Quarta revolução industrial ou estagnação secular? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“O otimista é um pessimista mal informado”
Ditado popular
“You can see the computer age everywhere except in the productivity statistics”
(Robert Solow, 1987)
[EcoDebate] No mês de janeiro de 2016 foram lançados, de forma independente, dois livros que discutem as possibilidades e as limitações que a tecnologia teve no passado e terá no futuro no sentido de avançar com as forças produtivas rumo à estagnação ou ao progresso e à melhoria das condições de vida da humanidade. Um é otimista e o outro é pessimista.
O livro “The fourth industrial revolution”, de Klaus Schwab, foi lançado durante o Fórum Econômico Mundial, de Davos e serviu de tema central para o encontro que reúne a elite da economia mundial. Numa visão otimista, o livro diz que estamos à beira de uma revolução tecnológica que alterará fundamentalmente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos uns com os outros. A “Quarta Revolução Industrial, em sua escala, escopo e complexidade, será diferente de tudo que a humanidade já experimentou antes”, como diz o autor. A Primeira Revolução Industrial começou no último quartel do século XVIII e teve como base o uso da água, do vapor (início dos combustíveis fósseis) e a mecanização de equipamentos para a produção de bens de consumo. A Segunda Revolução ampliou a divisão do trabalho e iniciou o uso da energia elétrica para criar a produção em massa. A Terceria Revolução utilizou a tecnologia da informação para automatizar a produção e ampliar a informação.
Agora, a Quarta Revolução Industrial deve ampliar a revolução digital que vinha ocorrendo desde meados do século passado, mas, segundo Klaus, ela traz um grande potencial devido a sua natureza hiperconectada, em tempo real, por causa da internet. O livro aponta três vetores propulsores: fatores físicos, digitais e biológicos. Dentre os físicos, como o desenvolvimento de novos materiais, destaca-se o aperfeiçoamento do grafeno, que é 200 vezes mais resistente que o aço e milhares de vezes mais fino que um fio de cabelo, tendo potencial de mudar a indústria e a infraestrutura. Os celulares conectados à internet provocaram uma reorganização de diversos aspectos da vida, como na educação, saúde e no transporte urbano. A biotecnologia, poderá erradicar doenças e até mesmo retardar o envelhecimento das pessoas. Além das mudanças nos sistemas de produção e consumo e amplo uso de inteligência artificial, ela também traria o desenvolvimento de energias verdes.
Portanto, Klaus considera que as transformações de hoje não representam apenas um prolongamento da Terceira Revolução Industrial, mas sim a chegada de um quarto e distinto período, em função: “da velocidade, do alcance e dos sistemas de impacto, pois a velocidade dos avanços atuais não tem precedente histórico, quando comparado com as revoluções industriais anteriores”. A Quarta Revolução avança em ritmo exponencial em vez de linear. Além disso, está envolvendo quase todos os setores em todos os países. A amplitude e a profundidade dessas mudanças anunciam a transformação dos sistemas inteiros de produção, gestão e governança. Assim, para o autor, bilhões de pessoas conectadas por dispositivos móveis, com um poder sem precedentes de processamento, capacidade de armazenamento e acesso ao conhecimento, oferecem possibilidades ilimitadas. Essas possibilidades poderão ser multiplicadas por avanços tecnológicos emergentes em áreas como inteligência artificial, robótica, a Internet das Coisas, veículos autônomos, a impressão 3-D, nanotecnologia, biotecnologia, ciência de materiais, armazenamento de energia e computação quântica.
Ainda no raciocínio do autor, a Quarta Revolução Industrial, assim com as revoluções anteriores, tem o potencial de elevar os níveis de renda global e melhorar a qualidade de vida das populações em todo o mundo. A inovação tecnológica também pode levar a um milagre do lado da oferta, com ganhos a longo prazo em termos de eficiência e produtividade. Transporte e comunicação a custos baixos tornariam as cadeias de fornecimento globais e a logística mais eficazes, abrindo novos mercados, impulsionando o crescimento econômico. Não menos importante, a Quarta Revolução Industrial, segundo o autor, pode aperfeiçoar a democracia. Como os mundos físico, digital e biológicas continuam a convergir, novas tecnologias e plataformas vão permitir que os cidadãos participem da gestão governamental, exprimindo suas opiniões, juntando esforços na implementação de políticas públicas e supervisionando as autoridades constituidas. Simultaneamente, os governos ganharão novos poderes tecnológicos, com base em sistemas de vigilância e capacidade de controlar a infra-estrutura digital, aumentando a concorrência, a redistribuição das funções e a descentralização do poder.
Para não dizer que tudo são flores, o autor reconhece que a Quarta Revolução Industrial poderia aumentar a desigualdade social, especialmente afetando os mercados de trabalho. Como a automação substitui o trabalho em toda a economia, o deslocamento líquido de trabalhadores por máquinas poderá agravar o fosso entre os retornos de capital e os retornos do trabalho (gerando uma crise de desemprego). O pior cenário seria aquele vislumbrado por Martin Ford (“Rise of Robots”) em que a ascensão dos robôs levaria a um futuro sem emprego. Mas Klaus aposta no efeito positivo, pois a tecnologia, em termos macroeconômicos, poderá não só trazer aumento líquido nos postos de trabalho, como também pode transformar as ocupações em atividades seguras e gratificantes.
Evidentemente, toda esta visão cornucopiana e de redenção tecnológica soa como música aos ouvidos da elite econômica que frequenta o Fórum Econômico Mundial. Para Klaus, a Quarta Revolução Industrial seria a prova de que o capitalismo é um sistema não só eficiente, mas que pode ser também justo e democrático. Em sua quarta reedição, a revolução capitalista universalizaria o progresso econômico, social e ambiental. Seria o triunfo da abundância do paraíso na Terra.
Contudo, esse tipo de delírio tecnológico é contestado no livro “The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War” do professor da Universidade Northwestern, Robert J. Gordon. Há muito tempo o autor tem criticado o tecno-otimismo e as afirmações, de forte cunho ideológico, de que estamos em meio a uma mudança tecnológica revolucionária. Por exemplo, em relação à apologia feita às TICs (Tecnologia de Informação e Comunicação), Gordon argumenta que elas são menos importante do que qualquer uma das cinco grandes invenções que alimentou o crescimento econômico entre 1870-1970: eletricidade, saneamento urbano, químicos e farmacêuticos, o motor de combustão interna e a comunicação moderna.
Gordon não discorda do papel histórico desempenhado pela tecnologia no passado. Ele recapitula os vínculos entre períodos de rápida expansão econômica e as inovações das três Revoluções Industriais (RI) precedentes: 1ª) a das ferrovias, energia a vapor (carvão mineral) e indústria têxtil, de 1750 a 1830; 2ª) a da eletricidade, motor de explosão, água encanada, banheiros e aquecimento dentro de casa, petróleo e gás, farmacêuticos, plásticos, telefone, de 1870 a 1900; 3ª) a dos computadores, internet, celulares, de 1960 até hoje. Segundo Gordon, a segunda RI teria sido mais importante em termos de acelerar o crescimento econômico, garantindo 100 anos de acelerado avanço na produtividade. Ele argumenta que este evento excepcional é único no tempo e não vai se repetir.
Ele dá exemplo da velocidade do transporte (que é confirmada pelo fracasso do Boeing 787 Dreamliner): “Até 1830, a velocidade de tráfego de passageiros e de mercadorias era limitado pelo ‘casco e vela’, mas aumentou de forma constante até a introdução do Boeing 707, em 1958. Desde então, não houve nenhuma mudança na velocidade e, de fato, os aviões voam mais lento agora do que em 1958 por causa da necessidade de economizar combustível e normas de segurança”.
Outro exemplo se dá pelo engarrafamento das grandes cidades e a crise da mobilidade urbana. Uma carroça puxada por dois cavalos trafegava a 26 km/hora, mas nossos potentes carros atuais não trafegam a 20 km/hora no horário de pico das metrópoles. Nas estradas é grande o número de acidentes e mortes. Desastres e restrições à mobilidade urbana significam perda de eficiência econômica e pressão sobre a qualidade de vida. Nas grandes cidades brasileiras é comum os moradores da periferia gastarem 2 horas da casa para o serviço e mais 2 horas de volta.
A soma do aumento do custo da extração dos combustíveis fósseis e a perda dos ganhos de produtividade pode funcionar como freio ao crescimento econômico. Considerando a economia dos Estados Unidos da América (EUA), Gordon argumenta que existem seis “ventos contrários” (headwinds) que devem desacelerar o crescimento americano: 1) aumento das desigualdades sociais, 2) educação deteriorada; 3) degradação ambiental; 4) maior competição provocada pela globalização; 5) envelhecimento populacional; e 6) o peso dos déficits e do endividamento privado e público.
O autor sugere que estes “ventos contrários” não estão atingindo apenas os EUA, mas todas as economias avançadas, o que deve provocar taxas de crescimento econômico abaixo de 1% nas próximas décadas. Para as sociedades emergentes, os “ventos contrários” também existem, mas sopram com menos intensidade, por enquanto. Mas, numa economia cada vez mais internacionalizada, é difícil imaginar que os países em desenvolvimento possam manter altas taxas de crescimento econômico sem contar com uma dinâmica parecida nos países desenvolvidos.
Evidentemente, a tecnologia contribui para o progresso e o bem-estar da população. O avanço das tecnologias de higiene e de saneamento básico reduziram a mortalidade infantil e aumentaram a esperança de vida, contribuindo para tornar as pessoas mais longevas, mais educadas e mais produtivas. Aliás, a revista britânica The Economist, com base nos estudos de Robert Gordon, fez uma capa (12/01/2013) mostrando que toda a força do pensamento tecnológico recente foi incapaz de inventar uma coisa mais útil e de maior impacto na saúde dos povos do que o vaso sanitário. Os efeitos positivos de uma invenção tão simples desmistifica a apologia das tecnologias mirabolantes.
A tecnologia pode ser aliada do desenvolvimento humano e ambiental, mas também pode ser fonte de dominação, exploração e de auto-engano. O livro de Robert Gordon, portanto, não rejeita a tecnologia, mas apresenta um forte argumento sobre seus limites. Também reforça a tese da “estagnação secular” e do baixo crescimento econômico no restante do atual século. Neste início de ano, enquanto o FMI prevê um crescimento de 2,4% para o PIB dos EUA em 2016, diversos outros estudos apontam um crescimento abaixo de 2% ou mesmo uma recessão. Tudo indica que a Era do alto crescimento econômico é coisa do passado. A América Latina, por exemplo, vai ter dois anos de recessão e sem uma recuperação forte a vista.
A ideia de hiperprogresso e de avanço sem limite das forças produtivas é alimentada tanto por pensadores neoliberais, quanto marxistas, que acreditam na revolução científica e tecnológica. Por exemplo, a Singularidade tecnológica seria um evento histórico previsto para o futuro próximo no qual a humanidade atravessaria um estágio de colossal avanço tecnológico em um curtíssimo espaço de tempo. Os aceleracionistas, seguindo utopias de esquerda, sonham com um “tecnocapitalismo desterritorializado” e uma “infiltração tecnológica da agenda humana”. Mas como mostraram Danowski e Castro (2014), os chamados “tecnófilos cornucopianos” acreditam em um “capitalismo pós-industrial e vibrante”, mas desconsideram os limites colocados pelo Sistema Terra para viabilizar o grande salto adiante. O Paradoxo de Jevons mostra que os ganhos de eficiência provocados pela tecnologia podem reduzir o consumo de recursos naturais em termos microeconômicos, mas não em termos macroeconômicos. O mito da eficiência tecnológica é esclarecido no livro “The Jevons Paradox and the Myth of Resource Efficiency Improvements” dos autores John Polimeni, Kozo Mayumi, Mario Giampietro, & Blake Alcott (2007).
O próprio Painel Internacional de Recursos da ONU, que busca estabelecer políticas que possibilitem dissociar os efeitos do crescimento econômico do uso dos recursos naturais e dos seus impactos ambientais (decoupling), reconhece que, a despeito de todo avanço tecnológico, o uso global per capita de materiais continua crescendo, pois era de seis toneladas, em 1970, passou para oito toneladas, entre 1970 e 2000, chegando a dez toneladas, em 2010. Houve, portanto, aumento absoluto no uso dos materiais extraídos do meio ambiente. Mas também ocorreu crescimento relativo, pois a quantidade de material (kg) para produzir uma unidade de PIB (US$) passou de 1,2 kg, em 2000, para 1,4 kg, em 2010 (UNEP, 2015). Além disto, o nível de reciclagem é muito baixo e os ganhos microeconômicos são minimizados pela ampliação da demanda agregada. Desta forma, não custa lembrar o recado deixado por Mary Shelley, no livro Frankenstein, que já tinha alertado, em 1818, sobre os efeitos indesejados da tecnologia e da racionalidade, que em vez de gerar o progresso prometeico, pode gerar um monstro que assusta a raça humana.
Para quem faz apologia da tecnologia e acha que a ideia de desenvolvimento sustentável é o caminho para conciliar os avanços materiais e o meio ambiente, seria bom ler o livro de Ted Trainer: “Renewable Energy Cannot Sustain a Consumer Society”. Ele diz que a sociedade atual, assentada no triângulo indústria-riqueza-consumismo, é insustentável e injusta, envolvendo taxas de utilização de recursos per capita que são impossíveis de atingir e universalizar para toda a população. Ao contrário de um mundo de riquezas infinitas, ele propõe a simplicidade voluntária e o decrescimento. O sonho do desenvolvimento economicamente inclusivo, socialmente justo e ambientalmente sustentável virou um oxímoro e o tripé da sustentabilidade virou um trilema (Martine e Alves, 2015 e Alves, 2015).
Ninguém sabe, com certeza, como será o futuro. Neste segundo quindênio (2015-2030) do século XXI, quando a agenda global da ONU está centrada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e no Acordo de Paris, aprovado na COP-21, o monitoramento mundial da agenda pós-2015 deveria contrabalançar a atenção entre o oba-oba da Quarta Revolução Industrial, de Klaus Schwab e a critica realista dos limites tecnológicos feitas por Robert Gordon. A sociedade afluente ainda é um sonho distante para a maioria da população mundial.
Referências:
Klaus Schwab. The fourth industrial revolution, World Economic Forum, Switzerland, 2016
Robert J. Gordon. The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War (The Princeton Economic History of the Western World), January 2016
DANOWSKI,D. CASTRO, E.V. Há um mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Cultura e Barbárie, ISA. 2014
TRAINER, Ted. Renewable Energy Cannot Sustain a Consumer Society, Springer 2007
John Polimeni, Kozo Mayumi, Mario Giampietro, & Blake Alcott. The Jevons Paradox and the Myth of Resource Efficiency Improvements, Earthscan, 2007
UNEP. The International Resource Panel (IRP) United Nations Environment Programme, 2011.
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (em portugues e em inglês)
ALVES, José Eustáquio Diniz. Os 70 anos da ONU e a agenda global para o segundo quindênio (2015-2030) do século XXI. Rev. bras. estud. popul. [online]. 2015, vol.32, n.3, pp. 587-598. ISSN 0102-3098.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 17/02/2016
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Todas as tentativas de desenvolvimento que não consideram os limites e a ‘sensibilidade’ do planeta Terra são utópicas e conduzem à destruição do sistema.
Tendo ao pessimismo, sobretudo depois de ler Sapiens, do antropólogo israelense Y. N. Harari, ed. LPM 2014.
Vejo hoje nós, humanos, como o autor qualifica, de deuses, com ilimitados poderes de transformação do nosso meio ambiente, mas irresponsáveis e incapazes de saber o que queremos de fato.
Guiamo-nos por mitos e negamos os fatos cruciais sobre nossa realidade e nossa relação com nosso meio ambiente. Vivemos de fantasias. Apreciamos mais ficção do que realidade, história (veja os espaços que cada um dos dois ocupa na mídia em geral), porque nos dá mais prazer e isto para nós é felicidade.
Me lembra a história de Rapa Nui, ou o povo antigo da Ilha de Páscoa, que um dia foi extinto por si próprio pela devastação de sua ilha, visando a atender às exigências de seus deuses, materializados em imensas esculturas de pedra dispostas estrategicamente por toda a ilha. Suas únicas e inúteis testemunhas.
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