O desafio de preservar as ‘abelhas indígenas’
Foto: Ceplac
Ao ar livre, em pequenas caixas de madeira de reflorestamento com 39 centímetros de altura por 24 centímetros de largura, com rigor científico no manejo e o olhar no futuro, preservam-se joias da fauna brasileira ameaçadas de extinção. Trata-se de um banco de germoplasma de abelhas sem ferrão nativas do Nordeste, com colônias vivas mantidas em colmeias padronizadas.
Criado há seis anos, na Embrapa Meio-Norte, em Teresina (PI), o banco se caracteriza por reunir colônias de abelhas tiúba, uruçu-amarela e jandaíra, também conhecidas como abelhas indígenas, por serem criadas antes mesmo da chegada dos portugueses ao Brasil. É o único com espécies da região e foi montado a partir de doações de apicultores. Em contrapartida, a equipe técnica oferece treinamentos aos produtores.
“Esse banco é uma arma estratégica da ciência para repovoar a fauna do Nordeste brasileiro, no eventual risco de extinção de espécies nativas locais”, destaca a pesquisadora Fábia Pereira. Se necessário, o repovoamento será feito a partir da distribuição de colmeias aos apicultores nas regiões afetadas. A primeira função é ajudar na preservação, mas o principal objetivo inclui conservação e documentação dos recursos genéticos para disponibilização ao público-alvo.
As pesquisas investem em arquitetura de ninho e análise do mel, na busca por informações biológicas sobre cada espécie e caracterização morfológica, molecular e geográfica das abelhas. Além disso, também têm como proposta obter informações sobre produção de mel de boa qualidade, multiplicação das colônias, manutenção das abelhas nativas e da flora a elas associadas, além da preservação ambiental e da geração de renda para pequenos produtores.
Unidades demonstrativas são mantidas nos municípios de Uruçuí e Guadalupe, no sudeste do Piauí, e em Araioses e São João dos Patos, no leste do Maranhão. Há, também, bancos de germoplasma no Pará e em Pernambuco. Amostras são enviadas para o Banco de Tecidos, instalado na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília (DF), para preservação do DNA. É meta da Embrapa instalar bancos de germoplasma de abelhas em todo o País.
A importância para a polinização
As abelhas sem ferrão, segundo a pesquisadora Fábia Pereira, são responsáveis pela polinização de 30 a 60 por cento das plantas de ecossistemas como a Caatinga, o Pantanal e manchas da Mata Atlântica. “Elas executam importante função na perpetuação da floresta e sua biodiversidade, como polinizadores e parte integrante da teia alimentar”, ressalta.
Mais de 400 espécies de abelhas sem ferrão são conhecidas no Brasil. Elas apresentam grande heterogeneidade na cor, tamanho, forma, hábitos de nidificação e população dos ninhos. Fábia Pereira explica que algumas abelhas se adaptam ao manejo, outras não: “Embora vantajosa, a criação racional dessas abelhas é dificultada pela escassez de informações biológicas e zootécnicas. Muitas nem sequer foram identificadas”.
O preço do litro de mel de abelhas nativas pode chegar a R$ 70,00. Essa alta cotação, aliada ao baixo investimento inicial e a facilidade em manter essas abelhas próximas às residências, tem estimulado pequenos agricultores a entrar na atividade.
Clima e flora são favoráveis à produção
A China é o maior produtor de mel do mundo. Os norte-americanos estão em segundo e a Argentina em terceiro lugar. O Brasil é o nono maior produtor de mel de abelha e o quinto maior exportador. Os Estados Unidos são os maiores compradores do mel brasileiro.
A região Nordeste possui ambiente propício para ampliar a produção de mel. A flora nativa e diversificada é um grande trunfo. Paulo José da Silva, de 33 anos, gerente da Cooperativa Mista dos Apicultores da Microrregião de Simplício Mendes (PI), destaca a variação de floradas de norte a sul do estado, durante todo o ano, como ponto de equilíbrio na atividade: “Com esse ambiente, o apicultor tem condições de migrar colmeias com menor custo”, avalia Paulo José da Silva, gerente da Cooperativa Mista dos Apicultores da Microrregião de Simplício Mendes, no Piauí.
A Casa Apis é uma das maiores centrais de cooperativas de apicultores do Nordeste, com sede em Picos, no Piauí. O diretor-geral, Antônio Leopoldino Dantas Filho, avalia que há uma flora abundante em toda a região. “Precisamos qualificar o produtor para vencer a pobreza no semiárido”. No estado, a sustentabilidade é fator importante. A pesquisadora Maria Teresa Rêgo diz que as floradas das espécies nativas “são livres de agrotóxicos, propiciando um mel puro, livre de resíduos de produtos químicos, o que favorece a produção de mel orgânico”.
O esforço para manter o Nordeste na linha de frente dos grandes produtores de mel do Brasil tem como âncora uma importante iniciativa para toda a cadeia produtiva: o laboratório de controle de qualidade de produtos apícolas, da Embrapa, em Teresina. Nele, são feitas as análises de mel para obter informações quanto à maturidade, pureza e degradação. Elas indicam, por exemplo, teor de umidade, porcentual de açúcares redutores e teor de hidroximetilfurfural, que é um composto que se forma pelo aquecimento ou envelhecimento do mel. O laboratório também faz análises de própolis e pólen apícola. Todo o mel exportado do Piauí pelas centrais de cooperativas passa por análise no laboratório da Embrapa Meio-Norte.
Seca e agrotóxico, agentes exterminadores
A seca e os agrotóxicos são fortes agentes exterminadores das abelhas. A estiagem, que no Nordeste brasileiro é cíclica, extermina as abelhas de forma gradual. Primeiro, reduz ao extremo a oferta de alimentos. Em seguida, estressa os animais. Por último, mata e reduz em números assustadores os enxames.
A consequência da seca sobre as floras nativa e cultivada é desastrosa. “Elas perdem espécies importantes, já que as abelhas são responsáveis pela polinização – reprodução das plantas. Com isso, faltam frutos e sementes, fundamentais à alimentação humana e animal”, explica a pesquisadora Maria Teresa Rêgo.
Outro aspecto a ser considerado é que as mudanças climáticas têm impulsionado a proliferação de pragas, como a Helicoverpa armigera, que ataca culturas importantes, como soja, milho e feijão. Para enfrentar o ataque de pragas, muitos produtores rurais usam agrotóxicos indiscriminadamente e, com essa prática surgem efeitos que exterminam as abelhas. O letal mata os insetos imediatamente. O subletal tem efeito mais lento. Contaminada, a abelha volta à colmeia com o veneno e então repassa para as outras. O final é previsível: toda a colmeia é envenenada e, consequentemente, as abelhas morrem.
Muitas vezes, eles não matam as colônias diretamente, mas provocam efeitos no comportamento, prejudicando desenvolvimento, produção e o serviço de polinização das colônias. Um dos efeitos relacionados ao uso de agrotóxicos muito pesquisado atualmente é o Distúrbio do Colapso das Colônias (DCC). Segundo os pesquisadores, ele é caracterizado pela ausência de abelhas vivas ou mortas na colônia. Em estágio inicial, há presença de uma pequena quantidade de operárias, crias novas e a rainha.
A pesquisadora Maria Teresa Rêgo diz que as causas do distúrbio ainda estão sendo investigadas. Até agora os cientistas acreditam em uma reação em cadeia, afetando o sistema imunológico das abelhas, causado por vírus, ácaros, estresse, desnutrição e pesticidas.
O produtor tem que estar atento para identificar se as colônias estão sendo atingidas pela aplicação de substâncias tóxicas. Segundo a cientista, é importante observar: quantidade de abelhas mortas próximo às colônias, redução da quantidade de operárias adultas, redução e mortalidade das crias em época propícia para o desenvolvimento das colônias e a redução da atividade de coleta de alimento e má-formação de larvas e de operárias adultas.
Para evitar o impacto dos agrotóxicos, Maria Teresa Rêgo recomenda o manejo integrado de pragas, com destaque para o controle biológico. No caso da seca, a pesquisa investiga manejos adequados. Os estudos avançam para recomendações simples e eficientes como disponibilização de alimentos de fácil acesso, a exemplo de sucos de frutas da estação e farinha da folha de mandioca. Para amenizar o calor, os pesquisadores estudam colmeias em locais sombreados naturalmente – debaixo de árvores – ou sob coberturas artificiais, construídas pelo apicultor. E, para fugir dos inimigos naturais, como formigas e cupins, a recomendação é instalar as colmeias em cavaletes, além de manter a área do apiário sempre limpa.
Por Fernando Sinimbu (654 MTb/PI)
Embrapa Meio-Norte
EcoDebate, 27/06/2014
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