A crise é hídrica, não energética, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
[EcoDebate] Desde o apagão de 2002 no governo Fernando Henrique, ficou provado que o sistema brasileiro de geração de energia a partir da água não se sustenta mais. Modificamos o regime das chuvas, os volumes de água reservados estão sujeitos a estiagens mais prolongadas e mais constantes todos os anos. Tanto é que o nível de 85% dos reservatórios brasileiros em janeiro de 2015 é considerado mais baixo que o do apagão de 2002. Não é por acaso que temos problemas de abastecimento de água até para consumo humano e industrial, quanto mais para gerar energia.
O Brasil insiste em construir hidrelétricas para resolver seus problemas de energia. Hoje o cidadão comum tem claro que quem impõe a agenda de obras no Brasil são as empreiteiras. Elas financiam as eleições e depois recebem o cêntuplo com os investimentos em grandes obras. As hidrelétricas estão entre as maiores obras desse país.
Nosso desafio não é construir mais barragens, mas ter água para locupleta-las. Na data que escrevo esse texto o nível dos reservatórios está em média nacional girando em 20%. Portanto, há uma ociosidade de 80%. Com 50% dessa capacidade locupletada o governo e empresas do ramo estariam rindo à toa. Portanto, não é mais uma Belo Monte, uma Teles Pires, ou outra barragem qualquer que vai resolver esse desafio. Nosso problema fundamental está nas águas, não na capacidade instalada dos reservatórios.
Quem quiser a prova é só visitar a barragem de Xingó, no Baixo São Francisco. Na parede da barragem está a infraestrutura para se instalar 11 turbinas, mas só seis estão instaladas. Quando se pergunta aos técnicos porque não instalar as demais, ao contrário de construir novas barragens, a resposta é simples: não temos água para acionar onze turbinas.
Certas reportagens insistem que se outras obras estivessem feitas – Belo Monte, Teles Pires, etc. –, nós não estaríamos passando pelo problema da crise energética, originada pela crise hídrica. Portanto, para esse setor midiático, é no atraso das obras, na dificuldade dos licenciamentos ambientais, na inoperância das empreiteiras que reside o problema.
O fato é que, se hoje temos 22% de nossa matriz energética baseada nas termoelétricas, é simplesmente porque nossas hidrelétricas já não são mais capazes de garantir a energia que esse modelo de desenvolvimento demanda. Portanto, vamos construir todas as hidrelétricas da Amazônia, vamos devastar nossos últimos rios, vamos remover nossas populações, mas vamos ter que construir novas termoelétricas para garantir energia, cada vez mais cara – cortamos o consumo e a conta do mês só aumenta -, cada vez mais escassa.
A crise hídrica tem consequências para o abastecimento humano, a dessedentação dos animais (vide Nordeste e região do Rio de Janeiro), indústria, agricultura, a geração de energia e todos os múltiplos usos da água. Será que nem por amor à galinha dos ovos de ouro somos capazes de rever os rumos predadores de nossa civilização?
Enquanto isso o sol do Nordeste brilha doze horas por dia e os ventos sopram forte na costa e no sertão nordestino.
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
Publicado no Portal EcoDebate, 28/01/2015
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A amazônia envia rios voadores para abastecer outras regiões mas a paga desse serviço gratuito que custaria trilhões ao governo se este quessesse realizar façanha de transportar água é o desmatamento.
A burrice está em não se concientizar de que (des) matando a floresta para enriquecer as madereiras, sojeiros e pecuaristas, ou ainda, para criar assentamentos (improdutivos e insustentáveis) dentro da floresta, ou atraindo gigantescas migrações de forma desorganizada e descontrolada atraves de empreendimentos privados ou publico (Belo Monte por ex.), multidões essa que acaba na luta pela terra e na biopirataria, a água vai faltar no resto do Brasil. A segurança hidrica e de alimentos esta na conservação da Amazônia. A crise hidrica é o troco pelo desmatamento. QUEM NÃO CONSERVA POR BEM, VAI TER QUE CONSERVAR POR MAL, infelizmente não há outro jeito. Ignorar isso, é comprometer o futuro do país.
É evidente que não vamos desmatar impensadamente para fazer novos reservatórios. Por outro lado, não vamos desprezar a energia hidráulica, energia limpa, somente porque estamos passando por uma grande estiagem.
A virtude está no meio.
Vamos continuar a fazer hidrelétricas, mas evitando ao máximo o desmatamento. É por isso que Belo Monte está sendo feita com reservatório a fio de água. Fosse feito o reservatório original e sua capacidade média de geração de energia seria muito maior. Entretanto, seria também muito maior o desmatamento.
No caso da energia, eu acho que algumas obras poderiam sim ter melhorado a nossa situação. Se as linhas de transmissão para os parques eólicos já instalados tivessem sido feitas, estaríamos bem melhor.
Fala-se muito que “Desmatamento Zero” era para ontem, e não para 2030 como quer o governo Dilma, e deveríamos esta recuperando os mananciais com o reflorescimento das áreas de nascentes e matas ciliares. Outro aspecto, também já há muito alertado, é que uma lamina de agua de um reservatório é um “deserto hídrico”, na medida em que uma floresta emite quatro vezes mais evapotranspiração. E que as matas adjacentes aos grandes rios tem a sua biologia adaptada aos ciclos anuais de cheia e vazante. Ou seja, a construção de barragens é tão prejudicial à floresta quanto o desmatamento, mesmo que não se observe isso nos primeiros anos após a barragem.