Rodoanel compromete qualidade da água em braço da Represa Billings, responsável por 7% do abastecimento em SP
A 500 metros da Represa Parque Natural Pedroso — um dos braços da Represa Billings, em Santo André, na região do ABC paulista — passa um dos trechos do Rodoanel Mário Covas, autoestrada de aproximadamente 180 quilômetros em torno da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). A construção do complexo rodoviário trouxe impactos para o manancial, responsável por 7% do abastecimento de água do município.
A concentração no sedimento e na água do reservatório de substâncias poluidoras e tóxicas à saúde humana, provenientes da queima do combustível, aumentou após a implantação da autoestrada. Um exemplo é a concentração no sedimento do benzo(a)pireno — composto com características carcinogênicas — que passou de 20 para 188 nanogramas por grama (ng g-1). Já a concentração do metal vanádio foi de 0,433 para 0,951 ng g-1.
Apesar desse crescimento, ainda não há um comprometimento em grande parte da qualidade da água do reservatório, mas é necessário um monitoramento da situação. O alerta foi dado pelas pesquisadoras Maria Aparecida Faustino Pires e Elaine Arantes Jardim Martins, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), autarquia associada à USP.
Sob orientação das pesquisadoras, o químico Carlos Fernando de Brito desenvolveu a tese de doutorado Avaliação dos efeitos da construção do rodoanel na qualidade da água e sedimento da represa do Parque Pedroso, Santo André-SP, defendida em agosto deste ano, no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Nuclear do IPEN.
Brito analisou a concentração de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) na água superficial e nos sedimentos do fundo da represa de 2008 a 2014 (antes, durante e após a construção do Rodoanel na região da represa). O foco do estudo foram 13 tipos de hidrocarbonetos aromáticos.
Hidrocarbonetos
Os HPAs são considerados poluentes orgânicos e persistentes no meio ambiente, além de serem substâncias altamente tóxicas e com potencial cancerígeno. “A classe de compostos químicos denominados hidrocarbonetos, que constituem a matéria orgânica de origem vegetal, animal e subprodutos derivados do petróleo, são as que mais influenciam na qualidade de água dos reservatórios. Isto ocorre, especialmente pela capacidade desses compostos não sofrerem degradação com facilidade, possuírem baixa solubilidade e estabilidade no ambiente”, explica o pesquisador.
Os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos são provenientes da combustão incompleta do motor dos veículos. “Não existe uma combustão perfeita no motor de um carro, especialmente pela qualidade do combustível e do próprio motor. A partir desta combustão incompleta, ocorrem algumas reações químicas que originam os hidrocarbonetos aromáticos — que possuem características carcinogênicas, como o benzo(a)pireno. No nosso trabalho priorizamos 13 desses compostos”, ressalta Brito.
A análise de alguns metais também foi incluída na pesquisa, segundo o pesquisador, porque alguns deles derivam da combustão, e possuem características semelhantes aos HPAs. “Nos combustíveis existem traços dos elementos metálicos advindos do óleo cru, como o vanádio. Esse metal é emitido como óxido pela queima de combustíveis fósseis. É um metal altamente concentrado em óleo combustível, sendo essa fonte mais difundida em locais com alto fluxo de veículos a diesel, que podem conduzir a situações de risco para a saúde pública”, adverte o pesquisador.
Brito caracterizou amostras de água bruta e sedimento coletadas em cinco pontos da represa, nos períodos de março e agosto de 2008, agosto de 2010, março e agosto de 2011 e maio de 2014, sendo em 2008 antes da construção do Rodoanel, 2010 durante a construção, 2011 depois de concluída e 2014 com mais de três anos de uso.
A maior concentração dos hidrocarbonetos foi encontrada nos sedimentos de fundo da represa. “Esses HPAs são compostos orgânicos mais facilmente adsorvidos na matéria orgânica e esse material vai para o fundo do reservatório. O que contribui para a aumentar a concentração no sedimento”, afirma Brito.
Números
Pela avaliação dos 13 HPAs para cada ponto em que as amostras foram coletadas na pesquisa, as somatórias das concentrações obtidas nos sedimentos variaram de 456 a 2723 μg g-1 (microgramas por grama).
Esse aumento na somatória dos HPAs, de aproximadamente seis vezes, ultrapassa o TEL 468 ng g-1(valor-guia que representa o limite da faixa de concentração de contaminantes em sedimentos). Na água bruta, as somatórias dos 13 HPAs variaram de 64 a 257,4 ng g-1.
Em relação aos metais, os teores de vanádio (0,068 a 0,073 μg mL-1 – micrograma por mililitro) na água bruta, foram próximos ao limite de enquadramento permitido pelas leis ambientais (0,1 μg mL-1). Mas a concentração do metal no sedimento antes e depois da construção do Rodoanel foi maior, passou de 0,433 a 0,951 ng g-1.
Tanto nos hidrocarbonetos quanto nos metais, a pesquisa detectou e quantificou as concentrações, individualmente, para cada um dos compostos (13 HPAs e 11 metais).
“Esse crescimento nas concentrações dos poluentes exige um monitoramento constante dos órgãos públicos, pois demonstra que o fluxo de veículos no Rodoanel tem impactado a represa Parque Natural Pedroso e pode afetar a qualidade da água e os seres vivos do ambiente”, conclui Brito.
Foto: Divulgação
Por Hérika Dias, da Agência USP de Notícias.
Publicado no Portal EcoDebate, 11/12/2014
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