Especismo e ecocídio: a extinção dos leões na África Ocidental e perda de biodiversidade no mundo, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O Ecocídio é um crime que acontece contra as espécies animais e vegetais do Planeta e decorre da ganância humana que amplia os territórios da civilização (áreas ecúmenas) – para manter um modelo de produção e consumo conspícuo e insustentável – e reduz as áreas antes ocupadas pela vida selvagem (áreas anecúmenas).
O especismo é a discriminação existente com base nas desigualdades entre espécies. Ocorre, em geral, quando os seres racionais se consideram superiores aos demais seres vivos, inclusive, superiores aos seres sencientes não-racionais. O especismo é uma das consequências do antropocentrismo, que é a concepção que coloca o ser humano no centro das atenções do mundo, definindo a humanidade como a única espécie sujeita de direitos.
Por conta dos crimes do ecocídio e do especismo diversas espécies, que habitam a Terra muito antes dos humanos, estão ameaçadas de extinção.
Reportagem da BBC mostra que o número de leões na África Ocidental sofreu um “colapso catastrófico”, pois calcula-se que restem apenas 400 animais na região, sendo que haveria menos de 250 leões em idade de acasalamento. As principais ameaças são o avanço da agricultura, redução dos habitats selvagens e caça ilegal
A pesquisa, realizada pela ONG Panthera e publicada no periódico científico PLOS One, foi realizada em 17 países do oeste da África, incluindo Senegal e Nigéria, por mais de seis anos. Em 2005, estimava-se que havia leões em 21 áreas protegidas na África Ocidental; agora, aparentemente eles estão restritos a quatro dessas áreas – ou a apenas 1,1% de seu território original. Os leões estão totalmente extintos em países como o Gana, Togo ou Costa do Marfim e há apenas 34 indivíduos em toda a Nigéria.
“Os resultados são chocantes – a maioria das áreas que pesquisamos eram parques apenas no papel, sem orçamento gerencial e patrulhas. Eles perderam todos os seus leões e outros grandes mamíferos”, afirma Henschel à BBC. Pesquisadores da Duke University, nos Estados Unidos, dizem que os leões tem chances de sobrevivência bem maiores em outras partes da África, graças à criação de reservas em parques nacionais – nenhuma delas na África Ocidental.
Especialistas estimam que a população total de leões no continente africano hoje é composta de aproximadamente 32 mil animais, sendo que há 50 anos eram pelo menos 100 mil, e a queda é creditada à drástica redução da área de savana natural, o habitat do leão.
Os leões da região ocidental da África têm um sequenciamento genético único, não encontrado em outras espécies (incluindo as que vivem em zoológicos ou outras forma de cativeiro). A diminuição da espécie ameaça, assim, uma população já geneticamente adaptada a condições específicas.
A União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) diz que será necessária ajuda internacional para salvar os animais. Também há uma geração de cientistas e conservacionistas que estão tentando desfazer os danos da mentalidade desenvolvimentista desregrada, como Caroline Fraser em seu livro “Rewilding the world” (reselvagerizando o mundo). Para salvar os leões é preciso redelimitar o espaço da economia e da presença humana.
A ideia de reselvagerizar o mundo visa salvar as espécies, restaurar os habitats naturais e ampliar os territórios de biodiversidade, defendendo as áreas verdes para o desenvolvimento da vida selvagem e também a criação de corredores de migração e de promoção da paz entre as pessoas e os animais nas áreas já dominadas pelos humanos. As populações de leões, elefantes, rinocerontes, guepardos, girafas e outros mamíferos são fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas e necessitam de espaço para sobreviver e continuar uma vida que começou há milhões de anos atrás. Vida que está sendo destruída por uma espécie caloura no Planeta.
A necessidade de reselvagerização fica claro nos estudos publicados em julho de 2014 na Revista Science que mostram taxas alarmantes de ecocídio. A humanidade é responsável pelo risco de espécies desaparecerem com 1000 vezes mais intensidade do que os processos naturais. O ser humano está provocando, em um curto espaço de tempo, a sexta extinção em massa no planeta. Isto acontece em função dos impactos da perda da fauna devido ao empobrecimento da cobertura vegetal, à falta de polinizadores, ao aumento de doenças, à erosão do solo, aos impactos na qualidade da água, etc. Ou seja, os efeitos são sistêmicos e um dos artigos da revista chama este processo de “Defaunação no Antropoceno”, que ocorre devido ao aprofundamento da discriminação contra as espécies não humanas e à generalização do crime do ecocídio.
Segundo a WWF, no relatório Planeta Vivo 2014, o estado atual da biodiversidade do planeta está pior do que nunca. O Índice do Planeta Vivo (LPI, sigla em Inglês), que mede as tendências de milhares de populações de vertebrados, diminuiu 52% entre 1970 e 2010. Em outras palavras, a quantidade de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes em todo o planeta é, em média, a metade do que era 40 anos atrás. Esta redução é muito maior do que a que foi divulgada em relatórios anteriores em função de uma nova metodologia que visa obter uma amostra mais representativa da biodiversidade global.
Ainda segundo a WWF, a biodiversidade está diminuindo em regiões temperadas e tropicais, mas a redução é maior nos trópicos. Entre 1970 e 2010, o LPI temperado diminuiu 36% em 6.569 populações das 1.606 espécies em regiões temperadas, ao passo que o LPI tropical diminuiu 56% em 3.811 populações das 1.638 espécies em regiões tropicais durante o mesmo período. A redução mais dramática aconteceu na América Latina – uma queda de 83%. As principais causas destas reduções são a perda de habitats e a degradação e exploração decorrente de caça e pesca. As mudanças climáticas são a segunda ameaça primária mais significativa e é provável que exercerão mais pressão sobre as populações no futuro.
O biólogo da Universidade de Harvard, Edward Osborne Wilson, duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer e autor de mais de 25 livros, acredita que o ser humano está provocando um “holocausto biológico” e para evitar a “extinção em massa de espécies”, ele propõe uma estratégia para destinar METADE DO PLANETA exclusivamente para a proteção dos animais. A tese também é defendida pela jornalista Elizabeth Kolbert no livro The Sixth Extinction. Segundo reportagem de Marina Maciel, no Planeta Sustentável (09/09/2014), o plano de conservação do Dr. Wilson, chamado de “Half Earth”, inclui a criação de cadeias de corredores ininterruptos de vida selvagem, alguns deles grandes o bastante para abrigar parques nacionais de biodiversidade, idealizados para impedir o desaparecimento de espécies.
Todos os seres vivos têm uma origem biológica comum. Uma espécie que provoca a extinção em massa de outras espécies não pode se julgar superior e vai pagar um alto preço se não reverter as tendências atuais e evitar os crimes do especismo e do biocídio ou ecocídio.
Referência:
BBC. Leões caminham para extinção na África Ocidental. 15 de janeiro, 2014
Caroline Fraser. Rewilding the World: Dispatches from the Conservation Revolution.
ALVES, JED. Por um mundo mais selvagem! EcoDebate, RJ, 14/08/2013
MCKIE, Robin. How the threat to lions, leopards and wolves endangers us all. The Observer, 26/01/2014
Vanishing fauna. Science. Special Issue, 25 July 2014
MACIEL, Marina. Edward Wilson pede devolução de metade da Terra para os animais, Planeta Sustentável, 09/09/2014
WWF. Planeta Vivo, relatório 2014, Switzerland, 30/09/2014
http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/relatorio_planeta_vivo/
http://wwf.panda.org/about_our_earth/all_publications/living_planet_report/
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Publicado no Portal EcoDebate, 15/10/2014
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Colocando mais lenha nesta fogueira, capturei do ECODEBATE de ontem, do artigo Esse mundo já era:
Em sua conferência, sublinhou a importância de o aquecimento global ser discutido pelas humanidades. “Sabemos muito bem o que está acontecendo e quem é o responsável, o que não sabemos é o que fazer e como, e isso está inteiramente fora das competências dos cientistas do clima”, disse. Viveiros de Castro ironizou a proposta que o biólogo americano Edward Wilson fizera semanas antes, de reservar metade do planeta para os organismos não humanos. “Ele não diz exatamente onde vai ficar essa metade, e nem em qual metade ficarão os Estados Unidos”, disse, arrancando risos. “É a típica ideia de jerico de um cientista natural americano. Por isso nós, cientistas antinaturais, precisamos entrar no jogo.”
Na verdade, o Edward Wilson sugere um programa de áreas protegidas e corredores com várias áreas dentro dos EUA também. Esse preconceito contra americanos diz menos sobre os americanos do que sobre aqueles que o divulgam.
Propostas e mais propostas podem ser apresentadas para solucionar essa grande catástrofe promovida pelo desenvolvimento capitalista e evidenciada pela existência de uma população humana muito superior à que teria condição de coabitar o planeta Terra com as demais espécies, de forma sustentável.
Os defensores do desenvolvimento infinito – entre eles se encontram as religiões – não se cansam de apresentar propostas absolutamente infundadas, que, segundo eles, garantem a sustentabilidade social, econômica e ambiental. Eles não podem admitir que a espécie humana, neste século XXI, em que as condições de vida no planeta se encontram tão degradadas, com muitas espécies já extintas e muitas outras em extinção, tenha seu crescimento populacional controlado, para evitar a extinção das espécies que ainda restam, inclusive dela própria.
Como já se disse antes, o sistema capitalista só consegue enxergar o lucro e o desenvolvimento; ele é absolutamente irracional, e a espécie humana, junto com todas as demais espécies, inevitavelmente pagará por essa irracionalidade, com sua própria existência, talvez ainda neste século em que vivemos.
Portanto, fica o grande questionamento: QUE FAZER?