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Escravos da moda. Operações encontram haitianos e bolivianos em condições análogas à escravidão

 

Operação do MTE surpreende trabalhadores haitianos em condições análogas à escravidão em SP

 

Uma das operação resgatou 12 haitianos e dois bolivianos e a outra 17 bolivianos. Foto: Elaine Cruz

 

Uma operação de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo (SRTE-SP) resgatou 12 haitianos e dois bolivianos que trabalhavam em uma confecção no Pari, zona norte da capital paulista, em condições análogas à escravidão. Segundo a superintendência, esta foi a primeira vez que haitianos foram resgatados neste tipo de operação em São Paulo.

A oficina de costura onde eles foram encontrados prestava serviços para a marca As Marias. Segundo a auditora fiscal Elisabete Sasse, os imigrantes eram submetidos a jornadas exaustivas de trabalho, entre 11 e 15 horas por dia. No local, os fiscais observaram também que a oficina e o alojamento ficavam no mesmo ambiente e e as condições eram degradantes. “As instalações elétricas eram precárias, com fiação exposta”, disse a auditora, o que representava um grande risco para o local. Os alojamentos, segundo ela, eram precários: sujos, com ventilação insuficiente, com restos de comida e botijões de gás espalhados pelos quartos e mofo nas paredes.

De acordo com a auditora, os imigrantes recebiam como pagamento somente alimentação e moradia. Entre os dias 5 de junho e 5 de agosto [quando eles foram resgatados], os trabalhadores receberam apenas R$ 100 de pagamento, que foi pago no dia 1º de agosto após reclamação dos trabalhadores. “No dia 1º, eles [imigrantes] receberam esse valor e paralisaram as atividades. A oficinista então cortou a alimentação”, disse a auditora. A oficina foi interditada.

Para evitar que situações como essa continuem a acontecer, Renato Bignami, coordenador das Ações contra Trabalho Escravo da SRTE-SP, disse que o ministério coletou com a Missão da Paz uma lista de 130 empresas que já contrataram imigrantes e, a partir disso, eles pretendem orientá-las e monitorá-las para combater o trabalho escravo.

Em entrevista à Agência Brasil, Mirian Prado, uma das proprietárias da marca, disse nunca “ter imaginado” que a confecção terceirizada que contratou para produzir as peças da marca fazia uso de trabalho escravo. “Sou uma empresa pequena, minha produção é pequena. Meus funcionários são todos contratados. Nunca imaginei isso. Não tinha conhecimento [que a oficina terceirizada empregava trabalho escravo]”, disse.

Mirian disse ser “totalmente contra o trabalho escravo” e que, a partir de agora, vai alugar um imóvel e montar sua própria linha de produção.A proprietária da marca também disse ter pago todas as indenizações trabalhistas, além de ter dado cestas básicas aos haitianos e bolivianos que foram resgatados da confecção, informação que foi confirmada pela superintendência do Ministério do Trabalho e Emprego.

O MTE comunicou na sexta-feira (22) que fez outra operação de fiscalização que também constatou trabalho escravo em uma confecção localizada na Casa Verde, zona norte da capital, e que produz peças de moda feminina para a marca Seiki. Segundo a superintendência, na oficina foram encontrados 17 trabalhadores em condições análogas à escravidão, sendo oito homens e nove mulheres, entre elas, uma adolescente grávida, de 15 anos, todos bolivianos.

No local, os trabalhadores eram submetidos a jornadas exaustivas de trabalho [eles trabalhavam entre 13 ou 14 horas por dia], tiveram suas carteiras de trabalho retidas e sofriam desconto no seu pagamento referentes à alimentação e à moradia. Os trabalhadores, de acordo com o auditor fiscal Luiz Alexandre de Faria, recebiam cerca de R$ 500 ou R$ 600 por mês. “Isso representa, aproximadamente, 40% apenas do valor que seria devido à convenção coletiva das costureiras, remuneração bastante indigna”, falou.

Os alojamentos onde eles dormiam eram degradantes, com instalações sanitárias “deploráveis”, sem limpeza, cobertos de mofo, com botijões de gás espalhados e potencializando a possibilidade de acidentes, além de não receberem alimentação suficiente e água potável. A oficina, segundo o auditor fiscal, foi interditada.

Em entrevista à Agência Brasil, o advogado da Seiki, Horácio Conte, disse que a empresa foi surpreendida com a notícia de que uma das cerca de 30 confecções que ela utiliza utilizaria trabalho escravo. Segundo ele, esse tipo de problema nunca tinha ocorrido com a Seiki, empresa que atua há mais de 40 anos no mercado.

De acordo com o advogado, a Seiki monitorava a confecção por meio de holerites de seis empregados e recolhimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e da previdência, além de cópia do livro dos empregados, mas que desconhecia as irregularidades que foram constatadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e a quantidade bem superior de trabalhadores que a oficina empregava. A Seiki pagou todas as indenizações trabalhistas (cerca de R$ 294 mil), o que foi confirmado pela superintendência, e informou que, a partir de agora, a empresa vai aprimorar a sua fiscalização sobre as empresas terceirizadas.

Para o superintendente regional do Trabalho e emprego, Luiz Antônio Medeiros, “trabalho escravo é uma vergonha nacional”. Para combater o problema em São Paulo, Medeiros assinou hoje uma portaria que regulamenta a Lei Estadual nº 14.946, de 28 de janeiro de 2013, que dispõe sobre a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal de Comunicação (ICMS) de qualquer empresa que faça uso direto ou indireto de trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão. “As empresas que praticam trabalho escravo estão sujeitas a perder o registro do ICMS. Essa portaria regulamenta esta lei estadual”, disse.

Uma das diretoras do Sindicato das Costureiras de São Paulo, Maria Susicleia Assis, disse à Agência Brasil que o trabalho escravo no setor têxtil tem gerado uma grande preocupação no sindicato. “Está aumentando tanto que agora está agregando também os haitianos. Isso é uma preocupação muito grande porque o nosso setor está se deteriorando. Estamos tirando o emprego formal e fazendo esse trabalho escravo e degradante com os estrangeiros”, disse. De acordo com a diretora, o sindicato tem recebido denúncias diariamente sobre trabalho escravo em confecções. “O que está faltando mesmo é a responsabilidade do empresário em saber para onde ele está mandando o seu trabalho”.

Por Elaine Patrícia Cruz, da Agência Brasil.

EcoDebate, 25/08/2014


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