Estudo mostra por que exercício é benéfico na insuficiência cardíaca
Em portadores de insuficiência cardíaca, qualquer atividade simples do cotidiano, como subir escadas, fazer compras ou tomar banho, pode causar taquicardia, fadiga e dificuldade para respirar.
Tal intolerância ao esforço, segundo dados da literatura científica, está relacionada com uma hiperatividade do sistema nervoso simpático – parte do sistema nervoso autônomo responsável por controlar, entre outros fatores, os batimentos cardíacos, pressão arterial e a contração e o relaxamento de vasos sanguíneos.
Os mecanismos moleculares por trás da hiperatividade simpática e os efeitos benéficos do treinamento físico na modulação desse sistema foram investigados durante o doutorado de Lígia M. Antunes-Corrêa, realizado no Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (Incor-USP) no âmbito do Projeto Temático “Bases celulares e funcionais do exercício físico na doença cardiovascular”, coordenado pelo professor Carlos Eduardo Negrão, que também é membro da Coordenação Adjunta de Ciências da Vida da FAPESP.
Os resultados foram divulgados recentemente em artigo publicado no (http://ajpheart.physiology.org/content/307/11/H1655)American Journal of Physiology – Heart and Circulatory Physiology.
“Existem dois tipos de receptores no tecido muscular: o metaborreceptor e o mecanorreceptor. Quando eles são estimulados, a atividade simpática aumenta. Mas em pacientes com insuficiência cardíaca esse aumento é exagerado, o que parece estar relacionado com uma hiperatividade dos mecanorreceptores, e isso faz com que os pacientes se cansem mais facilmente. Queríamos entender melhor por que isso ocorre”, explicou Antunes-Corrêa.
Como a própria nomenclatura sugere, o mecanorreceptor é uma espécie de sensor mecânico, ativado pela simples contração e relaxamento muscular. Já o metaborreceptor é um sensor químico, ativado pelos metabólitos produzidos em resposta à contração do músculo.
Em pessoas saudáveis, a ativação desses receptores durante a realização de exercícios físicos tem a função de aumentar a atividade do sistema cardiovascular e respiratório e garantir o aporte adequado de sangue e oxigênio para as células.
“Mas estudos anteriores mostraram que, como a musculatura dos portadores de insuficiência cardíaca sofre uma série de alterações metabólicas em razão da redução no fluxo sanguíneo e da hiperatividade simpática, o metaborreceptor fica em contato constante com uma série de metabólitos produzidos em excesso, mesmo durante atividade leves do dia a dia, e acaba perdendo sua sensibilidade. Como forma de compensação, o receptor mecânico fica hiperativado”, contou Antunes-Corrêa.
Por meio de uma biópsia do músculo vasto lateral da coxa de pacientes com insuficiência cardíaca, o grupo do Incor observou que a perda de sensibilidade do metaborreceptor estava associada a uma redução na expressão de outros dois receptores em seu entorno: o TRVP1 e o CB1.
Já a hiperatividade do mecanorreceptor foi relacionada com o aumento da inflamação muscular mediada pela enzima ciclooxigenase-2 (COX2).
“Essa enzima participa da produção de prostaciclinas, prostaglandinas e tromboxano – moléculas que podem modular a sensibilidade dos mecanorreceptores”, explicou Antunes-Corrêa.
Reabilitação cardíaca
Para descobrir o que ocorre com esses receptores quando o portador de insuficiência cardíaca é submetido a um protocolo de treinamento físico aeróbico moderado, foi realizado um estudo com 34 pacientes atendidos no Incor.
Os voluntários, que já estavam com o tratamento medicamentoso otimizado, foram divididos aleatoriamente em dois grupos. Metade fez apenas o acompanhamento clínico convencional e os demais foram submetidos a três sessões semanais de bicicleta ergométrica e exercícios localizados durante quatro meses.
Além da biópsia muscular, uma série de exames foi realizada antes e depois do período de treinamento para avaliar função cardíaca, desempenho cardiopulmonar e atividade nervosa simpática.
No grupo de pacientes que passou pelo programa de treinamento físico, a atividade simpática durante a estimulação dos mecanorreceptores (por meio de contração muscular durante prática de exercícios passivos) ficou cerca de 10% menor.
A queda foi acompanhada por uma redução de 50% na expressão de COX2, ou seja, houve melhora do quadro inflamatório no músculo.
A biópsia muscular do grupo treinado também mostrou aumento na expressão dos receptores TRVP1 e CB1, o que sugere a recuperação da sensibilidade do metaborreceptor.
“A melhora desse balanço entre o mecanorreceptor e o metaborreceptor contribui para a diminuição da atividade simpática tanto durante o repouso como durante a realização das atividades do dia a dia. Isso está associado a uma melhora do prognóstico do paciente, pois diminui as arritmias cardíacas e a vasoconstrição periférica”, afirmou a pesquisadora.
O trabalho conduzido por Antunes-Corrêa dá continuidade a uma longa linha de pesquisa coordenada por Negrão no Incor. Em umtrabalho de 2001 também publicado no American Journal of Physiology – Heart and Circulatory Physiology, os pesquisadores mostraram, pela primeira vez, que a atividade simpática estava alterada em portadores de insuficiência cardíaca durante a estimulação de mecanorreceptores e metaborreceptores. Outro estudo do grupo também apontou que, quanto maior era a hiperatividade, pior era o prognóstico do paciente com insuficiência cardíaca.
Em um trabalho divulgado em 2003 no Journal of the American College of Cardiology, o grupo mostrou que o treinamento físico diminuiu significativamente a atividade nervosa simpática.
“Agora avançamos no entendimento de como o exercício modula a ação desses receptores. O grande diferencial da pesquisa é o aspecto translacional, ou seja, a associação entre os achados moleculares e o estado clínico do paciente”, comentou Antunes-Corrêa.
O trabalho também contou com a colaboração da pesquisadora Holly Middlekauff, da Escola de Medicina da University of California, Los Angeles (UCLA), autora de uma série de artigos que revelaram a sensibilidade aumentada dos mecanorreceptores em pacientes com insuficiência cardíaca e a relação com a via da COX2.
Por Karina Toledo, da Agência FAPESP.
Publicado no Portal EcoDebate, 26/02/2015
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