Usina nuclear às margens do São Francisco
[ Leiam, também, ao final da notícia, a opinião do Ecodebate ]
Um rio com mil e uma utilidades. Depois das hidrelétricas e do projeto de transposição de suas águas, o São Francisco pode abrigar nas margens duas usinas nucleares. A possibilidade está em estudo na Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Segundo o ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, a proposta do Programa nuclear brasileiro prevê a conclusão de Angra 3 e a construção de outras seis usinas (duas de grande porte, com capacidade de gerar 1,3 mil megawatts, e quatro pequenas, de 300 megawatts cada uma).
“É uma forma de gerar riqueza na região”, disse o ministro, que citou como exemplo a área de Belém do São Francisco, a 480 quilômetros do Recife. Sérgio Rezende lembrou que uma usina nuclear deve ficar necessariamente próxima a rios ao mar por conta do sistema de refrigeração dos equipamentos. Mas não soube estimar o investimento necessário para a construção de uma unidade. Rezende disse ainda que a proposta não foi amadurecida pelo governo federal, mas espera que até o fim do ano ter o projeto concluído.
“Em 2003 foi criada uma comissão envolvendo os Ministérios de Ciência e Tecnologia, Minas e Energia, Meio Ambiente e Casa Civil, mas em setembro do ano passado as discussões foram suspensas. Estamos retomando agora”, explicou Sérgio Rezende. Ele destacou que, um ano atrás, o barril do petróleo custava US$ 35 (R$ 80), em média. Hoje, é vendido por US$ 60 (R$ 137). De acordo com o ministro, já não existe dúvida de que Angra 3 precisa ser concluída. Os equipamentos foram adquiridos e estão encaixotados.
A estatal francesa Areva anunciou o interesse em investir na construção da usina. A proposta do Programa nucelar brasileiro estima investimentos totais de US$ 13 bilhões (R$ 29 bilhões) ao longo de 18 anos.
Fonte- Diário de Pernambuco, 20/09/2005
Texto & Contexto – a opinião do EcoDebate – É importante destacar que precisamos compreender a agenda secreta que está por trás do súbito interesse pela construção de Angra 3. Os interesses vão muito além do que a geração de energia elétrica.
Vejam as notícias que compilamos e que apresentamos logo abaixo. Com maiores e melhores informações acreditamos que os leitores e leitoras possam melhor avaliar esta opção absurda.
Nem o MME defende Angra 3. Desta vez, também o Ministério de Minas e Energia compreende a obra como cara, ineficiente e desnecessária, o que reforça as teses sócio-ambientais do MMA, da sociedade civil e dos ambientalistas.
O novo Programa Nuclear Brasileiro – PNB é assustador, não apenas porque faz uma opção de geração claramente rejeitada pela sociedade brasileira, como também porque tornará ainda mais crítica a questão dos resíduos nucleares.
O novo PNB vai funcionar do mesmo modo autoritário que o antigo? Vai “enfiar” pela goela abaixo da sociedade novas usinas? Vai impor a vontade imperial do governo, do mesmo modo que o governo Geisel? Esperamos, sinceramente, que seja apenas um passageiro surto megalômano e nada mais.
Uma usina nuclear no São Francisco é uma opção irresponsável. Uma usina nuclear é, na realidade, uma usina termelétrica, demandando gigantescas quantidades de água, que será transformada em vapor. Uma usina termelétrica com a produção de 1 megawatt consome água equivalente a uma cidade com 150 mil habitantes. E justo no São Francisco?
A questionável defesa de Angra 3 deixou de ser técnica e passou a ser política. E, se a questão agora é política, cabe perguntar por que? Qual o significado e conteúdo político da opção? E, politicamente falando, a quem e a que interesses servirão Angra 3 e o novo Programa Nuclear Brasileiro.
Esperemos que seja apenas uma sandice megalômana e nada mais.
Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
Coordenador do Portal EcoDebate
Novo programa nuclear prevê 7 usinas
In O Estado de São Paulo, 29/05/2005
Mantido sob sigilo, projeto foi pedido por Lula após viagem à China e é considerado fundamental para a política externa
Nicola Pamplona
RIO – O novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB), que está sob avaliação de seis ministérios, prevê a construção de até sete novas usinas nucleares no Brasil, incluindo a conclusão de Angra 3, revelou ao Estado uma fonte do governo. O projeto, ainda mantido em sigilo, foi elaborado por um grupo coordenado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PNB é considerado por uma ala do governo fundamental para conferir ao Brasil maior peso em sua política externa, ajudando na disputa por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU.
Não há consenso, porém, sobre a viabilidade das propostas apresentadas: divergência entre os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Dilma Rousseff (Minas e Energia) põe em xeque a conclusão de Angra 3, primeiro passo de qualquer cenário do PNB, mas que começou a ser discutida isoladamente. A usina faz parte do antigo programa nuclear, iniciado na década de 70, ainda sob o regime militar, em parceria com a Alemanha. Mês passado, foi discutida no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em reunião suspensa pela falta de consenso entre os ministros participantes.
O novo PNB – em mãos de técnicos dos ministérios da Defesa, Fazenda, Minas e Energia, Planejamento, Casa Civil e Ciência e Tecnologia – foi solicitado por Lula logo após à viagem à China, em maio do ano passado, quando os governos brasileiro e chinês assinaram um polêmico acordo de cooperação nessa área. Na ocasião, o MCT ofereceu aos chineses o fornecimento de combustível nuclear para as usinas daquele país, produzido a partir da tecnologia desenvolvida pela Marinha para enriquecer urânio. Para atingir escala de produção necessária, porém, o Brasil precisa de novas usinas nucleares, afirmam técnicos do setor.
Dos oito cenários propostos inicialmente, o governo trabalha agora com três, todos considerando um horizonte até 2022. O mais conservador prevê a conclusão de Angra 3, usina com potência 1,3 mil megawatts (MW) e a construção de mais um reator de 100 MW, localizado na Região Nordeste. No mais agressivo, além da usina de Angra, devem ser construídas mais duas do mesmo porte e outras quatro com 300 MW – todas elas também no Nordeste. Nesse caso, seriam necessários US$ 14 bilhões em investimentos, para garantir uma capacidade total de 4,1 mil MW, equivalente a 1/3 da capacidade de Itaipu, maior hidrelétrica do mundo.
“No futuro, o mundo vai estar dividido entre os que têm energia e os que não têm e, no Brasil, as usinas hidrelétricas são cada vez menores”, avalia Ronaldo Fabrício, ex-presidente de Furnas e da Eletronuclear, hoje à frente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Atividades Técnicas e Industriais na Área Nuclear (Abdan). Um dos grandes entusiastas brasileiros da energia nuclear, Fabrício admitiu, em conversa com o Estado, que não conhece o teor do PNB, hoje em mãos de um restrito número de técnicos, mas acredita que, sendo a 6.ª maior reserva mundial de urânio, o País deveria trabalhar para o desenvolvimento da energia nuclear, “genuinamente nacional”.
“O governo peitou o mundo quando resistiu a abrir a tecnologia de enriquecimento da Marinha para inspeções. Esse esforço terá sido em vão se não dermos seqüência ao projeto”, afirma fonte com acesso ao PNB, referindo-se à polêmica em torno da visita de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) à fábrica das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), em Resende, no ano passado. Na ocasião, o governo brasileiro conseguiu evitar que a AIEA conhecesse a tecnologia brasileira de ultracentrifugação para enriquecer urânio, mas chegou a um acordo com a agência e conseguiu aprovar o equipamento.
A aprovação da AIEA pôs o Brasil no seleto grupo de países que dominam totalmente a tecnologia de produção de combustíveis nucleares, chamado até então de P-5 (Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e China).
O fato já garantiu ao governo o direito de indicar o embaixador Sérgio de Queiroz Duarte como coordenador das discussões sobre o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, que está ocorrendo em Washington.
Mesmo na hipótese mais conservadora do PNB, o País ganharia escala suficiente para construir as milhares de ultracentrífugas necessárias para viabilizar o enriquecimento de urânio com tecnologia nacional – hoje, o número de centrífugas brasileiras não chega a duas centenas e o urânio nacional é enriquecido na Europa.
O PNB não contempla apenas a geração de energia e o domínio da tecnologia para produzir combustíveis: trata também de medicina nuclear e da independência tecnológica brasileira no setor. No cenário mais agressivo, os reatores de menor porte seriam desenvolvidos no País, que chegaria a um nível de independência tecnológica de 75% em relação ao exterior. Já na área de rádio-fármacos e de aplicações nucleares na agricultura, o Brasil se tornaria um exportador de produtos e tecnologia. Na hipótese mais conservadora, mantém o desenvolvimento em rádio-fármacos e tecnologias agrícolas, mas continua com forte dependência de conhecimento estrangeiro.
Setor contesta Dilma sobre custos de Angra 3
Avaliação é que ministério superdimensionou valor de construção a usina para garantir recursos a hidrelétricas
RIO – O setor nuclear brasileiro começa a se mobilizar para garantir uma vitória na disputa pela conclusão de Angra 3, projeto parado há duas décadas, que já tem US$ 750 milhões em equipamentos comprados. Esta semana, a Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Atividades Técnicas e Industriais na Área Nuclear (Abdan) concluiu um estudo sobre o custo da energia gerada pela nova usina, feito em parceria com a consultoria Excelência Energética, para contestar dados apresentados pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em seu parecer sobre a questão.
A avaliação é que o MME, que votou contra a usina, superdimensionou os custos de sua construção. Na avaliação de especialistas do setor, o ministério quer garantir às hidrelétricas os escassos recursos para financiamento ao setor elétrico. O estudo da Abdan garante que é possível gerar energia em Angra 3 a, no máximo, R$ 140,91 por megawatt/hora (MW/h), cerca de R$ 40 a menos do que o valor constante no relatório do MME. Segundo a associação, o ministério considerou que a usina será construída em 8,5 anos, enquanto a Eletronuclear teria condições de fazê-lo em 6,5 anos.
Além disso, o MME teria reduzido a 8 anos o custo de amortização do empréstimo necessário para financiar a obra, que poderia ser pago em 12 anos, segundo a consultoria. O custo do capital próprio utilizado pela Eletronuclear, estimado em 12% pelo ministério também foi distorcido, diz o presidente da Abdan, Ronaldo Fabrício. Segundo ele, é possível realizar a obra a um custo de capital de 7,2%. Estimativas apontam para um custo adicional de US$ 1,8 bilhão para terminar as obras – 60% gastos em compras no Brasil.
A estatal responsável pela usina gasta, por ano, US$ 20 milhões (cerca de R$ 50 milhões) apenas com a manutenção dos equipamentos, estocados no complexo nuclear de Angra e na Nuclep, fábrica de equipamentos pesados em Sepetiba, região metropolitana do Rio. Sua conclusão foi discutida na última reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), com a votação empatada em 2 a 2, antes de a Casa Civil suspender a reunião – MME e Ministério do Meio Ambiente votaram contra. Ciência e Tecnologia e Casa Civil, a favor.
TRANSFERÊNCIA DE SABER
Especialistas em energia nuclear argumentam que a construção de Angra 3 é fundamental para a transferência do conhecimento brasileiro na área. “Todos os técnicos que tocaram o antigo programa nuclear estão se aposentando e não há novos profissionais para receber este conhecimento”, lamenta Ronaldo Fabrício, para quem a conclusão da usina também incentivaria a formação de novos técnicos.
Estados Unidos e China, por exemplo, têm planos agressivos de construção de novas usinas, para enfrentar a escalada do custo mundial da energia. Para o presidente da Abdan, o Brasil terá que seguir este caminho, mais cedo ou mais tarde. “Aí, já teremos perdido todo o conhecimento na área.”