Sustentabilidade e celebração da vida I, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] Fazer uma reflexão profunda sobre a importância da celebração dos rituais de vida que materializam nossa passagem pela terra e pela civilização humana, em cada gesto cotidiano que em geral passa desapercebido em rotinas não impressas ou avaliadas pelos sentidos e pela “alma” que difusivamente interage. Ou não devidamente valoradas nas sequências de etapas na realização de vida.
Poderia se falar na situação estranha que é entrar num elevador e todo mundo estar fissurado na manipulação de um celular ou tablet, trocando mensagens ou compartilhando redes sociais. A mesma cena pode ser vista em uma parada de ônibus ou mesmo numa sala de aula ou na rua. Tudo bem, estes escritos não objetivam realizar uma crítica de costumes ou comportamentos. Mas buscar significações reais sobre as diversas atitudes. A crítica de costumes pode ser realizada por indivíduos mais bem habilitados no tema. O que se deseja é compartilhar uma reflexão sobre significados e a eventual supressão de gestualidades reais com maiores formas de interpretação, contextualização e entendimento. E a necessidade destas formas de relacionamento se materializarem para que não pareça que o ser humano nasça com uma conexão e estigmatize sua vida nisto sem mesmo saber o quanto precisa de maturação, tempo e interpretação para determinar significações de relevância na sua materialização de vida e nas suas ritualísticas de celebração de vida.
Isto vai determinar uma nova autopoiese no sentido atribuído por Niklas Luhmann e vai fazer com que ocorram alterações fundamentais nos círculos de virtuosidade conforme hoje são conhecidos. Vai se alterar a equação de vender mais, ter maiores lucros, para gerar mais empregabilidade, maior arrecadação de impostos e por conseguinte maior capacidade de intervenção estatal.
As pessoas em geral mobilizam maiores e mais persistentes energias com fatos e situações ou procedimentos que percebem como maiores e mais dificultosos. Ao menos as pessoas que não se percebem como negligentes. E tendem a deixar passar mais rapidamente e de forma que pode ser as vezes um pouco desapercebida, os fatos, situações e procedimentos aos quais atribuem maior prazer ou maior satisfação e que constituem rituais ou celebrações de vida.
Se tivéssemos que fazer uma analogia da sensação que se percebe com grande realismo em todo este cenário já detalhadamente descrito ao longo deste texto, se diria que parece que os seres humanos se comportam diante desta realidade instantânea e virtual como protótipo incompreensível. Nascido da água, dependente da água, mas que escolhe a vivência num deserto com contínua ou frequente escassez do bem que mais necessita e que materializa a mais imprescindível substância para seu equilíbrio e realização de vida em condições homeostáticas.
Um exemplo concreto disto é o tempo. A reflexão sobre o fator relevante e independente que é o a tempo, merece uma abordagem ampla e desprovida de preconceitos. Não há nenhum julgamento ou situação de deformidade ou inconsistência no que se vai discutir. Hoje uma criança com poucos anos de vida tem uma carga de informações maior que um sábio ou uma autoridade de civilizações antigas, ou nem tão antigas assim, porque datadas de 2 ou 3 mil anos de anterioridade em relação a civilização atual. Sem qualquer condenação se questiona será que este indivíduo teve o devido tempo de maturação e assimilação para processar todo este complexo de informações inter-relacionadas? Será que atribuiu algum valor próximo da realidade para todo este conjunto processado?
Que seria este valor? Algo que faça sentido dentro de um contexto. Por exemplo quando se informa a uma criança em tenra idade que uma chapa de fogão pode produzir ferimentos como queimaduras, imediatamente a criança disfarça algum procedimento ou conduta que lhe faça ter a experiência sensorial que possibilite avaliar o que se está comunicando. Confirmada ou desmentida a informação, então se dá o processamento ou a assimilação, que terá desdobramentos no mínimo na esfera da credibilidade, atingindo a interação que está ocorrendo.
Situações como estas são determinantes para comportamentos que levam a ansiedades ou procedimentos de maior gravidade no futuro do indivíduo, como ocorrências onde se assumem vicissitudes de preocupação por fatos que ainda não ocorreram. Não importa que as estatísticas determinem que em 90% das vezes não venham a ocorrer estes fatos determinantes que geram desconfortos comportamentais ou simplesmente inquietações, desassossegos ou pressentimentos envolvendo tristezas ou insatisfações. O dano emocional ou espiritual já está consolidado e não se tem apólice de seguro para isto.
A partir desta narração pode-se perceber como evoluem bem precocemente, situações que geram ou não ansiedades que posteriormente prosseguem ou não sua espiral evolutiva. Este parece ser um bom exemplo de como as questões de tempo envolvidas com maturação, assimilação e outras ações parecem estar desconectadas do inegavelmente maravilhoso mundo que a tecnologia moderna certamente nos disponibiliza, mas que talvez não se consiga absorver em toda sua plenitude na condição humana que ainda nos caracteriza.
As abordagens e os escritos que se acessa, são relativamente homogêneos em determinar que a velocidade das transformações da vida parece nem sempre ser conforme ou concordante com as características mais intrínsecas dos seres humanos, que nem sempre conseguem atuar com o devido protagonismo sem que existam ou hajam sequelas, no mínimo, emocionais, e nem sempre absorvidas ou em nível de consciência.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Publicado no Portal EcoDebate, 19/02/2015
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Pois este excelente artigo faz-me lembrar fazer uma comparação entre Lousa e Tablete: “Sem a menor sombra de dúvida, o sistema errar-corrigir-aprender é mais eficiente, produz resultados mais duradouros, ensina mais. Se um analfabeto aperta no tablete um botão ou ícone para a letra A, surge uma letra A pronta, certinha, bonitinha. Porém, se um analfabeto tenta copiar no papel essa letra A, fica evidente a necessidade de errar e corrigir, até registrar no papel uma imagem aceitável. Responda agora quem aprendeu de fato: o do tablete ou o do papel?”.