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Para o desenvolvimentismo a qualquer custo, os ambientalistas são inimigos da Pátria, por Henrique Cortez

 

[EcoDebate] É moda destacar os valores democráticos do Brasil republicano, mas poucos lembram que, ao longo de nossa experiência republicana, consolidou-se um processo consistentemente repressor conta todos os que pensam e defendem um outro modelo de desenvolvimento.

Repressão, perseguição, discriminação e criminalização sempre foram ferramentas repressoras, que souberam se fazer sentir, desde o início do século 20, por anarquistas, comunistas, trabalhadores urbanos e rurais, movimentos sociais e populares, sem-terra, indigenistas e outros que questionavam e questionam o desenvolvimentismo a qualquer custo.

Opositores do sistema e do modelo, historicamente, foram tratados como inimigos da Pátria, traidores dos interesses da nação, pagando, muitas vezes, com a própria vida pelo atrevimento.

O problema é que os governos e as elites dirigentes não se confundem com a Pátria, nem seus interesses são os interesses da nação e do povo. Os governos e as elites econômicas até podem pensar que são a razão de ser do país, que suas razões são absolutas, dogmáticas, acima e além de quaisquer crítica ou questionamento. Mas isto não é verdade, é apenas soberba e arrogância do poder.

É o Brasil republicano com atitude de uma monarquia absolutista.

Agora, os mais novos inimigos da Pátria são os ambientalistas, que enfrentam uma coordenada campanha de desqualificação, que tenta “marca-los” como inimigos do desenvolvimento.

O governo, seus ministros, parlamentares à esquerda e a direita, ruralistas, representações empresariais, grandes empresários, com o apoio expresso da grande mídia, sempre que podem atacam os ambientalistas, como sempre atacaram os movimentos sociais e populares.

Acirra-se a campanha de difamação e calúnia aos ambientalistas, às ONGs e aos movimentos sociais, na exata medida em que aumentam as críticas ao modelo de desenvolvimento.

Os argumentos difamatórios são sempre os mesmo – que somos inimigos do desenvolvimento; que hipervalorizamos “bichinhos e plantinhas” em detrimento das necessidades humanas; que estamos a soldo de interesses econômicos internacionais; que cometemos crime de lesa-pátria ao questionar a opção nuclear; e por aí vai…

Esta campanha não nos ofende, porque sabemos que é a estratégia mais usual para desqualificar os movimentos sociais, o ambientalismo incluído. Basta um olhar superficial na história, para perceber que assim acontece há décadas.

Qualquer militante dos movimentos sociais, ambientalista ou não, está acostumado com a desqualificação. Nossos detratores, na impossibilidade de qualificarem a si mesmos, optam por nos desqualificar.

E isto se explica porque, dentre os movimentos sociais, os ambientalistas têm sido os críticos de primeira hora dos equívocos das políticas públicas, principalmente dos modelos econômico e de desenvolvimento.

Por diversas vezes alertamos que o processo de devastação avança sem controle e que não observamos medidas estruturais que possam interromper este processo equivocado de desenvolvimento, socialmente injusto e ambientalmente irresponsável.

Não somos inimigos do desenvolvimento nem queremos que nosso país se inviabilize economicamente. Apenas reafirmamos que este modelo de desenvolvimento é equivocado e inaceitável.

Somos incômodos porque denunciamos um gigantesco esquema oportunista e ganancioso que se apropria dos ativos ambientais e que somente pode ser combatido sistemicamente, se o modelo de desenvolvimento for repensado. Na verdade, mais do que tudo, defendemos que se iniciem as discussões sobre este modelo econômico escorado na exportação de produtos primários, com destaque para minério, carne e grãos. É necessário questionar a quem serve este modelo neocolonial e a quem beneficia

Podemos até não ser “ouvidos”, nem respeitados pelo poder, mas não desistiremos de afirmar que nossa compreensão de desenvolvimento é completamente diferente do que aí está. Queremos um desenvolvimento que seja realmente sustentável, o que, na nossa concepção, significa ser economicamente inclusivo, socialmente justo e ambientalmente responsável.

Henrique Cortez é editor da revista eletrônica EcoDebate e da revista impressa Cidadania & Meio Ambiente.

batendo bumbo

 

in EcoDebate, 02/03/2016

[cite]

 

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10 thoughts on “Para o desenvolvimentismo a qualquer custo, os ambientalistas são inimigos da Pátria, por Henrique Cortez

  • Como é complicado sempre manter a diplomacia e o equilíbrio, este é o desafio permanente…

    Grande abs…

    RNaime

  • Álvaro R. Santos

    Caro Henrique,
    Parabéns pelo eloquente e didático artigo. A travessia para uma sociedade social e ambientalmente equilibrada é longa e extremamente dificultosa. Exatamente porque exige uma profunda alteração nos valores existenciais dos cidadãos que compõem as sociedades humanas.
    O desenvolvimento a qualquer custo, predador do homem e do ambiente, é diligentemente suportado pela valorização de valores existenciais apoiados no egoísmo humano, na ostentação de símbolos sociais de sucesso, no consumismo obsessivo, todos esses valores insistente e diuturnamente propagandeados por todos os meios possíveis de comunicação.
    A guerra é longa e desigual, mas só começará a ser ganha na medida que consigamos ganhar corações e mentes para a superioridade civilizatória de valores humanos cunhados nos ideais de compartilhamento, de felicidade coletiva, de sagração da Natureza e da Vida.
    Abs
    Álvaro

  • Os interesses privados anunciados por uma retórica progressista são postos como benefícios públicos. As leis ambientais protetoras do bem comum são levadas á guilhotina, o interesse individual a julga e condena.
    Assim atuam no Estado os corruptos, anunciando o interesse de empresas como se fosse uma conquista da cidadania, a proteção do cidadão como se fosse uma barreira que impede a liberdade e a livre iniciativa.

  • Álvaro

    A luta de classes é um evento de nossa espécie e não explica tudo sobre a vida na Terra nem encerra o tema.

    A luta das espécies pela sobrevivência é mais ampla e a luta de classes deve se inserir nela e não o contrário.

    Infelizmente caminharam separadamente, cada um alienado de um jeito diferente.

    Esta política economicista, sindicalista, distributivista conseguiu no máximo o consumismo, o desperdício, a alienação do consumo se supérfluos, em aliança com o grande capital financeiro. O exemplo do Brasil mostra que o povo está brutalizado e os bancos lucram como nunca. O povo passou para um estágio de alienação de consumidor de porcaria também

    Para mim essa política socialista ou populista de esquerda sem a componente ambiental de visão ecossistêmica perdeu o encanto por ser sem sentido.
    Apolo

  • Álvaro e Henrique

    Meu comentário partiu antes do acabamento! Mas ficou ok.
    Sem ecologizar a economia continuaremos na pré-história.

  • Roberto, Álvaro, Daniel e Apolo,

    Agradeço pela compreensão e generosidade para com a minha opinião.

    O capitalismo (e o poder que o serve) é injusto, ganancioso, especulativo e insustentável por natureza e um “novo capitalismo” também o seria.

    Precisamos encontrar um novo modelo, uma nova concepção e o capitalismo, qualquer que seja a sua maquiagem, é a resposta errada.

    Pessoalmente, sou um ecossocialista e não tenho qualquer proximidade com a esquerda reformista que propõe um novo capitalismo, o que é uma desonestidade intelectual e uma fraude ideológica.

    Acredito que uma economia solidária e sustentável será o caminho para a esquerda superar a crise atual, ao mesmo tempo em que superamos nossa histórica irresponsabilidade socioambiental.

  • Osvaldo Ferreira Valente

    Henrique: Sempre coerente e lutador. Precisamos de muitos brasileiros como você, capaz de pregar e agir em favor de nossa sustentabilidade. Mas, Henrique, estou convicto de que qualquer solução para a sustentabilidade passa por uma diminuição do consumo. O Apolo já tocou nesse ponto. E aí entra a população urbana, que já representa mais de 85% do total (passa a ser dela, então, a maior responsabilidade) . A produção predatória tem muita relação com o consumismo urbano desenfreado e comandado por propaganda e apoio oficiais. A felicidade da população está, erroneamente, sendo medida pela ostentação: um carro novo, um imóvel luxuoso, uma mesa farta e desperdiçadora (o lixo prova isso) etc.
    Com esse modelo, estimulado a toda hora pela mídia e pelos governantes que só estão atrás de lucros e de votos, não vejo saída.
    Mas vamos lá, cumprindo nossa parte em discutir o assunto, pregando novos modelos de desenvolvimento. E que nossas opiniões, sirvam para alertar sobre os perigos iminentes.
    Um grande abraço de quem admira a sua dedicação à causa ambiental – Osvaldo Valente

  • Osvaldo,

    Também agradeço pelo seu apoio. Como muitos outros militantes como você, apenas faço o que está ao meu alcance.

    Concordo que o consumismo é uma questão chave. Nosso modelo econômico é baseado em produção e consumo infinitos. É evidente que este modelo não funciona por muito tempo. Além de ambientalmente irresponsável, este modelo também é socialmente injusto e economicamente excludente porque apenas atende à sanha consumista de uma fração da população. Dois terços da população mundial estão muito abaixo desta linha de consumo, nada usufruindo, mas arcando com os custos sociais e ambientais da degradação do meio ambiente e do esgotamento dos recursos naturais.

    Voltando ao tema central, não teremos um futuro minimamente aceitável sem uma profunda revisão dos conceitos, fundamentos e modelo da economia. E não faremos esta revisão sem uma clara compreensão de nossa responsabilidade em termos de cidadania planetária.

  • Parabenizo Henrique Cortez pela produção de artigo tão excelente, e parabenizo, também, todos que contribuíram com comentários sempre enriquecedores.

    Mas, depois de assistir a toda essa avalanche de conhecimento da nossa miserável realidade planetária, peço-lhes desculpas por dizer: na minha modesta avaliação, toda a miséria que já se encontra instalada se apresenta amparada pelo imbatível poder do capitalismo aliado às crenças religiosas.

    Portanto, tudo que se mostre dessa nossa realidade é válido apenas para que nos conscientizemos, cada vez mais, de que estamos sendo levados à destruição, sem nenhuma chance de escapar.

  • Complementando o comentário supra.

    Se defendemos o meio ambiente e a solidariedade entre todos os seres humanos, havemos de ser inimigos da Pátria, pois a Pátria – qualquer que seja – é um forte instrumento de separação e de exploração de umas sobre outras, via de regra, das mais ricas sobre as mais pobres.

Fechado para comentários.