Anomia ambiental e a debilidade institucional, artigo de Reinaldo Dias
[EcoDebate] A crise ecológica que vivenciamos pode ser caracterizada pela intensidade das manifestações climáticas extremas da natureza, a diminuição da biodiversidade, o desmatamento desenfreado, a contaminação do ar, do solo e das águas e pelo gradativo desabastecimento hídrico das cidades.
No Brasil, a crise ambiental é agravada pela crise das instituições, conflito de poderes, incoerência dos atos do governo, ausência de autoridade e a falta de rumo do país, características de um quadro de anomia social.
Foi o sociólogo francês Émile Durkheim quem caracterizou a anomia, como sendo o enfraquecimento das normas numa determinada sociedade. Na situação de anomia faltará à sociedade regulamentação durante certo tempo. Não se saberá o que é possível e o que não é, o que é justo ou injusto, o que é certo ou errado, o que é legítimo e o que é ilegítimo. Enfim, quais os limites da ação social.
Esse quadro de anomia social contribui para o agravamento de vários problemas ambientais, que em outra situação seriam enfrentados pelos órgãos governamentais, mas que não o fazem em decorrência do quadro anômico.
O conceito de anomia ambiental contribui para um melhor entendimento da crise ecológica que afeta o país, particularmente a crise hídrica e a disseminação do mosquito aedes aegypti. Se expressa através da violação sistemática das normas jurídicas ambientais estabelecidas pelo Estado e na impunidade com as quais os grupos poderosos exercem e promovem a ilegalidade, bloqueando ou desvirtuando eventuais resistências a seus interesses. A anomia ambiental se nutre da existência de legislação debilitada e por vezes contraditória, na transgressão às normas que protegem as Áreas de Proteção Ambiental e outras áreas ecológicas vulneráveis, na hegemonia do interesse especulativo em relação à necessidade da conservação e na frágil utilização da gestão ambiental nas áreas naturais protegidas.
Em resumo, tomando por base o conceito de Durkheim, a anomia ambiental se configura como uma situação que favorece o desrespeito à legislação, a debilidade institucional, a insegurança jurídica, a deficiência e até mesmo a ausência de gestão, com predominância de autoridades permissivas e corruptas no poder.
O desrespeito às normas que facultam o acesso a informação ambiental sobre questões que envolvem recursos naturais, assim como os diversos processos adotados pelo Estado na sua tarefa de proteger a natureza, constituem outro elemento característico de uma situação de anomia ambiental.
O cidadão necessita de informação ambiental para conhecer, participar e decidir em relação ao meio ambiente enquanto bem comum. É um direito seu. A negação ao direito de acesso configura uma situação característica de um estado de anomia ambiental com a consequente impunidade dos infratores que pode resultar em concessão ou retenção irregular de licenças ambientais, por exemplo.
Neste contexto, a ideia de anomia descreve a crise ambiental agravada pela decomposição ética das instituições governamentais que permitem a exploração insustentável dos recursos naturais e o enfraquecimento dos mecanismos de regulação e controle, o que implica na formação e consolidação de uma cultura da transgressão das normas ambientais. Neste caso, grupos poderosos se articulam tendo como ponto em comum uma moral mafiosa que visa justificar os atos praticados à margem da lei.
Na base desse processo o não cumprimento das leis ambientais tem sua origem na corrupção do sistema político. Neste, quando os interesses econômicos são menores as leis ambientais são relativamente seguidas. Ao contrário quando estes interesses envolvem as grandes corporações, como nos recentes casos da montadora Volkswagen e da mineradora Samarco, o não cumprimento é significativo.
No Brasil a prática de desobediência envolve as empresas que contaminam reiteradamente o solo, os rios e os oceanos; as grandes madeireiras que continuam desmatando aceleradamente na Amazônia, as corporações imobiliárias que invadem as praias destroem mangues e outros ecossistemas sensíveis para abrirem loteamentos, também o fazem ao redor das áreas de proteção ambiental para venderem a proximidade com a natureza. A lista é enorme e facilmente acessível em qualquer canto do país.
É claro que a anomia ambiental se nutre e se amplia em consequência da anomia social e política pela qual passa o país. Sua caracterização como ambiental tem o objetivo de chamar a atenção para o problema, que não é só ecológico, mas também político e social.
* Reinaldo Dias é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas. Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política pela Unicamp. É especialista em Ciências Ambientais.
in EcoDebate, 18/03/2016
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Parabenizo o Professor Reinaldo Dias pelo excelente artigo, e peço permissão para apresentar uma simples sugestão que, acredito, mais qualificaria seu trabalho que estamos a comentar.
A sugestão é de que todas as “anomias” citadas no artigo deveriam estar relacionadas às influências dos demais países, especialmente daqueles que são considerados grandes potências econômicas.
O articulista toca em um aspecto importante. O despreparo das instituições responsáveis pela aplicação da legislação ambiental. Confusão organizacional, com a criação de várias instâncias com obrigações praticamente iguais, gerando conflitos de atribuições (basta olhar a estrutura do Ministério do Meio Ambiente), deficiência salarial e logística precária. Aí é que as entidades ambientalistas deveriam concentra suas ações. De nada adianta ficar propondo mudanças contínuas na legislação, o que gera mais confusão, se não há estrutura eficiente de aplicação.
Quanto aos interesses econômicos, basta ver o que acontece com o Código Florestal. Os pequenos produtores, que não têm recursos para se defenderem, acabam sendo os únicos a pagarem multas, assinarem termos de ajustamento de conduta severos. São muitas vezes obrigados a repararem situações provocadas a cem ou mais anos, e ainda terem de responder processos criminais por danos provocados por quem eles nem sabem
Aqui na região de Viçosa_MG, por exemplo, os bandeirantes, vindos do Vale do Paraíba, em SP, desmatavam margens de rios para construírem acampamentos e fazer pequenas plantações. Os proprietários de hoje podem ser punidos por causa dos que procuravam pedras preciosas.