Energia nuclear? A que custos? artigo de Washington Novaes
[O Estado de São Paulo] Ainda uma vez é preciso retornar ao tema, porque o governo federal continua devendo uma explicação à sociedade. Na mesma semana em que se relembravam os 60 anos das bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki – que mataram 220 mil pessoas e contaminaram centenas de milhares de outras -, duas notícias recolocaram em cena projetos brasileiros na área nuclear. Na televisão, o ex-presidente José Sarney revelou que havia um projeto militar de construir artefatos nucleares e que as escavações na Serra do Cachimbo tinham essa finalidade (em artigo nesta página, em 29 de julho do ano passado, o ex-ministro Shigeaki Ueki negou essa intenção). Já o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, declarou no Recife (Jornal do Commercio, 30/7) que o governo pretende implantar mais sete usinas nucleares no País, uma delas no Nordeste, porque “a capacidade de geração de energia no Rio São Francisco está esgotada”.
É estranho. Ainda há poucos meses, quando ocupava a pasta de Minas e Energia, a ministra Dilma Roussef deixou claro que a energia nuclear não era prioridade do governo, porque havia outras fontes “mais baratas e viáveis” e porque não se encontrara ainda destinação para o lixo nuclear gerado pelas usinas de Angra 1 e 2. A decisão, entretanto, ainda passaria pela Casa Civil da Presidência antes de chegar ao presidente da República, a quem caberia a palavra final. O então ministro José Dirceu era favorável à implantação de Angra 3 e achava “contra-senso” levantar “questões ambientais” quando já temos Angra 1 e 2.
Mas não são apenas “questões ambientais” (não resolvidas) que estão em jogo. Ainda recentemente, o especialista em energia Joaquim Francisco de Carvalho, que foi diretor industrial da Nuclen, lembrou (Folha de S.Paulo, 28/4) que a energia nuclear não deve ser prioritária num país como o Brasil, que só aproveitou 25% de seu potencial hidrelétrico e dispõe de fontes alternativas – além de poder reforçar seu sistema de transmissão. Também deveria considerar que os custos de energia nuclear são mais altos.
Entra-se aí em terreno ao qual fogem os defensores da solução nuclear. Em maio deste ano, um dos mais conceituados centros tecnológicos do mundo, o Massachusetts Institute of Technology, assegurou que a energia nuclear não é competitiva sem subsídios. À mesma conclusão chegaram estudos publicados pelos jornais The New York Times e The Financial Times. Outro estudo ainda, publicado pela National Geographic Brasil (agosto 2005) aponta na mesma direção. Diz este que, enquanto o custo da energia eólica por kw/hora está em torno de 6 centavos de dólar, o da energia nuclear é de 6,5 centavos (sem contar o custo da disposição do lixo nuclear, que nunca é contabilizado, segundo a New Scientist) e o do gás natural, 5,5 centavos.
Muitos outros questionamentos continuam sem resposta. Um deles é o risco cada vez mais alto de acidentes nas usinas, onde se acumula um acervo de reatores com média de 21 anos de uso, e onde cresce a insegurança com a terceirização (porque as empresas querem reduzir os custos – esse é um dos temores manifestados pela Comissão Regulatória Nacional, que supervisiona 103 reatores nos Estados Unidos). Também não há respostas para o risco de ataques terroristas, nem para a falta de solução no transporte do lixo radiativo até o eventual depósito final que se venha a encontrar.
Tão grave quanto, até hoje nem sequer se encontrou solução para o depósito final. O lixo nuclear vem sendo mantido quase todo nos locais onde é produzido (como em Angra 1 e 2). A grande esperança, o depósito sob a Yucca Mountain, na Serra Nevada, nos Estados Unidos, foi embargado há poucos meses pela Justiça, depois de o Departamento de Energia dos Estados Unidos haver aplicado ali dezenas de bilhões de dólares. A Justiça considerou insuficiente a garantia de proteção para as pessoas durante os 300 mil anos em que perdurarão as radiações e acolheu objeções de cientistas que demonstraram a possibilidade de disseminar-se a radiação pela infiltração de água nas rochas. Sem contar com os abalos sísmicos relativamente freqüentes nas proximidades. E os vulcões inativos a uns poucos quilômetros.
A Associação Nuclear Norte-Americana tem argumentado que o risco não é assim tão alto, porque só 1% do lixo tóxico industrial no mundo é nuclear. No Brasil, o presidente da Eletronuclear tem reiterado que, a seu ver, não faz sentido não concluir Angra 3, onde 70% do projeto já foi executado, ao custo de 600 milhões de euros (cerca de R$ 1,9 bilhão), e onde se gastam uns R$ 45 milhões por ano em manutenção. Seriam necessários agora mais R$ 5,4 bilhões.
É uma discussão que envolve muitos ângulos. Os defensores da energia nuclear insistem em que não haverá outra solução para impedir o aumento de 60%, nos próximos 25 anos, nas emissões de poluentes da atmosfera que agravam mudanças climáticas, com o crescimento do consumo de energia. Defensores das chamadas energias alternativas propõem mais investimentos na eólica, na solar, na energia de marés e na energia das biomassas. Os Estados Unidos apostam alto no hidrogênio, embora especialistas digam que para separá-lo se consumirá mais energia que a obtida.
No curto prazo, o governo federal deve uma discussão mais clara sobre a matriz energética nacional. Uma explicação à sociedade, em que as pesquisas mostram serem 80% das pessoas contrárias à alternativa nuclear. Precisa dizer o que fará com os resíduos radiativos. E ter uma demonstração cabal da competitividade desse formato de energia, comparado com os outros – mas incluindo todos os fatores.
In O Estado de S. Paulo 12/8/2005