Cinzas da Amazônia, por Henrique Cortez
Cinzas da Amazônia, por Henrique Cortez
[EcoDebate] A tragédia das queimadas sem controle repete-se incansavelmente, ano após ano.
Estas queimadas irresponsáveis ocorrem todos os anos, os criminosos são os mesmos de sempre e fazem parte da mesma sociedade abalada e prejudicada pela irresponsabilidade daqueles que sempre afirmam “apenas” ter queimado um inocente roçado.
Todo grande incêndio florestal começa com uma “inocente” queima de roçado, que qualquer produtor rural sabe iniciar os incêndios florestais, ainda mais em época de estiagem. Sabem mas pouco se importam.
A queima é simples, fácil e barata. Mas entenda-se como barata porque todos os custos socioambientais serão diretamente transferidos para a sociedade.
Pouco se importam que, além dos inestimáveis prejuízos ao patrimônio natural, causam sérias consequências à saúde pública, atingindo principalmente as crianças e os idosos. Crianças e idosos dos outros.
A fumaça e as cinzas atentam contra a saúde da população da periferia das cidades e populações indígenas. Populações com que o agronegócio e as autoridades não se preocupam. Melhor dizendo, não ligam mesmo.
Como se não bastasse a “nossa” destruição, ainda há o agravamento da situação por um gigantesco incêndio na amazônia boliviana, que segue sem controle há mais de 15 dias e que já destruiu quase 500 mil hectares de pastagens e florestas.
Lá, como cá, a destruição tem a mesma causa – as queimadas ilegais por fazendeiros, pecuaristas e produtores rurais.
Apenas o IBAMA confia que os produtores rurais obedecerão às portaria de proibição de queimadas controladas, como se isto existisse. Durante a vigência das portarias, o Acre e Mato Grosso, por exemplo, queimaram impiedosamente.
Impressiona que Acre, Mato Grosso, Pará, Amazonas, Rondônia, etc., estejam literalmente em chamas e nada se diga quanto aos autores deste continuado crime socioambiental. As autoridades e até mesmo as manifestações populares agem como se os autores fossem desconhecidos.
Às autoridades cabe agir em defesa da sociedade, mesmo que isto signifique reprimir um “aliado” politicamente influente e economicamente poderoso – o agronegócio, que se sente no direito de condenar a população à condição de cidadão de segunda classe.
E as autoridades sabem que eles não são desconhecidos. Aliás, a sociedade afetada também sabe.
Recentemente, o INPE recebeu um merecido prêmio internacional (“Tecnologias para novos desenvolvimentos em uma sociedade sustentável”) pelo excelente trabalho de monitoramento de queimadas. O INPE está fazendo a sua parte, mas o MMA, o IBAMA e os órgãos estaduais estão muito longe de estar à altura do trabalho de monitoramento. A informação existe, mas nada acontece, porque o país continua em chamas.
Guardadas as devidas proporções, a situação assemelha-se a um paciente crônico que conta com a melhor tecnologia para o diagnóstico clínico, mas os médicos não iniciam o tratamento ou não sabem o que fazer. De fato, o monitoramento é ótimo, mas e daí?
Se as eternas campanhas educativas são inúteis, não resta à sociedade outra alternativa que não seja a rigorosa fiscalização.De nada adianta proibir as queimadas, se isto não significar severa fiscalização e punições exemplares.
O poder público continua inoperante e sua omissão prejudica a população mais pobre e mais frágil. Como sempre.
A tragédia das queimadas sem controle é um imenso desastre socioambiental, pelas suas consequências à saúde pública, pela destruição de centenas de nascentes e olhos d’água, pela modificação do micro-clima e, ao longo do tempo, por potencializar os períodos de estiagem.
Esta agro selvageria irresponsável fará com que as próximas gerações recebam, como herança, apenas as cinzas da Amazônia. E não será por falta de aviso.
Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
Coordenador do Portal EcoDebate