Teologia do Crescimento, artigo de Marcus Eduardo de Oliveira
[EcoDebate] Crescer, crescer e crescer. Essa tem sido a receita principal das mais importantes economias modernas, convertida em verdadeiro dogma, corroborada pelo pensamento econômico tradicional que identifica no acúmulo de produção e consumo de mercadorias a errônea noção de progresso.
Para tanto, a atividade econômica exerce domínio técnico sobre a natureza, convertendo os finitos e não renováveis recursos naturais em mercadorias, fazendo do consumismo uma espécie de “religião” daqueles que se regozijam no supérfluo, no opíparo.
Baseado no lucro, na exploração do capital natural, no excesso de produção/vendas/consumo, esse modelo de crescimento – quase uma teologia sagrada para a economia neoclássica – bestifica adultos e crianças que são impulsionados ao consumo cada vez mais crescente, perdendo – e deixando de lado – o real e verdadeiro sentido da vida.
Em relação a isso, é oportuno trazer à tona o comentário feito por Ladislau Dowbor: “enquanto aumenta o volume de brinquedos tecnológicos nas lojas, escasseiam o rio limpo para nadar ou pescar, o quintal com as suas árvores, o ar limpo, água limpa, a rua para brincar ou passear, a fruta comida sem medo de química…”. (Dowbor, in FREIRE – “A Sombra desta Mangueira”, 1995).
Assim, vamos perdendo, pouco a pouco, a noção do que é ter uma vida regrada numa convivência harmoniosa com as coisas da natureza, trocando, pois, o “natural” pelo “artificial”, pelo “fabricado”, “industrializado”, “enxertado”.
Lamentavelmente nos deixamos submeter aos interesses do mercado de consumo que dita regras, e que, também por isso, submete a natureza ao jogo da produção econômica, desrespeitando a noção de limites (fronteiras) ecológicas, apressando com isso o desastre ecológico que ceifa vidas.
O ser mais ameaçado pela destruição do meio ambiente é o ser humano e dentre os seres humanos os mais pobres são as suas principais vítimas, assevera o pedagogo Moacir Gadotti, em “Pedagogia da Terra”.
Ernesto Sábato, por ocasião da apresentação do projeto Carta da Terra, no já distante ano de 1998, dizia que “milhões de vidas humanas são desprezadas por interesses econômicos”.
O desrepeito aos limites – ecológicos, sociais e mesmo os econômicos – impõem sérios danos à vida humana. Por isso é necessário entender justamente a existência desses limites e a importância em não ultrapassá-los.
Há limite “ao” crescimento, pelas restrições físicas da natureza (ecológico), dada a disponibilidade limitada, como dissemos, de recursos naturais; e há limite “do” crescimento, pela impossibilidade (econômico) de um super consumo de suntuosidades promover – como querem alguns – a plena felicidade dos povos (social).
Nesse pormenor, situa-se a política de crescimento econômico em conflito com os fatores ecológicos, impossibilitada de ampliar os ganhos sociais. É de fundamental importância o entendimento de que crescimento tem que necessariamente ser um instrumento, mas nunca o propósito em si, a finalidade suprema, como se não houvesse nada mais além disso.
Não há como escapar à seguinte afirmação: mais crescimento significa menos meio ambiente, tendo em vista que a biosfera é finita, não cresce, além de ser fechada (com exceção do constante afluxo de energia solar) funcionando regiamente sob as leis da termodinâmica.
Sintomaticamente, portanto, mais crescimento econômico responde pela exaustão de recursos naturais e energéticos e pela depredação dos serviços ecossistêmicos, o que compromete, sobremaneira, a qualidade e a expectativa de vida, principalmente dos mais pobres que não encontram meios para se defenderem do desequilíbrio ambiental.
Por isso é limitada à capacidade de o ecossistema terrestre suportar as pressões advindas do crescimento econômico. Quanto mais a “teologia do crescimento” avança na direção de sua propagação como eficaz alternativa de melhorar a vida humana, mais os limites biofísicos constrangem o próprio sistema econômico que, por sua vez, irrompe-se com força destrutiva, expondo o meio ambiente em constante degradação, comprometendo mais e mais a capacidade de salvaguardar a vida humana.
Ora, a questão é uma só: se o crescimento contínuo da atividade econômica é incompatível com uma biosfera finita, insistir num crescimento físico da economia, enaltecendo e aplicando a “teologia do crescimento”, somente irá gerar mais custos (ambientais) que benefícios (econômicos e sociais).
A poluição do ar e dos oceanos, a extinção de espécies, cardumes ameaçados, a perda considerável de ecossistemas, chuvas ácidas, buraco de ozônio, esgotamento dos solos e a constante mudança climática – todos fatores desencadeados em larga medida pelo expansionismo econômico -, mostram que os limites, principalmente os ecológicos, convertem o crescimento da economia numa verdadeira condição antieconômica.
Inequivocamente, as perdas (de capital natural), nesse caso, superam os ganhos (econômico-produtivos). Não refutamos, contudo, a importância em fazer a economia crescer, desde que, obviamente, isso ocorra “dentro” dos limites (econômicos, ecológicos e sociais); mas não se deve perder de vista, no entanto, que não é o crescimento da economia em si que faz progredir qualitativamente a vida das pessoas.
Crescer por crescer até as células cancerígenas assim o fazem. Crescer por crescer é expandir fisicamente a economia, quantitativamente apenas.
Reafirmando esse argumento, Herman Daly, o maior expoente hodierno da economia ecológica, diz que “se os recursos pudessem ser criados a partir do nada e os resíduos pudessem ser aniquilados no nada, então poderíamos ter uma produção de recursos sempre em crescimento através da qual alimentaríamos o crescimento contínuo da economia. Mas a primeira lei da termodinâmica (lei da conservação, o grifo é meu) diz NÃO. Ou se pudéssemos apenas reciclar a mesma matéria e energia através da economia de forma mais rápida, poderíamos manter o crescimento em andamento. O diagrama de fluxo circular de todos os textos de iniciação à teoria econômica infelizmente aproxima-se muito desta afirmação. Mas a segunda lei da termodinâmica (lei da entropia, outro grifo meu) diz NÃO”.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. É Articulista do EcoDebate. prof.marcuseduardo@bol.com.br
in EcoDebate, 28/10/2015
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