta destruirmos antes para obtermos a Licença para colocar em operação uma atividade, posteriormente. Agindo da forma como faz, o Brasil se coloca na retaguarda de todo o movimento ambiental mundial. Um verdadeiro tiro no pé, pois ao destruirmos nosso Meio Ambiente, comprometemos nossa saúde, favorecemos a pobreza, e deixamos de conhecer os benefícios medicinais de tantas plantas e animais que já submetemos á extinção.

O Professor de Direito Ambiental da PUC-Rio, Dr. Fernando Walcacer comenta que “a sociedade brasileira ainda não acordou para a questão da preservação das Florestas”.
Talvez o povo brasileiro desconheça a existência de Leis que protegem o Meio Ambiente, não recebam informação suficiente que os incentive a cuidar desse patrimônio que é de todos, sem exceção. Walcacer, cita um jurista português, José Joaquim Gomes Canotilho, que diz que, para alcançar um Estado Democrático Ambiental de Direito são necessárias 3 ações: Informação, Educação Ambiental e Mobilização.

Mobilizemo-nos, pelo respeito as nossas Leis Ambientais. E fiquemos de olho: Está para ser votada uma Medida Provisória (MP 2166/01) a qual permite a supressão de Área de Preservação Permanente (APP). O CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) quer autorizar, por Resolução, o gestor ambiental local a suprimir a vegetação de uma APP para fins de empreendimento de mineração. Segundo a Constituição Federal de 1988, conforme o artigo 225, §1º apenas uma lei pode autorizar a supressão florestal de uma área de preservação.

Pode uma área de Preservação PERMANENTE ser abolida por uma Medida PROVISÓRIA como provocou o Dr. Arlindo Daibert, Procurador Diretor do Centro de estudos da PGM-RIO?

“Pobre Mãe Terra, pobres gerações presentes e futuras no que se acaba por olvidar os parâmetros da Carta da República, os parâmetros voltados para o Meio Ambiente, a integridade e ao respeito ao meio ambiente indispensável ao próprio homem”.

(de um Ministro do STF que julgou em discordância dos demais ministros por ocasião da votação da MP2166/01, entendendo que em princípio a complexidade do tema não permitiria a discussão da matéria por meio de Medida Provisória, mas por meio de projeto de lei para ampla discussão no Congresso Nacional).

Márcia Pimenta, jornalista, pós-graduanda em gestão ambiental / UFRJ

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