Meio ambiente e economia solidária, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] Boa parte das iniciativas da denominada economia solidária apresentam elevada conformidade com os princípios que orientam as diretrizes da gestão ambiental ou do desenvolvimento sustentável. Somente isto já seria justificativa suficiente para esta associação. Mas é possível ir além. A economia solidária cada vez mais se integra na “cultura de paz” pregada por amplas parcelas de ecologistas e militantes.
E se utiliza hoje de mecanismos comuns aos que tratam com questões ambientais, como o “crowfunding” ou financiamento coletivo. A economia solidária sempre esteve vinculada com populações por algum motivo excluídas de integração com a máquina produtiva formal, da forma que se expressa.
A economia solidária é uma forma de produção, distribuição e consumo de bens ou serviços que hegemoniza os seres humanos em detrimento do capital. São comuns iniciativas artesanais utilizando os saberes e as competências advindas da transmissão de conhecimentos de forma oral, em associações e cooperativas. A finalidade de reproduzir de forma amplificada as relações de vida, prioriza a autogestão e a livre manifestação de seus membros como estratégia de consolidação de atividades.
Normalmente as atividades configuram iniciativas de pequeno ou médio porte, de forma solidária caracterizando uma corrente do bem, desprovida de intermediários. A economia solidária guarda ainda sólidos princípios de autogestão, solidariedade, cooperação, democracia e respeito a integração com o meio natural. Seus fundamentos são o comércio, exercido de forma justa para todas as partes envolvidas, e o consumo equilibrado, harmônico e solidário.
Sempre que se tem contato com estas iniciativas, se observa sem esforço, o abismo existente com a economia formal. Não existe preferência ou hegemonia a ser ressaltada de qualquer um dos lados, mas as situações sempre geram profundas reflexões. É o momento de apropriar o trabalho como instrumento de dignificação e libertação do indivíduo ou assistir a qualquer manifestação alienante das relações impostas pela condição assalariada.
A própria natureza da economia solidária expressa as dimensões que também são comuns aos eventos sustentáveis: as vertentes sociais, econômicas e ambientais. A economia solidária, assim como o meio ambiente, ainda valorizam muito os aspectos políticos, ecológicos e culturais das situações consideradas. As experiências da economia solidária se projetam no chamado espaço público, na medida que determinam formas de atitudes como preferenciais, como um ambiente socialmente justo e amplamente sustentável.
A economia solidária não se confunde com o chamado “Terceiro Setor”, que pode substituir o estado em suas funções legais e institucionais mediante articulação e atribuição de funções para este fim ou finalidade específica. A economia solidária consolida a emancipação voluntária ou forçada de contingentes populacionais constituídas de frações excluídas da formalidade.
E este é um processo histórico, vinculado com a própria origem do segmento social, originado da primeira revolução industrial, quando artesãos foram excluídos da dinâmica de trabalho ainda pelo advento das primeiras unidades fabris com máquinas a vapor. É igualmente histórica a fundação da chamada Cooperativa dos Pioneiros de Rochdale em 1.844, divulgando e espraiando a iniciativa por toda a Europa e pelos demais continentes.
No Brasil, o cooperativismo se tornou particularmente importante e até hegemônico principalmente na região sul, alvo de maior colonização de origem europeia. Cooperativas agrícolas e iniciativas creditícias foram muito desenvolvidas e algumas tiveram sua trajetória interrompida pelos elevados estímulos aos desvios, que são propiciados pela falta de regulamentação e de fiscalização sistêmicos em ambiente de ocorrências que caracterizaram fenômenos de impunidade. Nada resiste à impunidade que teima em permanecer hegemônica na trajetória evolutiva da civilização humana no país.
As práticas de economia fundada em princípios de solidariedade existem em todos os continentes, com maiores ou menores expressões de representatividade social, até mesmo antes de eventos como a revolução industrial, inspiradas por antigas práticas solidárias milenares encontradas entre camponeses ou inspirações de movimentos anarquistas e similares. Sempre foram, elementos de agregação e da valorização da coexistência entre comunidades humanas.
Assim, não é correto atribuir as origens destas práticas exclusivamente às comunidades europeias. Iniciativas deste natureza são extremamente relevantes também entre os povos pré-colombianos e também entre as populações antigas e tradicionais do continente africano ou da Ásia.
As conceituações mais aceitas são relativamente recentes, datadas do final d século passado, mas os princípios e fundamentos registrados nos sistemas são muito próximos e concordantes com as diretrizes originalmente desenvolvidas.
A dimensão de autonomia de cada uma de suas partes constituintes sempre é a característica mais respeitada e ressaltada, e na vão verdade não poderia ser diferente. Está mais do que na hora do indivíduo humano buscar e consolidar a vertente da autonomia em toda a natureza das relações sociais e formais que estabelece.
Pode-se dizer que a autonomia é o verdadeiro resgate da dignidade própria em todas as situações de vida consideradas. Somente está característica valoriza e determina que ações de consciência possam ser estabelecidas e valorizadas. E isto é fundamental para a evolução da questão ambiental sob o prisma da visão holística, tão necessária. É neste momento que o indivíduo pode expressar que agirá ou demonstrará exclusivamente atitudes que estejam em conformidade com suas próprias crenças e seus próprios valores.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
in EcoDebate, 23/09/2015
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