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Artigo

Decrescimento econômico e aumento da pobreza na América Latina, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

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[EcoDebate] Existia um otimismo com a meta 1 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) que previa a redução pela metade da pobreza no mundo entre 1990 e 2015. No caso da América Latina e Caribe (ALC) a pobreza extrema (ou indigência) caiu de 22,6% em 1990 para 11,3% em 2012. Houve uma justa comemoração com estes números já que a meta 1 dos ODM foi atingida antes do prazo. Parecia que o continente sem miséria seria uma realidade, pois os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) incorporaram a meta de erradicar a pobreza extrema até 2030.

Porém, a situação é mais complexa e a luta pela erradicação da pobreza e da indigência parece mais difícil do que se imaginava, conforme mostra o Panorama Social da América Latina 2015, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Em termos absolutos, a pobreza extrema diminui de 95 milhões de indigentes em 1990 para 66 milhões em 2012. Portanto, não houve redução pela metade. No quesito pobreza o número absoluto de pobres era de 204 milhões em 1990 e caiu para 164 milhões em 2012 e, em termos relativos, houve uma queda de 48,4% em 1990 para 28,2% em 2012.

Porém, estas conquistas parciais entre 1990 e 2012 foram interrompidas e a pobreza e a indigência voltou a subir na ALC. O número de pessoas indigentes subiu de 66 milhões em 2012 para 75 milhões em 2015 e o número de pobres subiu de 164 milhões em 2012 para 175 milhões em 2015. Ou seja, a curva descendente foi revertida para uma curva ascendente da pobreza e da indigência.

A reversão das conquistas recentes está estreitamente relacionada ao desempenho macroeconômico da região e a crise que atinge, principalmente, Venezuela e Brasil. A queda do preço das commodities prejudica as exportações latinoamericanas. Ou seja, os números apresentados pelo Panorama Social da América Latina 2015, da CEPAL, são bastante preocupantes em termos da inclusão social no presente e no futuro. Os últimos dados indicam que a ALC terá anos difíceis pela frente.

De fato, toda a região da América Latina e Caribe (ALC) viveu um momento de grande crescimento econômico entre 2002 e 2008. Em 2009 houve recessão em função do impacto da crise internacional, mas a região se recuperou entre 2010 e 2013. Os primeiros 13 anos do século XXI pareciam deixar para trás o fantasma da “década perdida”. Neste período, marcado pela melhoria dos termos de intercâmbio internacionais, houve um processo de valorização cambial e de recuperação da renda. A maioria dos governos – com alguma orientação de esquerda – aumentou os gastos sociais, possibilitando uma redução da pobreza e avanços no sistema de proteção social.

Mas a taxa de crescimento econômico veio caindo entre 2010 e 2014 e o PIB entrou em recessão em 2015, segundo as estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil, como o maior país da região, contribuiu para puxar o PIB latinoamericano para baixo. O declínio de 3,8% do PIB brasileiro em 2015 contribuiu para jogar a ALC em recessão de 0,3%. Evidentemente, esta recessão provocou uma queda ainda maior da renda per capita, influindo decisivamente para o aumento da pobreza e da indigência.

 

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Assim, os dados do Brasil e da ALC mostram uma tendência de queda que pode desaguar em uma segunda década perdida, embora alguns países, como o Chile, mantenham taxas positivas de crescimento econômico e melhoria das condições de vida. O relatório da Cepal mostra que a região poderia colher o seu bônus demográfico até 2030. Porém, a crise econômica ameaça antecipar o fim do bônus demográfico, inviabilizando novas conquistas sociais.

O decrescimento econômico e a atual recessão tem prejudicado sobremaneira a população pobre. Este não é o processo defendido pelos teóricos do “decrescimento”. Ou seja: “Su recesión no es nuestro decrecimiento”. Para os teóricos do “decrescimento” a redução das atividades econômicas deveria ocorrer pela diminuição do consumo conspícuo, pela redução da poluição e das atividades mais degradadoras do meio ambiente. A redução das atividades antrópicas deveria vir acompanhada de uma melhor distribuição da renda e redução da pobreza. Não é o que está acontecendo na prática da ALC.

O atual ciclo recessivo – liderado por Brasil e Venezuela – pode comprometer o processo de desenvolvimento econômico da ALC e provocar uma regressão social, além de agravar a situação ambiental. A América Latina está em uma encruzilhada e, mesmo a contragosto, está optando pelo caminho do retrocesso.

Referência:

CEPAL. Panorama Social de América Latina, Santiago do Chile, 22/03/2016

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, 23/03/2016

[cite]

 

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3 thoughts on “Decrescimento econômico e aumento da pobreza na América Latina, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • A matéria trata de um tema importantíssimo, porém como adepto do decrescimento, na linha do cientista social Carlos Taibo, dos economistas Oscar Carpintero Redondo e Manfred Max Neef, por exemplo, acredito que já não podemos mais ficarmos presos ao PIB, e desejarmos simplesmente a volta de um crescimento econômico que se tornou uma senha para o vale-tudo da economia hegemônica mundial. O Decrescimento, neste caso forçado, tem efeitos colaterais mas vai vir ou por bem ou por mal. Temos que avançar para dizer em que áreas o País pode crescer e em que áreas não pode crescer. A linha de indução ao consumo de bens pouco duráveis e nem sempre sustentáveis, como os automóveis ou o consumo de qualquer coisa com obsolescência planejada não é discutido no Brasil. Por que não se investe na mudança de paradigma de indústrias voltadas às demandas locais, de bens com maior funcionalidade ecológica, como a produção de equipamentos descentralizados de geração de energia elétrica solar fotovoltaica, eólica e de bioenergia biodiversa? Minha Casa Minha Vida com Mutirões e Bioconstrução, com cooperativas pequenas e médias, nunca grandes empreiteiras? Por que não investimos na produção nacional de equipamentos modernos de geração de energia eólica? Por que não incrementamos o turismo interno aliado às belezas cênicas de cada bioma brasileiro? Por que não fortalecemos a agroecologia, o uso de frutas nativas e hortaliças e castanhas todas alimentícias que são mais de 3000 espécies no Brasil ? Por que não incrementar as redes e matrizes e arranjos produtivos de produtos sustentáveis da biodiversidade brasileira, incluindo produtos bioativos, condimentares, fibras naturais, resgate local de madeiras manejadas e obtidas de agroflorestas? Por que não se investe em indústrias de reciclagem, para valer, embutindo-se o real preço da necessária reciclagem, reuso ou reaproveitamento de produtos hoje em mais de 90% perdidos em lixões e aterros sanitários? Para cada garrafa, cada lâmpada, cada tanto de kg de papel ou de plástico, embutirmos no preço do produto 50 centavos, ou um real, para depois recebê-lo na reciclagem? A devolução de armas, no programa de desarmamento no Brasil, há 15 anos, foi uma experiência importante que poderia ser retomada para vários produtos, inclusive computadores, celulares, baterias, etc.
    Ficarmos limitados a meros percentuais e números num fla x flu, Cresce x Decresce (sabendo-se que a sociedade não entende da importância de um descrescimento planejado) vamos correr sempre atrás do rabo, repetindo os mesmos erros de sempre.
    O momento de crise econômica, ecológica, social e política sempre pode ser um espaço de reflexão de caminhos que já se esgotaram. O modelo de esgotamento e o esgotamento do modelo. O Decrescimento é inevitável, pois o planeta não aguenta taxas de crescimento artificial elevadas como as da China. E a descentralização, a sobretaxa sobre as grandes fortunas e a volta dos pequenos mercados locais, contra a ditadura demolidora dos mercados globais, serão caminho lúcidos, funcionais e mais sustentáveis. Que siga o Debate, com base na boa provocação da matéria!

  • Por que não investir na auto-sustentabilidade deste Brasil?

    Pobreza neste Brasil? O Brasil tem cerca de 14 milhões de famílias desfavorecidas, 50 milhões de pessoas pobres, 25% da população a receber o Bolsa Família, um subsídio de inclusão social. São mais de 20 milhões de desempregados que não constam das estatísticas de desemprego, ou seja, é como se não existissem como população ativa e não necessitassem de emprego, e por terem baixa escolaridade, estes não conseguem ocupação profissional para que possam usufruir de um salário e viverem com dignidade, mas também não estão registrados como desempregados nos centros de emprego.

    Digamos que a Educação será a mais importante arma de crescimento, no entanto, há que dar-lhe alta prioridade e centralizá-la em um modelo federal bem estruturado e infraestruturado, de modo a manter a sua qualidade.

  • Parece que estão falando de preparação de mão-de-obra para o mercado de trabalho, e não de Educação.

    Senhor Joma Bastos, Educação tem, necessariamente, a responsabilidade de preparar os indivíduos e, por fim, toda a sociedade – primeiro há que se formar uma sociedade – para a promoção das indispensáveis e contínuas transformações sociais. Chamar de Educação outra coisa que não seja, exatamente, o que acabamos de descrever, representa um grande atentado ao bom senso.

    A preparação de mão-de-obra era indispensável até mesmo para a escravidão legal e declarada pelo Estado – aquela que foi abolida, neste país, em1888 – diferentemente da atual, que recebe todos os disfarces do que chamam de democracia, mas que, de democracia não tem nada. Democracia sem garantia das condições de vida para todos, enquanto alguns acumulam fortunas e destroem as condições de vida no planeta Terra, é uma grande piada que não tem a menor graça, ou melhor, é abusar da incapacidade crítica da grande maioria de nós, seres humanos.

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