A redução do crescimento econômico global rumo ao Estado Estacionário, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Um crescimento infinito é incompatível com um mundo finito.
Quem acredita nisso ou é louco ou é economista”.
Serge Latouche
[EcoDebate] O século XX apresentou o maior crescimento da economia mundial, da população e da renda per capita de toda a história da humanidade; do passado e, provavelmente, do futuro. Já o século XXI pode marcar o fim do crescimento econômico e o início do Estado Estacionário (quem sabe até mesmo decrescimento).
Antes da Revolução Industrial e Energética, ocorrida no final do século XVIII, o crescimento econômico e demográfico do mundo era muito pequeno. No século XIX houve um grande incremento, mas o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 3,2 vezes, a população cresceu 1,6 vezes e a renda per capita cresceu 1,9 vezes entre 1800 e 1900, segundo dados de Angus Maddison. Foi um crescimento significativo para a época, mas que ficou muito atrás do desempenho do século XX.
O crescimento demo-econômico nunca foi tão elevado como no século passado. Entre 1900 e 2000 o PIB global cresceu 18,6 vezes, a população cresceu 3,9 vezes e a renda per capita mundial cresceu 4,8 vezes. As maiores taxas de crescimento ocorreram no período compreendido entre 1950 e 1973 (período que corresponde à recuperação pós Segunda Guerra Mundial e pré-crise do petróleo). Este período excepcional, certamente, nunca mais vai se repetir.
O grande crescimento econômico ocorrido no século XX só foi possível por uma incrível conjugação de diversos fatores favoráveis: 1) grande disponibilidade de energia fóssil a preços muito baixos; 2) grande disponibilidade de recursos naturais (terra, água, florestas, biodiversidade, etc.); 3) grande crescimento da população, com aumento da esperança de vida e dos anos médios dedicados às atividades produtivas; 4) estrutura etária favorável com aumento da parcela de “produtores” (idade 15-64 anos) sobre os “consumidores”; 5) aumento dos níveis educacionais e do capital humano; 6) aumento do estoque de capital fixo; 7) aumento do progresso técnico; 8) aumento da produtividade dos fatores de produção; 9) estabilidade do clima; e 10) condições favoráveis do meio ambiente.
No período de 200 anos o PIB cresceu 59 vezes, a população 6,4 vezes e a renda per capita cresceu 9,3 vezes. Mas este crescimento das atividades antrópicas só foi possível devido à herança fornecida pela natureza (terra, água, recursos minerais, combustíveis fósseis, florestas, estoques de peixes, etc.) com a aplicação da ciência e da tecnologia que possibilitou um grande aumento da produtividade do trabalho.
O fato é que a quantidade de bens e serviços disponíveis para os habitantes do globo cresceu muito e a maioria das pessoas possuem acesso atualmente a diversos dos seguintes itens: moradias, banheiro, água encanada, saneamento, produtos de limpeza e higiene, luz elétrica, geladeira, TV, DVD, CD, TV-HD, fogão, máquina de lavar roupa, móveis, micro-onda, moto, bicicleta, carro, relógio, roupa, comida industrializada, telefone, celular, TV a cabo, internet, educação, saúde, lazer, viagens, etc. Atualmente existem mais de um bilhão de veículos automotores no mundo, número superior a toda a população do globo antes da Revolução Industrial e Energética. O número de celulares está caminhando para se igualar ao número de habitantes da Terra e brevemente todas as pessoas vão ter acesso ao celular e à Internet (significando acesso à informação e à comunicação).
Mas todo o sucesso humano aconteceu em detrimento dos ecossistemas e em função do regresso ambiental. As áreas de florestas diminuem para atender a demanda de madeira e a demanda de espaço para a agricultura e a pecuária. Especies invasoras substituem a vegetação e flora original. O mau uso do solo provoca erosão, salinização e desertificação. A poluição dos rios diminui a disponibilidade de água doce e provoca a mortandade de peixes. Lagos, como o mar da Aral estão diminuindo ou secando para atender aos interesses da irrigação. A contaminação química e os agrotóxicos matam indiscriminadamente a vida terrestre e aquática. Aquíferos fósseis estão desaparecendo e os aquíferos renováveis não estão conseguindo manter os níveis de reposição dos estoques. A vida nos oceanos está ameaça pelo processo de acidificação. Os mangues e corais estão sendo destruídos a uma taxa alarmante. Aumentam as taxas de perda da biodiversidade (medida da diversidade de organismos vivos presentes em diferentes habitats), com o aumento da degradação dos ecossistemas e a extinção da vida selvagem. O aumento das emissões de gases de efeito estufa estão provocando o aquecimento global, tendo como consequência o derretimento das geleiras e das camadas de gelo, provocando o aumento do nível dos oceanos. As áreas produtivas da Terra diminuem, enquanto crescem os aterros para receber o crescente volume de lixo e resíduos sólidos.
Portanto, a situação no início do século XXI indica para o esgotamento do modelo de produção e consumo que prevaleceu nos últimos dois séculos. É preciso uma mudança de rumo, pois as atividades antrópicas já ultrapassaram os limites do Planeta. A pegada ecológica global está 50% acima da biocapacidade da Terra. As fronteiras planetárias estão sendo ultrapassadas e as mudanças climáticas aumentam os desastres “naturais” e causam enormes danos ao bem-estar das populações, às cidades e à produção de alimentos. Por tudo isto cresce o número de pessoas que defendem a ideia do decrescimento econômico (Franco, 2013), embora o início do século XXI ainda deva apresentar algum crescimento.
Dificilmente a máquina fordista de produção será interrompida de uma hora para outra. A lei máxima da economia é a competição. As palavras-chaves são explorar, dominar, padronizar, maximizar, crescer, produzir, utilizar, consumir, avançar, desenvolver, etc. O capital busca maximizar os lucros investindo em maquinarias, em inovações tecnológicas, em lançamento de novos produtos, em design, em conquista de novos mercados, etc. Os grandes capitalistas são aqueles que produzem a baixo preço e em grande quantidade. Os trabalhadores – organizados em sindicados, associações e partidos – buscam maximizar seus salários, manter os direitos adquiridos e conquistar novos direitos e maior influência nas decisões nacionais. Desta forma, a lógica dos trabalhadores é atuar no sentido de elevar o seu padrão de vida, aumentando a sua participação no conjunto das riquezas geradas no país. A lógica do Estado é aumentar suas receitas (geralmente impostos e taxas), expandir suas atividades e promover a grandeza e a segurança nacional. O fato é que os capitalistas, os trabalhadores do campo e da cidade e a burocracia estatal – a despeito das divergências localizadas – tendem a se unir quando o assunto é crescimento econômico e a decantada grandeza da nação.
Porém, o mais provável, a despeito das vontades subjetivas, é que as condições objetivas coloquem um freio ao crescimento econômico. Os cenários discutidos atualmente não são otimistas (do ponto de vista do desenvolvimentismo) e há três problemas urgentes em pauta: 1) “estagnação secular”; 2) “fim dos emergentes” e 3) “armadilha dos países de renda média”. Acrescente-se, a diminuição da População Economicamente Ativa (PEA), o envelhecimento populacional e o aumento da razão de dependência nos países superdesenvolvidos, o fim do bônus demográfico, aumento no longo prazo do preço da energia e dos alimentos, crescentes problemas ambientais e o processo de endividamento que dificulta manter a capacidade de investimento e inovação do progresso técnico.
Crises são fatos recorrentes na história do capitalismo e a economia clássica já tinha noção de que é impossível manter o crescimento de forma infinita. Assim, tudo indica que vai haver uma desaceleração do crescimento econômico no século XXI e o mundo vai caminhar para alcançar a estabilização da população e o Estado Estacionário na economia.
Utilizando a experiência do passado, podemos fazer alguns cenários para o século XXI. Dentre tantas hipóteses possíveis, vamos supor que as taxas de crescimento do PIB na primeira metade do século XXI sejam as mesmas da primeira metade do século XX (2% ao ano) e que a população cresça a 0,8% ao ano (até atingir a estabilidade em torno de 9 bilhões por volta de 2050), então teríamos um crescimento da renda per capita de 1,2% ao ano, que é menor do que a que aconteceu entre 1950-2000, mas é maior do que a de 1900-50.
Para a segunda metade do século XXI podemos supor a estabilização da população (crescimento zero) e um crescimento de 1% ao ano do PIB mundial. Assim, teríamos um crescimento de também de 1% ao ano na renda per capita. Este crescimento deveria ocorrer nos países mais pobres, enquanto os países mais ricos poderiam decrescer, possibilitando a redução das desigualdades internacionais.
Se não houver um grande colapso anterior, o Estado Estacionário (crescimento zero da economia) seria atingido no início do século XXII. A economia deixaria de crescer, mas não deixaria de prosperar qualitativamente. Posteriormente, poderia haver decrescimento demo-econômico. A renda per capita no século XXI subiria cerca de 2,5 vezes, fazendo com que no período 1800 a 2100 o PIB mundial cresça 224 vezes e a renda per capita global 21,4 vezes. Seria o momento para a humanidade começar a reduzir o processo de degradação da natureza e instituir um outro modelo de desenvolvimento. Como disse Kenneth Boulding: “Anyone who believes exponential growth can go on forever in a finite world is either a madman or an economist”.
Resta saber se o Planeta vai aguentar esperar até o século XXII. Avançando no sentido de superar o “crescimento pelo crescimento” e deixando de ter a acumulação de lucros como objetivo primordial, o mundo poderia caminhar para uma situação de desenvolvimento ecocêntrico com decrescimento das atividades antrópicas, o que significa garantir o bem-estar das populações humanas em um quadro de respeito à biodiversidade e ao bem-estar das demais espécies, com cumprimento aos princípios dos direitos da Terra.
Referências:
FRANCO, Alan A Boccato. Para compreender o Decrescimento, Outras Palavras, 05/11/2013
http://outraspalavras.net/capa/para-compreender-o-decrescimento-sem-preconceitos/
MADDISON, Angus Historical Statistics of the World Economy, 2008
http://www.ggdc.net/maddison/oriindex.htm
GORDON, Robert J. IS U.S. ECONOMIC GROWTH OVER? FALTERING INNOVATION CONFRONTS THE SIX HEADWINDS. NBER Working Paper, Cambridge, Massachusetts, Working Paper 18315, August 2012. Disponível em: http://www.nber.org/papers/w18315
ALVES, JED. Economia, população e meio ambiente no “Estado Estacionário” , Ecodebate, 14/09/2011
http://www.ecodebate.com.br/2011/09/14/economia-populacao-e-meio-ambiente-no-estado-estacionario-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O fim do crescimento econômico, Ecodebate, RJ, 24/10/2012
http://www.ecodebate.com.br/2012/10/24/o-fim-do-crescimento-economico-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Publicado no Portal EcoDebate, 07/01/2015
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Boa tarde José Eustáquio,
A citação não é de Serge Latouche e sim de Kenneth Boulding.