Maior educação, menor população, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Estudo publicado na revista Science, em setembro de 2014 (Gerland et. al, 2014) argumenta que, ao contrário do que se previa até 2010, a população mundial deve continuar crescendo ao longo do século XXI e o mais provável é que o planeta tenha algo em torno de 11 bilhões de habitantes em 2100. O estudo mostra que, com uma probabilidade de 80%, o globo terá entre 9,6 mil e 12,3 bilhões de humanos em 2100, sendo que a projeção média fica em torno de 11 bilhões e a estabilização da população só ocorreria, caso ocorra, no século XXII.
Evidentemente, ninguém sabe dizer com certeza como será o futuro. As projeções são feitas com base em pressupostos que dependem, por sua vez, do conhecimento das experiências do passado. Por exemplo, os dados das últimas décadas mostram que o ritmo de crescimento populacional diminui quando se eleva as taxas de urbanização e aumentam os níveis de inclusão social e os direitos de cidadania. Desta forma, a população mundial no final do século XXI poderá ultrapassar 12 bilhões se o crescimento da qualidade de vida acontecer em ritmo lento ou poderá ficar abaixo de 10 bilhões se houver conquistas sociais importantes.
Reforçando a ideia de que “a cidadania é o melhor contraceptivo” (Martine, Alves, Cavenaghi, 2014), diversos estudos mostram que as taxas de fecundidade tendem a cair com o avanço da renda, da educação, das condições de moradia, do acesso à informação, etc.
Pesquisas do International Institute for Applied Systems Analysis (IIASA) confirmam, com base em vários cenários de projeção, que a educação pode ter um papel-chave na determinação do ritmo de crescimento demográfico no século XXI. Quanto maior for o ritmo de crescimento da educação, menores serão as taxas de fecundidade, com as respectivas reduções no volume da população esperada em 2100.
No dia 23 de outubro de 2014 foi lançado, no Wilson Center, em Washington DC, o livro “World Population and Global Human Capital in the 21st Century” (LUTZ et. al, 2014) mostrando que a população mundial, no cenário mais provável, deverá atingir um pico de 9,4 bilhões de habitantes em torno de 2070 e, em seguida, decrescer para 9 bilhões de pessoas até o final do corrente século. Mais do que apenas números populacionais, o livro também inclui projeções específicas para a população por idade, sexo e nível de escolaridade, para 195 países, entre 2010 e 2100.
Por exemplo, se a maioria dos países expandir os seus sistemas educacionais no ritmo realizado pela Coreia do Sul, então a população mundial ficará em torno de 8,87 bilhões de habitantes em 2060. Se a expansão dos sistemas educacionais expandirem no ritmo médio das últimas décadas, a população mundial será de 9,34 bilhões de habitantes em 2060. Se não houver melhorias no ritmo de expansão educacional a população mundial será algo em torno de 9,84 bilhões de habitantes em 2060.
Toda a literatura demográfica mostra que existe uma relação inversa entre educação e fecundidade. O grande desafio é avançar com os anos médios de estudo. A dificuldade é sair da “armadilha da pobreza” e da falta de orçamento e capacidade de gestão dos países do chamado Terceiro Mundo, especialmente dos chamados “Estados falidos”. Universalisar o acesso ao ensino fundamental é uma tarefa muito dificil nos países de baixa renda. Universalisar o ensino médio é mais dificil ainda. Garantir qualidade na educação é outra tarefa que exige grande esforço. Por outro lado, a queda da fecundidade ajuda no processo de expansão educacional, pois menor número de filhos por família e coortes menores tendem a aumentar o investimento per capita em educação.
Desta forma, juntamente com a educação é preciso garantir o respeito aos direitos sexuais e reprodutivos. Educação e saúde são direitos básicos, mas muitos países não conseguem garantir as condições mínimas de cidadania. Seria ótimo se fosse efetivada a meta 5b dos ODMs: “Alcançar, até 2015, o acesso universal à saúde reprodutiva”. Com altos níveis de educação e autodeterminação reprodutiva a transição demográfica estaria praticamente garantida e o pico da população global seria alcançado mais cedo.
Quando se trata de projeções populacionais, o importante é compreender que o ser humano tem livre arbítrio para traçar o seu futuro. Os cenários demográficos para o século XXI estão em aberto e a civilização atual tem o poder de escolha e os meios para definir o número de humanos que vão habitar a Terra no final do século XXI. Qualquer que seja a decisão, espera-se que a humanidade não haja de forma egocêntrica, mas sim de maneira altruísta e ecocêntrica, respeitando o meio ambiente e a maioria absoluta das demais espécies vivas do Planeta.
Referências:
GERLAND, Patrick et. al. World population stabilization unlikely this century, Science 10 October 2014 Vol. 346 no. 6206 pp. 234-237, Published Online September 18 2014
LUTZ, Wolfgang. World population likely to peak by 2070, IIASA, Viena,23 October 2014
LUTZ, W, BUTZ W, and KC S, eds. 2014 World Population and Global Human Capital in the 21st Century, Oxford University Press 2014.
MARTINE, G. ALVES, JED, CAVENAGHI, S. Urbanização e transição da fecundidade. EcoDebate, RJ, 23/01/2014 (Working Paper, IIED, em ingles: http://pubs.iied.org/pdfs/10653IIED.pdf)
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Publicado no Portal EcoDebate, 31/10/2014
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Pois é, é isso que várias pessoas falham em ver quando se trata de planejamento familiar e querer reduzir a taxa de fecundidade para ter populações menores.
O melhor exemplo de redução da taxa de fecundidade não é a China com sua política do filho único. A redução mais rápida foi aqui mesmo, no Brasil, em casa. E não foi capitaneada pelo autoritarismo.
Foi uma combinação de diminuição de taxas de mortalidade infantil, dando esperança às pessoas de que seus filhos vão chegar na idade adulta, universalização do ensino primário (nosso ensino não é assim grandes coisas, mas ao menos é praticamente universal. E isso é uma evolução em relação a escolas públicas que podiam ser excelentes, mas ensinavam menos de dez por cento da população), e acesso livre a contraceptivos (distribuição de camisinhas, comprar-se pílulas anticoncepcionais sem receita. Isso é necessário, e muito melhor para a saúde da população, seja lá quas efeitos colaterais as pílulas causem em uma de cada cem mil usuárias).
Fora os fatores culturais também. As famílias “exemplo” que a TV mostra (famílias de novela, por ex) têm um, dois, no máximo 3 filhos. Podemos ser um país com uma população cristã imensa, uma população católica imensa, e o Papa pode querer que não se use camisinha, mas todo mundo sabe que o Papa é pop e o pop não papa ninguém. E sabe, mesmo esses fatores nossos, únicos, podem ser replicados em outras bandas. A taxa de natalidade do Irã é outra que despencou, e também não foram precisos abortos forçados, esterilizações sem consentimento nem nada do gênero.
Educação (das meninas também, não só de homens), diminuição da mortalidade infantil, acesso a contraceptivos fácil, rápido e sem perguntas. É disso que precisamos. No mundo inteiro. Esse é o plano de longo prazo, para tentarmos manter o mundo funcionando sem colapsos ou grandes extinções. Aqui no Brasil a virada nas taxas de fecundidade veio em 40 anos. Se replicarmos isso no mundo, podemos ter uma chance.
O PRAZO DE VALIDADE DO PLANETA TERRA HÁ MUITO ESTÁ VENCIDO.
Os graves problemas por que passam os seres vivos que ainda habitam o planeta Terra, em decorrência da superpopulação humana e da louca corrida empreendida pelo capitalismo em busca do desenvolvimento econômico contínuo e crescente, não dispõem mais de prazo para serem solucionados. Dizendo melhor, o prazo de validade do planeta Terra, com o uso que foi feito dele, desde a revolução industrial, há muito está vencido. Portanto, se não desejamos nos render às forças que conduzem o processo a que estamos submetidos, medidas urgentes e drásticas devem ser adotadas. Neste ponto, surge a questão: haverá condição para que essas medidas sejam adotadas?
Muito pertinente os comentários de Mariana. E bem humorados.
Interessante é que esta eficiente “política” de estabilização da população no Brasil nunca foi formalmente explicitada. Foi uma grande mudança cultural que atropelou práticas sociais conservadoras.
Mariana trouxe para a nossa realidade ao levantar um conjunto de fatores que contribuiram para a mudança (diminuição da mortalidade infantil, universalização do ensino, TV etc. Acrescentaria a libertação sexual que tem os anos 1960 como símbolo.
Bom artigo, bons comentários.
“Aqui no Brasil a virada nas taxas de fecundidade veio em 40 anos. Se replicarmos isso no mundo, podemos ter uma chance.”
Temos é que replicar a necessidade de redução das taxas de natalidade nos países em desenvolvimento, porque já muito que vem acontecendo essa redução em países desenvolvidos.
(https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2054rank.html)