Relatório do WRI-Brasil e USP mostra que é possível produzir mais energia emitindo menos
Recomendações têm como objetivo subsidiar o governo na definição de metas para a negociação do acordo do clima, em dezembro
Investir na redução das emissões do setor de transportes através de mais integração com ferrovias e hidrovias, em melhorias no transporte público, acabar com subsídios para combustíveis fósseis, investir mais em biocombustíveis; incentivar a eficiência e a consequente economia do uso de energia na indústria e priorizar fontes modernas de energias renováveis (eólica e solar). Estas são as principais recomendações contidas no relatório “Oportunidades e Desafios para Aumentar Sinergias entre as Políticas Climáticas e Energéticas no Brasil”, divulgado nesta segunda-feira (21) pelo World Resources Institute (WRI-Brasil), em parceria com o Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE/USP).
Se o Brasil não começar a reduzir as emissões no setor de energia, elas serão em breve a principal fonte de produção de gases que contribuem para o aquecimento global no país– os chamados gases de efeito estufa (GEE).
Na última década, o país ampliou sua dependência em combustíveis fósseis e reduziu a fatia de energias renováveis na geração total de energia no país: “Apesar de estarem crescendo em termos absolutos, a porcentagem de energias renováveis na matriz energética brasileira caiu 6% nos últimos seis anos,” observa Viviane Romeiro, uma das autoras do relatório e Coordenadora de Projetos de Clima no WRI-Brasil. Isto quer dizer que as emissões de energias não-renováveis estão crescendo mais do que as de energias renováveis.
O relatório foi lançado às vésperas da divulgação da proposta oficial que o governo leva para a COP 21 – a Conferência do Clima que vai discutir um novo acordo climático pós-2020. E propõe uma mudança radical nos investimentos previstos em energia, além de defender que a proposta brasileira para a COP contenha o compromisso de uma forte redução de emissões energéticas durante as próximas décadas.
Segundo a Diretora-Executiva do WRI-Brasil, Rachel Biderman, se a presidente Dilma Rousseff não apresentar uma proposta consistente para levar à mesa de negociações em Paris, em dezembro, vai enfraquecer a posição do Brasil: “Enfraquece porque resolver o problema das mudanças climáticas, que é hoje o maior do planeta, depende em grande parte de como produzimos energia. O Brasil pode sim produzir energia com baixas emissões e é isto o que mostra o relatório”.
A presidente Dilma Rousseff deve divulgar a proposta brasileira (chamada de INDC no jargão das negociações climáticas) durante seu discurso anual na abertura da Assembleia das Nações Unidas, em Nova Iorque, semana que vem. Entre os países que emitem mais de 1% do total de GEE no mundo, os que ainda não apresentaram proposta são Brasil, Índia e Indonésia.
As recomendações do estudo são resultado do mapeamento e análise de planos e estimativas oficiais e estudos de institutos de pesquisa e instituições respeitadas como o Banco Mundial, Agência Internacional de Energia e o Greenpeace. “Analisamos os cenários existentes e os estudos convergem: não há como reduzir a emissão, sem descarbonizar a matriz,” explica Oswaldo Lucon, professor do IEE/USP e um dos autores da pesquisa. As reduções propostas, mesmo em diferentes cenários, levam a estimativas de diminuição das emissões de energia em torno de 40% até 2030.
As políticas públicas de energia e de clima não são harmonizadas no Brasil. O plano de energia tem precedência sobre o plano climático e é revisto todos os anos, enquanto que a Política Nacional sobre Mudança do Clima “está congelada desde 2009,” afirma Lucon.
“A gente carece de instrumentos de política energética que incluam a questão das energia renováveis de maneira mais estratégica,” critica o Secretário-Executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl. “Os Planos Decenais de Energia (PDEs) não trazem o estabelecimento de metas que possam ser incentivadas por instrumentos tributários. As mudanças se dão por motivos conjunturais”. Ele dá o exemplo da revisão de projeção de geração de energia solar, do PDE 2023 para o PDE 2024, em que a estimativa para a produção de energia solar passa de 3 a 4 Gigawatts (GW) para 7GW em dez anos. “Isto foi decisão estratégica de país para produzir energia mais limpa, porque somos um país muito ensolarado? Não. Foi em função de um contexto em que os reservatórios das hidrelétricas estão muito baixos, o custo de acionamento das termoelétricas foi grande para o país e teve impacto econômico. Não temos um plano para o país,” lamenta.
Quadro: Recomendações do relatório
1. Melhorar a eficiência de combustíveis e investir na transição para transportes com baixa emissão de carbono. O setor de transportes é a principal fonte das emissões de gases do efeito estufa relacionadas à energia. O uso de biocombustíveis que não causem mudanças negativas no uso da terra, juntamente com o transporte de massa e meios de transporte não motorizados podem rapidamente conter as emissões do setor. Até o momento, com exceção de poucas cidades, o Brasil ofereceu incentivos limitados no sentido de uma mudança para modos de transporte mais eficientes, como ferrovias e BRT. Tal mudança traria benefícios locais significativos e melhoraria a qualidade de vida.
2. Oferta de incentivos para aumentar a eficiência na indústria, incluindo a implementação do planejado Mercado Brasileiro para Redução de Emissões (MBRE) que incentivaria a eficiência ao criar um preço para o carbono. Além de condicionar o licenciamento ambiental ao cumprimento de altos padrões de eficiência energética e acelerar planos para transição para combustíveis de baixo carbono e a implementação do Sistema de Mensuração, Relato e Verificação (MRV) para emissões de carbono da indústria.
3. Priorizar fontes renováveis modernas, particularmente energia solar e eólica, ao mesmo tempo em que lida com os desafios apresentados pelos grandes projetos de hidrelétricas. O Brasil pode promover o desenvolvimento de energia solar e eólica e sua interconexão com a rede, ao se comprometer com o aumento de sua participação na matriz energética em 30% até 2030. É preciso incluir esse compromisso no plano nacional do clima a ser apresentado pelo país para a negociação do novo acordo do clima, na COP 21, em Paris.
4. Conciliar as políticas energética e climática, assim como processo de planejamento entre as políticas nacionais e internacionais. As políticas energética e climática e os processos de planejamento precisam ser integrados de forma mais completa e coerente. No setor de energia, isso implica em reconhecer que, se adotado um processo de planejamento de um orçamento de carbono, tendo como base o Plano Nacional de Energia (PNE) e o Plano Decenal para Expansão de Energia (PDE), o Brasil não pode continuar a focar em combustíveis fósseis. No contexto da política climática, isso inclui estabelecer metas ambiciosas e factíveis de redução de emissão de gases do efeito estufa, que considerem todo o potencial de abatimento benéfico e custo efetivo no setor energético.
Colaboração de Maria Benevides (Cassuça), in EcoDebate, 24/09/2015
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