Exploração do gás de xisto ameaça qualidade da água no Brasil
Rocha a ser fraturada encontra-se a algumas centenas de metros abaixo do aquífero Guarani, que teria riscos de ser contaminado
De onde vem e para onde vai a água utilizada na exploração do gás de xisto? Essas questões geram frequentes polêmicas e debates, uma vez que produtos químicos são utilizados nesse tipo de extração. De acordo com o conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o pesquisador Jailson de Andrade, ainda faltam estudos criteriosos sobre o assunto.
Andrade alerta, sobretudo, para a carência de informações que identifiquem onde as jazidas de gás natural estão localizadas e se estão perto de aquíferos importantes. “Os estudos realizados até agora são contestados. Não se sabe para onde vai a água contaminada por produtos químicos utilizados na exploração do gás. Ainda não há uma experiência no Brasil que possa se tomar como base. Falta informação”, diz.
Apesar de os dados ainda serem imprecisos, existem companhias ansiosas por entrarem em processos licitatórios de exploração do gás de xisto no Brasil, e outras vislumbrando lucros para despoluir a água e as áreas porventura afetadas pela sua extração. O pesquisador observa, no entanto, que não há tecnologia para despoluir os aquíferos, caso eles sejam atingidos. Para Andrade, esse é um dos pontos cruciais a serem resolvidos. “A exploração do gás de xisto sem critério afetará a água sob nosso solo, já que a rocha a ser fraturada (o folhelho Irati) encontra-se a algumas centenas de metros abaixo do aquífero Guarani, na bacia geológica do Paraná”, detalhou.
O Guarani é uma das maiores reservas subterrâneas de água doce do mundo. Tem a capacidade de abastecer, de forma sustentável, muitos milhões de habitantes, com trilhões de metros cúbicos de água doce por ano. No Brasil, está no subsolo dos estados de São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Na visão de parlamentares, estudiosos e pesquisadores, essa riqueza pode estar ameaçada por uma enorme pressão econômica, a exemplo do que já ocorre nos Estados Unidos.
A exploração de xisto utiliza o método de fraturação hidráulica, chamado em inglês de “fracking”. Trata-se de injeção de toneladas de água, sob altíssima pressão, misturada com areia e produtos químicos, com o objetivo de quebrar a rocha e liberar o gás nela aprisionado. Nos EUA, 90% dos poços de gás de xisto são perfurados com a utilização dessa técnica.
Esse tipo de extração utiliza vinte vezes mais recursos hídricos do que as técnicas convencionais. Com isso, as pequenas cidades norte-americanas nos arredores dos poços de gás de xisto enfrentaram problemas de falta d’água para consumo e agricultura, além da contaminação dos aquíferos subterrâneos e das reservas de água potável. Mas a falta de água não é o único problema.
Destacam-se ainda, a excessiva circulação de caminhões, a injeção de fluidos que provocam pequenos abalos sísmicos, a ausência de regulamentação, a presença na água de pequenas quantidades de produtos químicos e metais pesados cancerígenos, bem como a acumulação de metano, que pode provocar explosões.
“Há um estudo da National Academy of Science, nos Estados Unidos, que mostra que, em 141 poços de água potável na Pensilvânia, quanto mais próximo de áreas de exploração de gás não convencional, maior a quantidade de metano (tóxico e inflamável) na água”, informou Jailson. “A controvérsia na literatura é se isso já existia antes ou se é resultado da perfuração para obtenção de gás”, observou Andrade.
Nomenclatura equivocada – Há uma longa e equivocada tradição brasileira de se chamar o folhelho (shale) de xisto (schist). Apesar disso, os especialistas esclarecem que é incorreto chamar o gás de folhelho de gás de xisto: “O xisto é uma rocha metamórfica que sofreu grandes transformações geológicas, não possibilitando a geração de gás; o folhelho, por sua vez, é uma rocha sedimentar com grande quantidade de matéria orgânica que dá origem ao gás”, explica Jailson Andrade.
O gás de folhelho, encontrado em áreas de permeabilidade relativa e também chamado de “gás de xisto”, é um dos três tipos de gases não convencionais cuja ocorrência não está associada a bolsões de gás armazenados a partir das camadas de petróleo. Estas produzem o gás fóssil convencional, encontrado na plataforma continental e em outras regiões do Brasil. Os demais gases não convencionais são o confinado (tight gas), com ocorrência em rochas impermeáveis ou de baixa permeabilidade, e o metano associado a camadas de carvão.
Camila Cotta, especial para o Jornal da Ciência/SBPC
EcoDebate, 14/08/2014
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