Densidade demográfica e déficit ambiental, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[Ecodebate] A correlação entre densidade demográfica e déficit ambiental é direta: quanto maior a densidade, maior é o déficit. Ou dito de outra forma: quanto maior a densidade demográfica menor é o superávit ambiental.
A densidade demográfica é medida dividindo-se a população pela extensão do território de um país (ou região, etc). O mundo tinha uma densidade demográfica de 45 hab/km2 no ano 2000. Os dados utilizados aqui são da Divisão de População das Nações Unidas, revisão 2012.
O déficit ecológico apresentado neste artigo refere-se à diferença da pegada ecológica per capita e a biocapacidade per capita de um país, com dados de 2008, segundo a FootPrint Network. Em geral, os países com superávit ambiental são aqueles com baixa densidade demográfica e os países com alto déficit ambiental possuem alta densidade de pessoas por km2.
Tomemos como exemplo os Estados Unidos da América (EUA) e o Canadá que são dois países da América do Norte com aproximadamente a mesma dimensão territorial, mas com densidades demográficas muito diferentes.
Os EUA possuíam, em 2008, uma população de 305 milhões de habitantes, 33 habitantes por km2, uma pegada ecológica per capita de 7,19 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 3,86 gha. A biocapacidade total do país era de 1.177.000.000 gha (305 milhões vezes 3,86). Os EUA possuíam um déficit ambiental de 86%, ou seja, consumiam 86% mais do que a biocapacidade do país. No total os EUA consumiam 10% da biocapacidade da Terra. Se toda a população mundial adotasse o mesmo padrão dos EUA seriam necessários a existência de 4 Planetas.
O Canadá possuía, em 2008, uma população de 33,3 milhões de habitantes, 3 hab/ km2, uma pegada ecológica per capita de 6,43 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 14,92 gha. A biocapacidade total do país era de 496.836.000 gha (33,3 milhões vezes 14,92). O Canadá possuía um superávit ambiental de 132%, ou seja, consumia menos do que a biocapacidade do país. No total o Canadá consumia quase 5% da biocapacidade da Terra. Se toda a população mundial adotasse o mesmo padrão dos canadenses seriam necessários a existência de 3,5 Planetas.
Mas qual é a razão básica para que estes dois países vizinhos com aproximadamente o mesmo padrão de consumo e produção possuam resultados tão dispares quanto ao déficit ou superávit ambiental?
A resposta está na densidade demográfica.
Se EUA e Canadá tivessem a mesma população de 160 milhões de habitantes (e uma densidade demográfica em torno de 15 hab/ km2) a situação ambiental se inverteria, pois os EUA, mesmo com alta pegada ecológica per capita, passariam a ter superávit, enquanto o Canadá passaria a ter déficit. Vejamos os números.
Se a população dos EUA decrescesse para 160 milhões de habitantes a biocapacidade per capita subiria para 7,36 gha. Portanto, mesmo mantendo a pegada ecológica de 7,19 gha haveria um pequeno superávit ambiental.
Se a população do Canadá aumentasse para 160 milhões de habitantes a biocapacidade per capita cairia para 3,10 gha. Portanto, mantendo a pegada ecológica de 6,43 gha haveria um grande déficit ambiental. Isto quer dizer que a densidade demográfica importa e não pode ser desconsiderado na análise ambiental. Tem termos globais é importante estabilizar a densidade demográfica mundial.
Nas discussões sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos na Conferência Rio + 20, a rede (“Top-level United Nations knowledge network) instituída sob os auspícios do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, propôs uma agenda de ação para apoiar os esforços globais para alcançar o desenvolvimento sustentável durante o período de 2015-2030. No item 2 está proposto:
“Alcançar o desenvolvimento dentro dos limites das fronteiras planetárias: todos os países têm o direito ao desenvolvimento que respeite as fronteiras planetárias, garanta padrões de produção e consumo sustentáveis e ajude a estabilizar o tamanho da população global até meados do atual século”.
A questão da estabilização da população mundial (e consequentemente a estabilização da densidade demográfica) já havia sido proposta na CIPD do Cairo, em 1994. Mas agora existe uma proposta concreta, com data, para que esta estabilização ocorra até 2050. Não é uma tarefa impossível, pois basta a taxa de fecundidade total (TFT) da população mundial cair do atual patamar de 2,5 filhos para mulher para 2,1 filhos por mulher. A densidade demográfica mundial era de 19 hab/ km2 em 1950 e passou para 51 hab/ km2 em 2010, podendo se estabilizar em 70 hab/ km2 em 2050.
Estabilizar a densidade demográfica é um primeiro passo para reduzir e reverter a depleção dos ecossistemas e da biodiversidade. A diminuição da densidade seria um passo adiante. Mas não basta ter menos gente por quilômetro quadrado, pois numa perspectiva ecocêntrica, seria preciso mudar o padrão de produção e consumo da população, diminuindo a quantidade de mercadorias de luxo e o acúmulo de lixo, abrindo espaço para o crescimento das florestas e para a livre manifestação da vida selvagem.
Referências:
ALVES, JED. O déficit ambiental dos Estados Unidos e o superávit ambiental do Canadá. EcoDebate, RJ, 09/08/2013
http://www.ecodebate.com.br/2013/08/09/o-deficit-ambiental-dos-estados-unidos-e-o-superavit-ambiental-do-canada-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
UNSDSN. “An Action Agenda for Sustainable Development”, 21/10/2013
http://unsdsn.org/files/2013/11/An-Action-Agenda-for-Sustainable-Development.pdf
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 11/06/2014
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Quanto mais leio, estudo e analiso temas ambientais, mais fica claro para mim que só existem duas soluções a nível global macro político para evitar o desastre ambiental: o controle populacional e a diminuição nos níveis de consumo. Defender o direito de reprodução das mulheres e famílias como algo inquestionável é uma postura fundamentalista. Melhor suscitar esse debate agora do que esperar o desastre iminente.
Bruno, não precisa de controle, se deixar pela cabeça das mulheres e houver um mínimo de possibilidade de vida (educação, mortalidade infantil baixa, liberdade das mulheres para conseguir usar contraceptivos), as taxas de natalidade caem naturalmente. Mas o número de mulheres que não tem acesso a contraceptivos (e queria ter) no mundo ainda é grande demais.
Se quiser fazer alguma coisa a respeito disso, existe uma ONG internacional chamada Pop Offsets ( http://www.popoffsets.com ) que trabalha com isso em países de grandes taxas de natalidade (como Madagascár, Tanzânia e Etiópia) e em países de grande consumo com crescimento de população ainda positivo (como EUA e Reino Unido).
Infelizmente, nunca encontrei uma ONG brasileira que trabalhasse com esse assunto e não tivesse sido linchada até que os organizadores desistissem da mesma. O que me faz concordar que tem muitos fundamentalistas do coelhismo por aí.
Os problemas socioambientais que atingem o planeta Terra atualmente (ano 2014) têm intensidade e gravidade tão amplas que requerem dos seres humanos de todo o planeta atitudes revolucionárias imediatas, objetivando:
1) controle da população humana (a qual deverá ser reduzida e mantida em um número equivalente a 10% da atual);
2) substituição do sistema prevalente de competição entre pessoas, empresas e países por outro em que haja apenas cooperação (ou seja: substituição do sistema capitalista pelo socialismo);
3) compromisso de todos os seres humanos do planeta – já livres do capitalismo – de promoverem um trabalho educativo que tenha por objetivo a utilização racional dos conhecimentos científicos e tecnológicos existentes – ou que venham a ser desenvolvidos – de forma a se atingir o equilíbrio da atividade humana com o meio ambiente.
É ‘somente isso que é necessário fazer’. Ou seja: estamos caminhando, em ritmo cada vez mais acelerado, em direção ao precipício, e não dispomos de condição de conter essa marcha. Nosso destino está traçado.