Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra aumento de 26% nos conflitos por água no país
O número de conflitos em zonas rurais por disputa de água foi recorde no ano passado, com 127 casos envolvendo 42.815 famílias e 214 mil pessoas, conforme o relatório Conflitos no campo 2014, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado ontem (13), segundo o qual houve aumento de 26% em comparação a 2013 nas disputas pelo recurso hídrico, quando foram registrados 101 casos, o mais alto número até então. A entidade acompanha os conflitos por água nas áreas rurais do Brasil desde 2002.
A CPT acompanha os conflitos por água nas áreas rurais do Brasil desde 2002 e os classifica em três categorias: apropriação particular, disputa pela construção de barragens e açudes, e os relacionados ao uso e preservação da água. “O maior número de conflitos envolvendo água foi de pessoas impactadas por grandes projetos hidrelétricos, como Belo Monte, Tapajós e Santo Antônio. A CPT registra três categorias. Prevemos que a questão dos grandes projetos vai continuar e que vai aumentar muito a questão do uso indevido de agrotóxico que contamina as fontes de água”, disse a coordenadora nacional da CPT, Jean Ann Bellini.
A Região Nordeste foi a que registrou o maior número de conflitos por água: 42. O Sudeste, que sofre com as consequências da falta de água, vem em seguida, e apresentou 38 conflitos (crescimento de 90% em relação a 2013). Em todo o país, os estados de Minas Gerais e Bahia registraram o maior número: 26 cada um.
Segundo o relatório, o total de conflitos, somando por terra, trabalho, água e outros, em 2014, teve um aumento de apenas 20 casos com relação ao ano anterior. Em 2013, foram 1.266 e no ano passado, 1286.
O maior índice de crescimento de conflitos e da violência no passado foi registrado nas regiões Sul e Sudeste. O total de conflitos no campo teve um crescimento de 91% na Região Sul, passando de 56 ocorrências em 2013, para 107 em 2014. O mesmo ocorreu no Sudeste, com aumento de 56% nos casos – 62 em 2013 para 253 em 2014.
De acordo com a CPT, nessas regiões os movimentos sociais tiveram uma atuação mais intensa em 2014. Isso provocou, segundo informa o relatório “forte reação” dos representantes e aliados do agro e hidro negócios e do Poder Público, o que explica o aumento dos conflitos e da violência. Mesmo Sul e Sudeste apresentando grande crescimento, o Nordeste tem o mais elevado número de conflitos (418), seguido pela Região Norte (379).
Outro ponto importante destacado pela coordenadora foi o crescimento das tentativas de assassinato. Segundo ela, ao contrário dos anos anteriores, muitas vezes as tentativas aconteceram sem ameaça. Em 2013, foram registradas 241 ameaças de morte e em 2014, 182.
“Antes, as pessoas podiam tentar recuar, ou ficar quietas, tomar consciência do perigo que corriam, e agora parece que não está havendo esta chance. O número de assassinatos aumentou de 34 para 36 no total, mas o número de tentativas foi assustador”, disse Bellini. Segundo dados do relatório, em 2013 foram registradas 15 tentativas de assassinato, enquanto no ano passado foram 56, o que representa um aumento de 273% no número de casos.
O crescimento dos atentados aconteceu em todas as regiões do país, com exceção do Centro-Oeste, que apresentou uma redução nos números. No Nordeste, os números subiram de cinco para 11. No Norte, de zero para 32, com 28 casos só no Pará.
Jean Ann chama atenção também para o número de famílias que foram despejadas, ou seja, aquelas que tiveram que deixar uma localidade depois da emissão de mandado judicial. Dados do estudo mostram que o número dobrou de um ano para o outro. “Houve um aumento de 92% de despejos. Comparando, 6.358 famílias foram despejadas em 2013 e em 2014, foram 12. 188”.
A edição com números de 2014 marca os 30 anos da publicação, que é divulgada anualmente. Nesse período, foram registrados pela CPT 29.609 conflitos no campo, envolvendo 20.623.043 pessoas. Foram 23.079 conflitos por terra, 4.389 trabalhistas, 836 por água e 1.305 de outras naturezas. Entre 1985 e 2014, foram registrados 1.723 assassinatos em 1.307 ocorrências de conflitos.
Para Bellini, um dado preocupante é o da penalização dos envolvidos nessas mortes ao longo dos 30 anos. “Somente 108 casos foram levados a julgamento. Pouco mais 80 pessoas condenadas. E mais de 20 mandantes e nenhum deles está preso. (…) Se o povo não contestar e não exigir que a lei seja cumprida”, disse.
Por Michèlle Canes, da Agência Brasil.
– O relatório Conflitos no Campo Brasil 2014, na íntegra.
Publicado no Portal EcoDebate, 14/04/2015
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