Deserto verde e Defaunação, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“A floresta precede os povos
E o deserto os segue”
(Chateaubriand)
[EcoDebate] O Brasil já destruiu 93% da Mata Atlântica, mais de 50% do Cerrado e mais de 20% da Amazônia. A degradação não poupou outros biomas, tais como a Mata de Cocais, os Mangues, a Caatinga, a Mata de Araucária, os Pampas e o Pantanal. Assim, o Brasil que não pensa em restaurar a sua rica biodiversidade original, tem muita terra, roubada das florestas, à disposição da agricultura, do reflorestamento e da pecuária.
Ao invés do replantio de espécies nativas, a “indústria” do reflorestamento buscou espécies florestais exóticas, como o Pinus e o Eucalyptus, que se adaptaram bem no Brasil, possibilitando produtividade, no mínimo, dez vezes maior que as de muitos países de clima temperado. O rápido crescimento das plantações de Pinus e Eucalipto ocorre devido às condições favoráveis de clima, solo, extensão territorial, mão de obra, infraestrutura e capacidade gerencial produtiva das empresas que focam o lucro e não a recuperação dos ecossistemas.
As monoculturas voltadas para o lucro não contribuem para a recuperação da biodiversidade. A expressão “deserto verde” surgiu para denominar as plantações de só um tipo de árvores, como nas grandes extensões de terra destinadas para a produção de celulose, madeira ou carvão vegetal. As consequências deste tipo de plantação para o meio ambiente são: desertificação, erosão e redução de biodiversidade.
Deserto verde, por exemplo, é quando uma floresta tem cheiro de sauna e nenhuma fauna. Em geral, as grandes plantações de Pinus e Eucalipto envenenam o solo, eliminam a biodiversidade animal, a flora do local, secam as nascentes, sugam o lençol freático e reforçam a concentração fundiária.
A desastrosa combinação entre eucalipto, monocultura e agrotóxicos afeta também a saúde das pessoas que produzem alimentos em regiões próximas, pois suas terras são invadidas por animais silvestres, sem alternativa, na busca de alimentos. Os animais selvagens são vítimas da falta do habitat, da falta de corredores ecológicos e da falta de compaixão dos produtores que não admitem a “invasão” de suas terras privadas e a perda de alguns de seus animais domesticados.
Para a produção de Etanol e biocombustíveis, avança a monocultura de cana-de-açúcar, que expulsa animais, destrói ambientais e literalmente calcina os que não conseguem escapar das línguas de fogo em locais onde o corte da produção ainda é feito com fogo, como nos primeiros tempos da escravidão.
A maior parte dos ecossistemas brasileiros foi destruída e não existem corredores verdes para unir o pouco que restou dos diversos biomas. A fauna também foi destruída ou ficou ilhada em pequenas porções. A perda da fauna é definida como “defaunação”, o que está levando a uma extinção em massa de animais de pequeno, médio e todos os portes.
Este processo é global como fica claro nos estudos publicados em julho de 2014 na Revista Science que mostram taxas alarmantes de ecocídio. Segundo a Revista, o ser humano está provocando, em um curto espaço de tempo, a sexta extinção em massa no planeta. Isto acontece em função dos impactos da perda de vida devido ao empobrecimento da cobertura vegetal, à falta de polinizadores, ao aumento de doenças, à erosão do solo, aos impactos na qualidade da água, etc. Ou seja, os efeitos são sistêmicos e um dos artigos da revista Science chama este processo de “Defaunação no Antropoceno”, que ocorre devido ao aprofundamento da discriminação contra as espécies não humanas.
O crime do especismo está longe de ser objeto de uma discussão mais profunda, como já ocorreu com o racismo, o sexismo, o classismo, o homofobismo, escravismo, etc. Recentemente foi criado um site para incentivar a mobilização contra a discriminação das espécies, definindo o dia 22 de agosto de 2015, como o “Dia mundial contra o Especismo”.
O deserto verde e a defaunação afetam a vida humana e não-humana. Por exemplo, insetos, incluindo as abelhas, que polinizaram 75% da produção agrícola mundial, sofrem ameaça em escala global, com o uso generalizado de agrotóxicos. Da mesma forma, estão ameaçados morcegos e aves que controlam pragas agrícolas que, de outra forma, seriam devastadoras.
O declínio da população de anfíbios – como sapos e pererecas – aumenta a concentração de algas e outros detritos, o que compromete a qualidade dos recursos hídricos. Animais vertebrados e invertebrados desempenham papel estratégico na decomposição orgânica e ciclagem de nutrientes no ambiente. Desta forma, a defaunação afeta a saúde humana de diferentes maneiras, desde a desnutrição ao controle de doenças.
Em dezembro de 2014, o Ministério do Meio Ambiente apresentou estudo que mostra que o número de animais ameaçados de extinção no Brasil aumentou 75% entre 2003 e 2014. A nova lista nacional de espécies ameaçadas tem 395 novas espécies, a maior parte de invertebrados terrestres. Além disto existem inúmeras espécies ameaçadas que, por serem desconhecidas dos registros humanos, simplesmente não entraram nas listas de extinção.
O crescimento das atividades antrópicas no Brasil tem prejudicado de forma danosa todas as formas de vida ecossistêmicas dos biomas nacionais. Os brasileiros estão reincidindo cotidianamente nos crimes do especismo e do ecocídio. Se a dinâmica demográfica e econômica continuar sufocando a dinâmica biológica e ecológica, o Brasil destruirá a maior área de biocapacidade do Planeta a contribuir de maneira decisiva para o abismo civilizacional e ecológico, gerando um suicídio global.
Campanhas/redes:
Dia mundial contra o Especismo: http://end-of-speciesism.org/
End Ecodide on Earth https://www.endecocide.org/en/
End Ecocide: A Global Citizens’ Initiative to Protect Ecosystems
https://www.endecocide.org/wp-content/uploads/2014/09/EEE_booklet.pdf
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Publicado no Portal EcoDebate, 18/03/2015
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E que venha o suicídio.
…e, lamentavelmente, nada poderá ser feito para conter a destruição empreendida pelo capitalismo, em sua busca incessante pelo desenvolvimento econômico, o qual interessa à grande maioria da população humana de todo o planeta Terra, que tá nem aí para a destruição do meio ambiente, da fauna e da flora.
“E que venha o suicídio global”, dizem os defensores do desenvolvimento econômico infinito.
Evidentemente, o termo suicídio se aplica à parte dos seres humanos que causa a devastação ambiental ou que a apoia, com o intuito de obter vantagem financeira.
O articulista é especialista em demografia. Gostaria de ver um texto dele a respeito de como fazer para conciliar aumento populacional, necessidade cada vez maior de produção de bens de consumo provenientes do meio rural e aumento das áreas destinadas à preservação ambiental. Tenho muitas dúvidas a esse respeito. Gostaria, também, de saber qual a porcentagem do território nacional coberto com plantações de eucalipto e cana-de- açúcar.
Prezado Osvaldo,
Voce poderá encontrar as informações solicitadas nos dois links abaixo. Minhas opiniões, além dos artigos do Ecodebate, voce poderá verificar nos dois textos indicados abaixo:
http://www.mma.gov.br/estruturas/sfb/_arquivos/livro_de_bolso___sfb_mma_2010_web_95.pdf
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/agropecuaria/lspa/default_publ_completa.shtm
ALVES , J. E. D. População, desenvolvimento e sustentabilidade: perspectivas para a CIPD pós-2014. R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 31, n.1, p. 219-230, jan./jun. 2014
http://www.rebep.org.br/index.php/revista/article/view/651/pdf_618
ALVES, JED. Sustentabilidade, Aquecimento Global e o Decrescimento Demo-Econômico, Revista Espinhaço, Diamantina. UFVJM, Revista Espinhaço, v. 3, n. 1, 2014.
http://www.cantacantos.com.br/revista/index.php/espinhaco/article/view/331/280
Abs, JE
Prezado José Eustáquio – As minhas dúvidas decorrem de:
1) Quanto às florestas plantadas, e exatamente por conhecer a publicação que você me indicou, estranho a enorme preocupação com as áreas ocupadas por elas, já que não chegam sequer a 1% do território nacional. Vale lembrar que a mesma publicação mostra que as florestas naturais ocupam aproximadamente 60%. É claro que precisamos ter cuidado com as concentrações, entremeando com áreas naturais, o que já vem sendo feito, desde que tais plantações passaram a depender de licenciamento ambiental
2) As plantações de cana-de-açúcar também ficam em torno de 1%
3) Acredito que para diminuir a pressão sobre o meio ambiente só há dois caminhos: diminuir a população e diminuir o consumismo