Questionando o crescimento econômico, artigo de Marcus Eduardo de Oliveira
[EcoDebate] Sempre é oportuno questionar o crescimento econômico, posto que este, impulsionado pelo consumo, organiza em primeiro plano a sociedade de massas, acirrando assim a crise ecológica.
Para o fim último de uma sociedade que se pauta na busca da felicidade, via aquisição material, o crescimento econômico se apresenta como o caminho mais viável para isso, visto que potencializa o ciclo de acumulação do capital (produção, consumo, mais produção para mais consumo), consubstanciando-se na máxima tão proferida pelos neoclássicos de que a riqueza de um país aumenta à medida que o Produto Interno Bruto (PIB) se expande.
Assim, o consumo que, nas palavras de F. Hirsch (1931-1978), “representa o verdadeiro sujeito e objeto do crescimento econômico”, ampara tal “necessidade” de crescimento. Essa “necessidade”, por sua vez, é justificada pelo encontro do crescimento demográfico com o progresso econômico, posto esse último cada vez mais à serviço do aumento da produção material.
Pautado no interesse de fazer com que a sociedade alcance melhorias substanciais no padrão de vida das pessoas, o crescimento econômico, por ser uma espécie de “marca” que simboliza esse “progresso”, tornou-se obsessão maior das políticas governamentais pós Revolução Industrial, e, enquanto a economia mundial (atividade produtiva global) “coube” dentro do meio ambiente, tal obsessão jamais foi questionada.
A insatisfação quanto a isso, apenas para os que estão do lado de fora da economia convencional, dita, neoclássica, portanto, para aqueles que não comungam às ideias da cartilha do modelo ora vigente, passou a ser gritante após os anos 1960, quando os sinais de estresse ambiental começaram a ser notados em diversas frentes, em paralelo ao fato da abundância material ter alcançado, a partir desse período, maior proeminência, afinal a economia global estava desfrutando as benesses da chamada “Era de Ouro” do capitalismo que somente iria terminar com a chegada do primeiro choque do petróleo, em 1973.
A partir disso, a questão principal que se realça é que à medida que o crescimento acontece deteriora-se o meio ambiente, sem ao menos ter essas implicações ecológicas dimensionadas adequadamente na própria conta do crescimento econômico.
Desse modo, questionar o crescimento, para dizer o mínimo, se torna mais que razoável, além de permitir o questionamento do próprio sistema que lhe dá amparo, uma vez que seus defensores contextualizam que sem crescimento não há condições possíveis de sobrevivência para o sistema ora dominante.
Logo, visto por essa perspectiva, quanto mais trabalharmos, quanto mais produzirmos, quanto mais aumentarmos fisicamente a economia, quanto mais expandirmos o mercado, e, claro, quanto mais consumirmos, portanto, quanto mais “alimentarmos” o próprio sistema, tanto maior será nossa felicidade.
Desse modo, e por isso, a economia global, mesmo aos trancos e barrancos, continua crescendo, e o dinamismo macroeconômico, aos olhos da economia convencional, continua sendo a bola da vez em busca do tão almejado bem-estar social da sociedade como um todo, afinal, não se pode, a bel-prazer, abandonar a lógica do sistema ora dominante.
Isso tudo, pela receita proferida pelo convencionalismo econômico, além de ser um “ponto ótimo”, para usarmos uma expressão típica do economês, seria a consagração maior de que a economia pode nos levar ao paraíso, via aumento e plena satisfação no consumo, fazendo-nos vivenciar uma vida regrada a bons modos.
Entretanto, como nem tudo que reluz é ouro, reside no argumento acima um enorme e ledo engano que se esconde por trás das elevadas taxas de crescimento do produto e na prática excessiva do consumo: a acintosa deterioração do meio ambiente.
Como o consumo – conforme dito, sujeito e objeto do crescimento – é feito às expensas da “morte” abrupta do capital natural – dos recursos naturais não renováveis -, atendendo exclusivamente ao padrão ditado pelo mercado, o “produto” que emerge de tal situação só poderia ser a gravíssima crise ambiental ora em curso, posto que o crescimento econômico “exige” depleção de recursos energéticos e materiais do planeta.
Relacionado a isso, a questão mais atinente está no excesso de consumo que, na verdade, veste a roupagem do consumismo. Claramente, isso conduz a um padrão de desperdício, abandonando, pois, a noção do “suficiente”.
Consoante a isso, ao questionarmos o crescimento econômico estamos, na verdade, questionando o consumismo, que ao fazer “uso” da prática da obsolescência programada delibera que os objetos fabricados têm que necessariamente ter vida breve; devem durar pouco tempo, a fim de que outros possam vir em seguida e, assim, sucessivamente, configurando numa situação que exige mais produção para mais consumo, fechando a conta, portanto, com menos meio ambiente.
Como é facilmente perceptível, essa “equação”, se assim podemos denominá-la, é a essência do processo do ciclo de acumulação de capital. A lógica por trás disso está em transformar simples desejos em necessidades urgentes, a partir do momento em que também transforma o cidadão em consumidor.
Tal fato configura outra situação: perde-se o conceito de cidadania, que pouca ou nenhuma importância tem aos olhos do mercado de consumo, mas mantém-se intacto o poder de compra, que muita importância e razão de existir tem aos olhos do mesmo mercado de consumo.
Isso tudo é aquela conhecida situação em que o consumo já não mais se restringe às necessidades da vida, ao contrário, visa sobretudo às superficialidades da vida.
Nesse pormenor, lembra a cientista política alemã Hannah Arendt (1906-1975) (1) que a economia se tornou, de fato, “uma economia de desperdício, na qual todas as coisas devem ser devoradas e abandonadas quase tão rapidamente quanto surgem no mundo”.
Por fim, questionar o crescimento econômico, além de trazer essas implicações aqui laconicamente esboçadas acerca do consumismo, dessa sociedade de consumo que transformou o planeta em um vasto supermercado, implica, ademais, em algo tão sério quanto isso: pensarmos na imediata reversão da progressiva degradação dos ecossistemas que dão suporte e sustentam à vida.
Nota:
(1) A Condição Humana, Trad. R. Raposo, 2° ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1983, p.147
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor. Articulista do Portal EcoDebate.
prof.marcuseduardo@bol.com.br
in EcoDebate, 27/08/2015
[cite]
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QUE O DIREITO À VIDA SEJA RESPEITADO.
“…implica (…) pensarmos na imediata reversão da progressiva degradação dos ecossistemas que dão suporte e sustentam à vida.”
[Final do último parágrafo do artigo ora comentado].
Um questionamento:
haverá possibilidade de “imediata reversão da progressiva degradação dos ecossistemas que dão suporte e sustentam à vida”?
Todos os animais, e entre ele os da espécie humana, ou nascem dotados de instintos de sobrevivência, ou desenvolvem esses instintos ao longo da vida. A espécie humana se encaixa na segunda condição. [Ver obra de Sigmund Freud e de Charles Darwin].
Foram os instintos de sobrevivência da espécie humana que, aliados a outras características – como exemplo, o desenvolvimento da inteligência – possibilitaram à espécie chegar à atualidade.
Mas essas características, que foram necessárias para a sobrevivência da espécie no início e até há alguns milhares de anos, atuam, hoje, como vícios, pois são utilizadas contra a própria espécie, contra as espécies não humanas e degradam o meio ambiente.
Além das destrutivas características psicológicas, acima citadas, há também a presença de uma população excessiva de seres humanos, indispensável para o desenvolvimento econômico da classe dominante, o capitalismo.
A ambição – desejo de concentração de bens – e o egocentrismo são produto do instinto de sobrevivência, que se transformaram em vícios, os quais são utilizados, agora, como poderosas armas que destroem todas as formas de vida, inclusive a humana.
Acredito que somente um grande trabalho educativo, a nível planetário, que tivesse início agora e fosse mantido durante toda a existência da espécie humana, poderia causar as transformações sociais, políticas e econômicas necessárias para a reversão da degradação dos ecossistemas e para formação de uma sociedade humana igualitária com condição de viver em harmonia com o meio ambiente, de que fazem parte todas as espécies vivas.
Em outras palavras, acredito que somente um trabalho dessa natureza e intensidade, seria capaz de suplantar os vícios trazidos do passado, e criar as condições necessárias para substituição do regime capitalista pelo socialismo, o qual, como acreditou Karl Marx, evoluiria para o comunismo.
Mas as possibilidades para implementação desse imenso trabalho educativo não existem, pois o regime capitalista, que é o poder dominante absoluto em todo o planeta Terra, tem interesses que estão de acordo com os vícios trazidos do passado, os quais levarão, inevitavelmente, à destruição total da vida neste planeta que habitamos.
Parabenizo o autor, Professor Marcos Eduardo de Oliveira, por abordar a questão mais importante da atualidade com clareza e fundamentação admiráveis.
Excesso de consumo… para alguns!
São 14 milhões de famílias, 50 milhões de brasileiros, um quarto da população, a receberem o Bolsa Família, um apoio social de no máximo R$77 mensal per capita. E ainda existem cerca de 10 milhões de habitantes em estado de mendicância, indivíduos que vivem em extrema carência material, não conseguindo obter as condições mínimas de salubridade e conforto com meios próprios. São estes 60 milhões que contribuem para um excesso de consumo?