Brasil: país submergente, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Parece que o Brasil está caminhando para uma segunda década perdida. O ultimo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicado em abril de 2015, traz dados sobre o panorama da economia mundial entre 2011 e 2014 e estimativas para o período 2015 a 2020. Evidentemente o quadro pode mudar nos próximos anos, mas a comparação entre os países é útil para se avaliar as tendências passadas e as perspectivas futuras.
Analisando a variação do Produto Interno Bruto (PIB) na década de 2011-2020 podemos perceber um quadro desalentador para o Brasil. O conjunto das “economias emergentes” (termo utilizado pelo FMI) deve crescer a uma média anual de 5,1% aa, o mundo deve crescer a 3,7% aa, a América Latina e o Caribe devem crescer a 2,6% aa e as economias avançadas (termo utilizado pelo FMI) devem crescer a 1,9% ao ano. O Brasil deve crescer apenas 1,8% ao ano. O pior desempenho.
Nota-se, portanto, que as economias emergentes (lideradas por China e Índia) são responsáveis pelas maiores taxas de crescimento. O surpreendente é que a América Latina e Caribe (ALC) vai crescer bem menos do que o conjunto das economias emergentes e abaixo da média mundial. O baixo crescimento das economias avançadas já era esperado, pois trata-se do desempenho de países com alto nível de desenvolvimento humano e baixo (ou negativo) crescimento demográfico.
Mas o que mais surpreende nos dados é o mal desempenho da economia brasileira que, segundo os dados do FMI, deve crescer apenas 1,8% ao ano na década. Ou seja, o Brasil não só vai crescer menos que as economias emergentes, menos que a média mundial, menos do que a ALC, mas, também, menos do que as economias avançadas.
Esta situação não é nova, mas está se agravando. O FMI também mostra que a participação do PIB brasileiro (em poder de paridade de compra) no PIB mundial está caindo desde 1980. A maior queda ocorreu entre os governos José Sarney (1985-1989) e Fernando Collor (1990-1992). Mas o Brasil continuou perdendo posição relativa nos governos seguintes (uma leve recuperação no início do Plano Real e entre 2008 e 2010). A perda se acelerou depois do início do governo Dilma (2011 em diante).
Nos 30 anos entre 1950 e 1980 a taxa de crescimento do PIB brasileiro só não foi maior do que a taxa de crescimento mundial em 4 anos, todos eles de crise política. Em 1956, após o suicídio de Getúlio Vargas e das dificuldades da eleição de Juscelino Kubitschek o PIB brasileiro cresceu 2,9%. Nos anos de 1963, 1964 e 1965, após a renúncia de Jânio Quadros e da crise que se seguiu, o PIB brasileiro cresceu 0,6%, 3,4% e 2,4% respectivamente. Em nenhum ano entre 1950 e 1980 houve decréscimo do PIB. Porém, entre 1987 e 2016 o Brasil só cresceu mais que a economia internacional em 8 anos (1993, 1994, 1995, 2002, 2004, 2007 e 2010). O Brasil cresceu menos do que o mundo em 22 anos entre 1987 e 2016. O pior é que estamos caminhando para uma década perdida entre 2011 e 2020.
Parece que, em vez de se integrar aos BRICS, o Brasil vai submergir e deixar de ser um protagonista da economia mundial. No máximo será um coadjuvante. O impacto nas condições de vida da população e nas perspectivas de desenvolvimento do país será doloroso. O fato é que as políticas macroeconômicas adotadas pelos últimos governos brasileiros estão fazendo o país ir para o fundo do poço.
Os dados do FMI indicam uma recuperação da economia brasileira já em 2016 e uma melhora relativa até 2020. Mas muitos economistas brasileiros acreditam que a crise brasileira será maior do que o FMI estima. Isto ocorre porque os desequilíbrios das contas pública se agravaram desde o segundo mandato dos governos petistas. O segundo governo Lula abandonou a disciplina fiscal e o primeiro governo Dilma perdeu completamente o controle, na medida em que adotava um keynesianismo sem resultados. Esta situação já era conhecida na época da eleição presidencial de 2014, mas o que foi apresentado para a população na propaganda eleitoral foi um conto da carochinha. Por isto, o eleitorado considera que houve um “estelionato eleitoral”.
No final do segundo governo Lula a relação dívida/PIB estava em 51,8%. Quando encerrou o primeiro mandato de Dilma, chegou a 58,9%. Foi uma subida de 7,1 pontos do PIB em apenas 4 anos. Com o ajuste fiscal de Joaquim Levy e Dilma 2, em apenas cinco meses, a dívida subiu para 62,5% do PIB. Um aumento de 3,6 pontos, enquanto o ajuste fiscal está fazendo água, pois o exagerado aumento dos juros agrava o desajuste e coloca dinheiro nas mãos dos rentistas. A despesa com juros, nos últimos 12 meses, atingiu R$ 409 bilhões (7,2% do PIB) causando um déficit fiscal de R$ 447 bilhões (7,9% do PIB). Mais um recorde negativo vergonhoso e preocupante. Desta forma, cresce a possibilidade de o Brasil perder o chamado grau de investimento.
Caso isto aconteça, a situação da economia brasileira vai ficar mais deteriorada, devido aos grandes déficits em transações correntes, reforçando a tendência de perda relativa em relação ao resto do mundo. Com o crescimento dos “déficits gêmeos”, o Brasil colocou a cabeça na forca do capital financeiro global. Para fechar a conta do balanço de pagamentos, o país precisa que o resto do mundo invista US$ 100 bilhões por ano nas terras tupiniquins. Isto vinha acontecendo enquanto o Brasil ainda era considerado país emergente e enquanto existia liquidez internacional. Mas com a crise grega, com a crise europeia e agora com a crise chinesa haverá restrições de crédito e o Brasil pode se enforcar de vez no aperto monetário. Com o aumento dos juros nos Estados Unidos, o dólar deve disparar e pressionar ainda mais a estagflação. Com alta probabilidade, o Brasil deve voltar a mendicar ajuda do FMI.
Mas independentemente de qualquer pessimismo extra e externo, os dados já indicam que o Brasil está com uma economia desequilibrada, completamente desajustada e se tornou um “patinho feio” da economia internacional, não podendo ser mais chamado de economia emergente. Se os dados acima se confirmarem, o Brasil vai entrar em um rápido processo de decadência e se (des)afirmar como um país submergente.
Bibliografia:
ALVES, JED. O fim do crescimento econômico e a década perdida 2.0, Ecodebate, RJ, 28/11/2014
http://www.ecodebate.com.br/2014/11/28/o-fim-do-crescimento-economico-e-a-decada-perdida-2-0-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O pior quinquênio (2011-15) da economia brasileira em 115 anos?, Ecodebate, RJ, 17/04/2015
http://www.ecodebate.com.br/2015/04/17/o-pior-quinquenio-2011-15-da-economia-brasileira-em-115-anos-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. A crise brasileira em números, Ecodebate, RJ, 12/06/2015
http://www.ecodebate.com.br/2015/06/12/a-crise-brasileira-em-numeros-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O ajuste fiscal não resolve os desequilíbrios estruturais da economia brasileira, Ecodebate, RJ, 01/07/2015
http://www.ecodebate.com.br/2015/07/01/o-ajuste-fiscal-nao-resolve-os-desequilibrios-estruturais-da-economia-brasileira-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O fim do bônus demográfico e o processo de envelhecimento no Brasil. São Paulo, Revista Portal de Divulgação, n. 45, Ano V. Jun/jul/ago 2015, pp: 6-17
http://portaldoenvelhecimento.com/revista-nova/index.php/revistaportal/article/view/510/549
ALVES, JED. A roça e a mina. O mito do pré sal está afundando o Brasil, IHU, 14/04/2015
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/541712-o-mito-do-pre-sal-e-o-keynesianismo-vulgar-entrevista-especial-com-jose-eustaquio-alves-
ALVES, JED. A crise no mercado de trabalho e a desindustrialização precoce do Brasil, Ecodebate, RJ, 08/07/2015
http://www.ecodebate.com.br/2015/07/08/a-crise-no-mercado-de-trabalho-e-a-desindustrializacao-precoce-do-brasil-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 15/07/2015
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Parabéns, excelente artigo !!! Um dos melhores artigos sobre o cenário econômico brasileiro que já li. É esse o legado que o PT está deixando para o Brasil. O PT será lembrado nos livros de história do futuro pelo estrago que causou, e oxalá seja enterrado nos anais da história e nunca mais volte ao poder.
Oi,
Excelente artigo, como de hábito. Mas devo dizer que o gráfico inicial parece incrivelmente otimista. Por ele, estamos AGORA no fundo do poço em 2015, e rumando para uma grande virada em 2016 e adiante. Você cita isso no texto, falando em como o FMI é otimista, mas eles têm tanta fé no Levy assim?
Espero que seja justificada, e que as medidas de ajuste da economia funcionem. Já estamos com problemas demais do outro lado (só a crise hídrica, que vira crise energética, já é um problema do tamanho de um bonde, e a tendência dos problemas ambientais, mundialmente, é aumentar) para colocar a cereja do bolo com incompetentes dirigindo a economia, mas nesses últimos anos, foi o que tivemos.
Apesar de ser a favor de medidas mais distributivas de renda (como imposto sobre grandes fortunas, imposto sobre heranças, aumentar imposto de renda ao invés de impostos de compras, desburocratizar o empreendorismo facilitando abrir e fechar empresas, etc), o básico, que é buscar o superávit fiscal para tentar diminuir o dinheiro que o Brasil gasta com juros, até está sendo feito, agora (com todo mundo atrapalhando >_< ), e embora tenha sido estelionato eleitoral, eu não estou chateada que até a Dilma esteja fazendo o que todos os outros (tirando talvez a Luciana Genro) sabiam que precisava ser feito… melhor agora que nunca mais.
Basicamente: torcendo para o FMI estar certo, e 2016 já ser um ano de virada. E a Dilma não acreditar que "agora está tudo bem, cadê aquela jaca para enfiar o pé de novo" se isso acontecer.
Parabens pelo artigo!
Ele retrata uma triste realidade que sentimos em nossa pele nos dias atuais, resultado de uma elite subserviente, egoista e permissiva, de uma sociedade que não sabe se organizar para exigir seus direitos com o devido rigor e de estruturas podres, uma politica populista, entreguista e de uma justiça ineficiente (cerca de 50% dos presos aguardam julgamento) e permissiva. Enfim, um país que permite descaradamente que suas riquezas sejam extraídas e exploradas em troca de privilegiativos a grupos cleptocratas.
Acho que enquanto estivermos ‘deitados eternamente em berço esplendido’, não tomarmos (como povo) as rédeas de nosso destino e não promovermos mudanças estruturais, haverá apenas resultados pífios, maquiados, insuficientes como este que observamos no artigo.