A estabilização da queda da fecundidade mundial, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A transição demográfica (TD) é um dos fenômenos sociais mais importantes de todos os tempos. Ela começa com a queda da taxa de mortalidade e, depois de um certo lapso de tempo, é seguida pela queda da taxa de natalidade. O tamanho da prole fica menor, mas aumenta o número de crianças sobreviventes, com um alongamento da esperança de vida. A TD leva necessariamente a uma transição da estrutura etária, com a redução da base da pirâmide, o crescimento do percentual de pessoas em idade economicamente ativa e, em um prazo mais longo, ao envelhecimento populacional.
As taxas de fecundidade (número médio de filhos por mulher) sempre foram altas na maior parte da história da humanidade, pois as famílias precisavam ter muitos filhos para se contrapor às altas taxas de mortalidade. No quinquênio 1950-55 a taxa de fecundidade da população mundial era de 4,97 filhos por mulher e subiu ligeiramente para 5,02 filhos por mulher no quinquênio 1960-65. Portanto, até meados da década de 1960 as taxas de fecundidade do mundo estavam acima de 5 filhos por mulher.
Mas a queda da taxa de mortalidade, especialmente da mortalidade infantil, após o fim da Segunda Guerra Mundial abriu espaço para a mulher recorrer menos à gravidez para atingir o tamanho ideal de família, pois cresceu o percentual de filhos sobreviventes.
O fato é que a taxa de fecundidade total (TFT) começou a cair a partir de 1960, passando de 5,02 filhos por mulher em 1960-65, para 2,53 filhos no quinquênio 2005-10. Ou seja, em 50 anos a TFT caiu pela metade. A queda média neste período foi de meio (1/2) filho por década.
O destaque foram as décadas de 1960, 1970 e 1980 com uma queda conjunta de 2 filhos por mulher, pois a TFT mundial estava em 5,02 filhos no quinquênio 1960-65 e caiu para 3,04 filhos no quinquênio 1990-95. A maior redução aconteceu na década de 1970, com uma queda de 0,84 filhos, sendo que países como a China e o Brasil tiveram reduções expressivas.
Na década de 1990 a taxa de fecundidade continuou caindo, mas já apresentou uma desaceleração, pois a redução foi de 0,45 filho por mulher. Mas a maior desaceleração aconteceu na primeira década do século XXI, com uma queda de somente 0,09 filho, pois a TFT estava em 2,59 filhos por mulher no quinquênio 2000-05 e caiu para 2,5 filhos por mulher no quinquênio 2010-15.
A projeção média da Divisão de População da ONU indica que a redução na fecundidade média da população mundial vai continuar desacelerando ao longo do século XXI. Ou seja, em 50 anos a TFT caiu 2,5 filhos por mulher, mas as projeções indicam que deve cair apenas meio (0,5) filho por mulher nos próximos 90 anos.
No caso da hipótese média da ONU, que pressupõe a estabilização da TFT ao nível de reposição, o volume total de população mundial ficaria ao redor de 11 bilhões de habitantes em 2100. Se a TFT ficar meio (0,5) filho acima do nível de reposição a população mundial chegaria a quase 17 bilhões de habitantes em 2100. Mas se a TFT ficar meio (0,5) filho abaixo do nível de reposição a população mundial ficaria abaixo de 7 bilhões de habitantes em 2100.
Portanto, uma variação de apenas meio (0,5) filho por mulher pode fazer a população mundial variar em torno de 10 bilhões de habitantes nos próximos 90 anos, ou seja, entre 7 e 17 bilhões de indivíduos da raça humana, em 2100. O futuro está aberto.
Estudos mais recentes – utilizando técnicas estatística bayesianas – mostram que ao contrário do que sugeriam alguns cenários anteriores, a população mundial não deverá declinar a partir da segunda metade deste século. Com maior grau de certeza, o mais provável é que a população mundial fique realmente entre 10 e 12 bilhões de habitantes em 2100, sendo extremamente improvável – ceteris paribus – o declínio da população global na segunda metade do século XXI.
Demografia não é destino e o ser humano tem livre arbítrio e pode construir o futuro. A humanidade pode escolher o caminho do maior ou do menor crescimento demográfico, desde que haja respeito aos direitos sexuais e reprodutivos e a regulação da fecundidade seja uma escolha livre dos casais e das pessoas.
Qualquer que seja a decisão será preciso levar em consideração as condições ambientais do Planeta, a sobrevivência das demais espécies, a manutenção da biodiversidade e a saúde dos ecossistemas. A economia faz parte da ecologia e a humanidade faz parte da diversidade da vida na Terra. Na determinação do futuro é preciso considerar que o egoísmo deve ser substituído pelo altruísmo, para o bem da vida na Terra.
Referências:
ALVES, JED. O Decrescimento Demo-Econômico e a Sustentabilidade Ambiental. XI ENABER – XI Encontro Nacional Da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, Foz do Iguaçu, 02 a 04 de outubro de 2013
ALVES, JED. Fosso demográfico global: regiões com alto crescimento e com decrescimento populacional, EcoDebate, Rio de Janeiro, 18/01/2013
ALVES, JED. Novas projeções da população mundial até 2100. EcoDebate, Rio de Janeiro, 12/07/2013
ALVES, JED. Explosão, implosão ou divisão demográfica? EcoDebate, Rio de Janeiro, 25/09/2013
ALVES, JED. Projeções para a população mundial 2000-2300: o futuro está aberto. EcoDebate, Rio de Janeiro, 04/10/2013
CARRINGTON, Damian. New study overturns 20 years of consensus on peak projection of 9bn and gradual decline. The Guardian, 18 September 2014
Samir KC; Wolfgang Lutz. The human core of the shared socioeconomic pathways: Population Scenarios by age, sex and level of education for all countries to 2100, Science Direct, 06/2014
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Publicado no Portal EcoDebate, 29/10/2014
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Prezado José Eustáquio.
Creio que não apenas uma queda da fecundidade seja absolutamente necessária, mas uma queda no NÚMERO ABSOLUTO da população mundial. Já consumimos mais do que a Terra suporta, e grandes contingentes de populações estão passando para a classe média, com aumento de consumo. Infelizmente não temos tempo para ficar esperando que a consciência individual surja em cada um. Precisamos de medidas mais urgentes.
Ninguém é obrigado a procriar, infelizmente essa opção é mau entendida por grande parcela da sociedade, se você não quer ter filhos é uma escolha pessoal sua, o planejamento familiar tem que ser melhor trabalhado em regiões pobres onde há crescente explosão demográfica.