Livro traz crítica ao economicismo presente nas políticas educacionais
Obra coordenada pela professora Nora Krawczyk reúne artigos de pesquisadores brasileiros e estrangeiros
A professora Nora Krawczyk, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Educação (GPPE) da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, acaba de publicar o livro Sociologia do Ensino Médio – Crítica ao economicismo na política educacional, composto por artigos assinados por nove pesquisadores brasileiros e estrangeiros. A obra, prefaciada pelo professor Mariano Enguita, é mais que um contraponto à lógica empresarial, que tenta se colocar como modelo para a educação brasileira. Analisa aspectos que concorrem para que o ensino no país ainda não tenha alcançado a necessária dimensão democrática. “Nossa proposta com este livro é discutir os princípios, pressupostos e consequências das políticas para o ensino médio, a partir de um campo de conhecimento pouco levado em conta. Trata-se de promover o diálogo entre as políticas educacionais e as ciências sociais, neste caso com pesquisas desenvolvidas na área da sociologia da educação”, afirma. Para ela, o olhar da sociologia crítica sobre os desafios vividos hoje pelo ensino médio “é subsídio decisivo para a formulação das políticas educacionais”.
A docente considera que “cada vez mais abordagens economicistas, embasadas em estudos superficiais, contaminam a definição de estratégias educacionais”, em particular as voltadas ao ensino médio. Tais abordagens, que ela considera atualmente hegemônicas, têm como matriz experiências advindas da gestão das empresas, aplicando à relação entre sociedade e educação conceitos de eficiência e sucesso típicos das relações de mercado. Isso se expressa, diz, na pouca atenção às dinâmicas institucionais e sociais, quando se trata de implementar determinadas ações e estratégias governamentais.
O livro é uma contraposição a esta tendência, apresentando pesquisas realizadas na América Latina e Europa, que demonstram o que as ciências sociais podem oferecer à reflexão político-educacional. A docente da FE explica que os programas governamentais voltados ao ensino médio apresentam tendências semelhantes dos dois lados do Atlântico. Daí a importância da participação na obra de pesquisadores estrangeiros – uma argentina e dois franceses, sendo que um deles está radicado atualmente no Brasil – cujos estudos muito têm contribuído à compreensão dos rumos que atualmente assume a educação.
De acordo com ela, ainda que seja uma coletânea, o livro não se limita a promover a simples compilação das investigações conduzidas pelos autores. “O fio condutor deste trabalho é aprofundar a compreensão da direção que vem tomando as políticas educacionais e as novas configurações da educação pública”, afirma.
O primeiro capítulo do livro, assinado pela própria Nora Krawczyk, analisa a ausência de diálogo entre o conhecimento produzido pela sociologia e as políticas educacionais. Para a autora, os gestores da educação privilegiam conhecimento baseado em evidências e avaliações quantitativas nacionais e internacionais, como formas de regulação educacional. Ela explica que esta abordagem expressa, em última instância, parte das contradições entre democracia e capitalismo, que têm marcado as correlações de forças internas no âmbito da política educacional.
Um tema comum a três das autoras é a chamada interdependência competitiva entre as escolas como forma de regulação educacional. A questão é abordada pelas professoras brasileiras Maria Alice Nogueira e Wania G. Lacerda e pela professora francesa Agnès van Zanten. Elas refletem sobre as políticas educacionais que hoje promovem a competição entre as escolas nos dois países, provocando sérios problemas de segregação social. “Alguns fenômenos que consideramos próprios da dinâmica institucional brasileira também estão presentes em outras culturas. Ou seja, eles são resultado de uma política educacional de dimensão global”, observa a professora da FE.
A interdependência competitiva, observam as especialistas, produz sérias implicações. “As escolas disputam os ‘melhores alunos’ para obter uma melhor avaliação de desempenho, o que está atrelado à obtenção de maiores recursos ou bônus. Como os pais querem ver os filhos matriculados nas melhores escolas, elas passam a ser muito procuradas, o que as leva a adotar um processo de seleção de estudantes. A consequência dessa postura, bastante perversa, é que as ditas melhores escolas ficam com os jovens mais ‘fáceis’ de serem ensinados, enquanto os demais são obrigados a procurar outros estabelecimentos de ensino. Ora, isso cria um claro círculo de exclusão. Ou seja, algumas escolas têm bons resultados porque têm os melhores alunos e têm os melhores alunos porque têm bons resultados”.
No volume, Bernard Charlot e Rosemiere Reis discutem outro tema: o potencial da sociologia para a compreensão do confronto dos alunos com ao saber, e apresentam resultados de pesquisa sobre os sentidos atribuídos pelos jovens e adultos ao aprender. Já Marilia Sposito e Raquel Souza tratam da relação entre juventude e escola, mas analisando a condição juvenil no marco das transformações recentes do ensino médio no Brasil, que derivam, entre outros, da expansão das matrículas e da incorporação de jovens de origem social e racial cada vez mais diversa. A organizadora da obra diz que estudos científicos apontam que os jovens não demonstram desinteresse pelo conhecimento. O que ocorre, na maioria dos casos, é que a juventude não vê suas características e interesses contemplados pelas políticas educacionais.
A escola tradicional, conforme a docente da FE, é tida como chata pelos estudantes. Isso ocorre porque a instituição foi pensada no século 19, num momento histórico em que os jovens tinham a capacidade de prever o futuro mais imediato e em que a escola era o único espaço no qual o saber era transmitido. “A juventude de hoje é muito diferente daquela do século 19, bem como o conhecimento produzido. Infelizmente, a escola não acompanhou essas mudanças. O que vai melhorar a educação no Brasil e em outros países é a adoção de políticas que coloquem a escola num novo lugar; um lugar que permita que ela recupere a sua importância cultural dentro da sociedade e que ofereça ao jovem um espaço de reflexão”, considera Nora Krawczyk. Este aspecto é analisado no livro por Guillermina Tiramonti, a partir dos problemas que hoje enfrentam os países latino-americanos ao tentar responder às demandas de incorporação social e relevância cultural da escola.
A docente da FE assinala que o tempo político não é o mesmo das mudanças educacionais. Assim, os gestores públicos adotam mecanismos para a obtenção de resultados rápidos, ainda que esses resultados não expressem a realidade. “Tais mecanismos respondem aos interesses de determinados setores da sociedade que precisam dispor de indicadores que demonstrem que o país está evoluindo nos rankings internacionais”. Uma dificuldade adicional, afirma Nora Krawczyk, refere-se ao fato de os programas serem frequentemente substituídos por outros antes mesmo de produzirem efeitos. “Essa é uma decorrência da lógica economicista usada para construir a política educacional. O pragmatismo é que conduz as iniciativas”, diz.
As políticas do setor, enfatiza a educadora, são em muitos casos legitimadas por experiências, várias importadas de outros países. Todavia, nem sempre elas vêm acompanhadas da devida avaliação. “Há sempre uma ideia nova sendo implementada. Também nesse aspecto é criado um círculo nefasto, porque dificilmente se sabe o que deu e o que não deu certo e os motivos pelos quais determinados resultados foram atingidos. E isso não acontece somente quando da troca de um governo pelo outro. Acontece num mesmo governo. Essa é uma característica da política educacional que remonta aos anos 90. Se prestarmos atenção a essas iniciativas, veremos que elas não atacam os problemas de fundo. São meras maquiagens”.
Diante de tantas dificuldades, como fazer, então, para tornar a escola mais interessante aos olhos dos estudantes? Na opinião de Nora Krawczyk, algumas medidas são indispensáveis. Ela destaca duas. Em primeiro lugar, é preciso corrigir o discurso segundo o qual a educação resolve tudo. “Isso não é verdade. A educação é um elemento importante, mas ela não determina o futuro do jovem. Hoje, a juventude tem um futuro difícil, pois o mercado de trabalho está mais exíguo e a concentração do conhecimento é muito maior que no passado. Então, essa contradição entre o discurso que vemos na mídia e a realidade acaba desvalorizando a própria escola. Ou seja, surge o entendimento que diz: ‘se ela não cumpre o que promete, não serve para nada. É necessário recuperar o sentido cultural da escola para o jovem”, insiste. Outra questão fundamental, assinala, é pensar a educação como um fenômeno complexo e dentro de um contexto em que sejam contempladas também políticas sociais e econômicas. “A educação é um fenômeno multideterminado e por isso politicas isoladas não resolvem”.
Serviço
Título: Sociologia do Ensino Médio – Crítica ao economicismo na política educacional
Organizadora: Nora Krawczyk
Autores: Diversos
Editora: Cortez
Páginas: 208
Preço sugerido: R$ 32,40
EcoDebate, 02/06/2014
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