Governo e agência garantem que seca não vai atrapalhar transposição do Rio São Francisco, comentário de João Suassuna
Meus Prezados,
Na reportagem do Jornal Nacional, de 30/11, sobre a transposição do São Francisco, as assertivas do presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Ministro da Integração, de que os volumes retirados do rio, pelo projeto, são irrisórios, mostrou um semblante de preocupação em ambos. Pudera: afirmar que serão insignificantes os volumes que serão transpostos, em um momento no qual o rio está praticamente seco, bem retrata a fisionomia de tensão demonstrada pelas autoridades, em nível nacional.
O maior erro do governo, ao conduzir as obras da Transposição, no nosso modo de entender, foi o de não ter levado em consideração os alertas dos técnicos, quanto às possibilidades de o Velho Chico não dispor dos volumes necessários para o atendimento das demandas da população da região Setentrional nordestina.
Em 2004, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), já havia denunciado que o volume alocável do rio São Francisco era de aproximadamente 360 m³/s, e se levado em consideração à média de retirada volumétrica do projeto, de 65 m³/s, e a máxima de 127 m³/s, não haveria água suficiente, no Velho Chico, para o atendimento de uma população estimada em cerca de 12 milhões de pessoas e para a irrigação de 260 mil ha, conforme proposto no projeto.
Ora, a seca atual que assola toda a bacia hidrográfica do rio exauriu sua principal nascente, o seu leito está sendo atravessando de automóvel na região de Pirapora, a represa de Três Marias acumulou apenas 2% de sua capacidade, a represa de Sobradinho vem regularizando a vazão do rio em cerca de 1100 m³/s, contrariando as determinações do Ibama, que exige uma vazão mínima, na foz do rio, de cerca de 1300 m³/s, impossibilitando as hidrelétricas da Chesf de gerarem a energia necessária ao atendimento das demandas elétricas dos nordestinos.
Tudo isso se refletiu, na fisionomia das autoridades. Querer retirar mais volumes de um rio, com sua hidrologia debilitada, para a satisfação das metas do projeto, é uma tarefa fisicamente impossível, o que irá resultar, em caso de insistência, no comprometimento de todos os investimentos realizados ao longo de sua bacia hidrográfica. Só em geração de energia, por exemplo, a Chesf aplicou, na região, cerca de 13 bilhões de dólares, e costumamos dizer que “Energia” é sinônimo de “Desenvolvimento”, e não podemos estar brincando com isso!
Abraço
* João Suassuna – Eng° Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Publicado no Portal EcoDebate, 02/12/2014
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Dói no coração ver esses governos que só pensam em obras, obras, obras, e em nenhum momento fazem o que seria necessário MESMO que é a revitalização do rio, com reflorestamento de suas margens e dragagem dos pontos mais assoreados. Iniciativa que provavelmente custaria uma ordem de grandeza a menos do que as propaladas obras, do mesmo jeito que reflorestar a Mata Atlântica para se conseguir aumentar em 50% a água de São Paulo custaria 200 Milhões (com M) e fazer as obras que o Alckmin pretende para “melhorar” o abastecimento de água custará 2 Bilhões (com B).
Mas é difícil roubar em projetos de reflorestamento, e eles não deixam felizes os donos de empreiteiras. Isso só vai ir para a frente quando a Camargo Correa ou a Odebretch decidirem entrar no ramo de mudas florestais (e aí o reflorestamento talvez custe um bilhão inteiro, mas pelo menos teríamos água ao final).
Gostaria de fazer alguns reparos aos comentários do Suassuna.
A questão dos 360 metros cúbicos disponíveis já está superada há muito tempo. Desde que o comitê da bacia passou a cobrar pela outorga de água, muitas outorgas feitas como “reservas de água” foram canceladas. O comitê entendeu que a transposição não vai suplantar o limite por ele fixado e emitiu resolução autorizando a retirada do volume necessário.
Com relação à vazão na foz, em momentos de escassez como o que estamos vivendo, o rio não pode se dar ao luxo de lançar 1.300 metros cúbicos de água ao mar a cada segundo. A redução para 1.100 não afeta a biodiversidade na foz.
Finalmente, é preciso destacar que a geração de energia também precisa se adaptar a esses momentos de escassez de água. Se o rio está com menos água, é preciso diminuir, também, a produção de energia.
Se a transposição já estivesse funcionando, ela própria teria que se adaptar à situação atual.
Seca não vai atrapalhar transposição porque transposição não precisa de água. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Bem, o que disseram o Presidente da ANA e o Ministro da Integração Nacional não bate com o que aqui afirma o Dr.Paulo Afonso da Mata Machado. Para aqueles, a vazão a ser retirada (mínima de 26,4 m3/s) não é nada em relação aos 1.100 m3/s regularizados por Sobradinho em função da Seca.
Para o missivista acima, não é bem assim: ela afeta e, tanto a geração de energia, quanto a Transposição (e eundiria, os demais usos, como irrigação, abastecimento urbano e, até navegação) teria, como disse ele, que se adaptar ás novas e precárias condições. Acontece que, a seca, apenas escancara um problema de má ou inadequada gestão hídrica, não somente dos reservatórios a partir de Três marias, passando por Sobradinho e chegando a Xingó, mas o gerenciamento de toda a bacia hidrográfica do Velho Chico, desde suas nascentes até sua foz. E sem que se perceba o que de fato ocorre. Fiz uma palestra no recente XII Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, realizado em Natal/RN, entre 04 e 07 de Novembro passad, em que, abordando o tema de uma mesa redonda denominada de Segurança Hídrica, tomei como exemplo o caso da bacia do São Francisco e a participação das águas subterrâneas no processo de gestão. Em outro debate, conduzido no site da ABRH-Gestão, sintetizei o que afirmei na minha palestra de Natal, o que, para conhecimento das reais causas e possíveis enfrentamentos do problema de oferta segura de recursos hídricos na bacia sanfranciscana, transcrevo a seguir:
No recente XII Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, como participante da Mesa Redonda denominada Segurança Hídrica para o Abastecimento Humano no Nordeste, proferi palestra sobre o assunto, enfatizando o papel desempenhado pela água subterrânea. O título da mesma foi esse: Segurança Hídrica para o Abastecimento Humano no Nordeste e Água Subterrânea. Na palestra abordei o caso de Sobradinho com base nos dados históricos do escoamento fluvial que aportava ao reservatório, constantes do trabalho de Freitas e Gondim Filho (ANA in VII Simpósio dos RH do NE, São Luís/MA, 2004). Segundo estes autores, a vazão média anual das mínimas é (ou foi, já não é mais) 1.271 m3/s com um mínimo das mínimas de 570 m3/s. Estas vazões, Indiscutivelmente, de base (o gráfico não deixa dúvidas sobre isso) são supridas pelos referidos aquíferos do Sistema São Francisco. Comparando este mínimo das mínimas com a vazão verificada no mês de Outubro recém-findo de, apenas 290 m3/s (dados do dia 22/10/2014 do ONS) verifica-se uma redução significativa dessa vazão de base em 280 m3/s. Questionei a razão dessa redução que, a primeira vista, seria creditada à seca. Uma análise mais acurada das condições do escoamento de água subterrânea do sistema aquífero aos afluentes do São Francisco que drenam os aquíferos mostra que a seca não explica a redução. É que o escoamento subterrâneo é lento, da ordem de centímetros a metros por DIA.
Para percorrer a distância entre os divisores de água subterrânea e a calha dos afluentes (em média uns 5 km) a frente de fluxo subterrâneo levaria alguns anos (pelo menos três) para atingir os leitos destes afluentes. Por outro lado, o fluxo de água subterrânea para os poços perfurados no sistema se faz a uma velocidade de até 3 cm/s (três centímetros por segundo) ou quase 2.600 m/d (metros por dia), o que, pelo seu poder de indução inviabiliza, se não totalmente, pelo menos em grande parte, o fluxo natural para os rios, a depender, também, das vazões dos poços e dos rebaixamentos dos seus níveis estáticos. Os dados apresentados por Rodolpho Ramina sobre o sistema de irrigação utilizado (pivô central, cada um irrigando até 125 hectares) e a área irrigada (320.000 hectares) vão na direção do uso excessivo das águas subterrâneas, com reflexos na redução do escoamento de base, nas áreas de influência destes poços, que devem suprir o sistema de irrigação. Fiz uma estimativa deste consumo com base na evapotranspiração potencial que mobilizaria uma vazão até superior à redução da vazão de base, á uma área irrigada em torno da metade da áres total de irragação do são Francisco (495.000 ha, segundo o relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos, 2.011 da ANA.
Claro que, para se chegar a uma avaliação definitiva precisar-se-á de mais dados sobre tudo o que diz respeito aos poços envolvidos, ao consumo da irrigação e outros usos que devem existir. Mas, não tenho dúvidas de que esta redução da vazão de base é, primordialmente, causada pelo uso excessivo de água subterrânea através dos poços tubulares profundos, com suas grandes vazões e seus correspondentes rebaixamentos excessivos do nível hidrostático do Sistema aquífero. A seca, no meu modesto entender, apenas escancara este uso excessivo do referido sistema aquífero, assim como a interligação do sistema de distribuição de eletricidade mostra o uso temerário de vazões superiores à vazão firme, 100% segura, do reservatório de Sobradinho em que há a contribuição do escoamento direto, dependente das chuvas. Neste sentido, esta vazão, calculada em 1.856 m3/s pelos estudos de Freitas & Gondim Filho (2.004) citados, já não é esta, devendo ser menor, situando-se, provavelmente, entre 1.500 e 1.600 m3/s.
Para encerrar este já longo arrazoado, revelo que, quando da apresentação do trabalho dos ilustres hidólogos da ANA, no simpósio de São Luís/MA, em 2.004, chamei a atenção para essa possibilidade, dizendo que esta redução poderia inviabilizar, não somente os usos consumistas (aí incluindo a vazão alocável do São Francisco em que se baseou o Projeto de Transposição), mas a própria geração de energia hidrelétrica da CHESF. O amigo Wilson Cabral, se não me engano, presenciou essa minha intervenção.
Abraços a todos.
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P.S.- Existe um impacto adicional na geração de energia de Itaparica e do Complexo Paulo Afonso já que são subtraídas das vazões liberadas por estes reservatórios os 26,4 m3/s mínimos, o que equivale a um total de algo com 72 MW. E haja termelétricas, com seus custos e suas poluções ambientais exacerbados.
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