Conservação de recursos genéticos na Amazônia é menor que 1% das espécies conhecidas
Embora se destaque a imensa biodiversidade amazônica, as ações para conservação e uso de recursos genéticos amazônicos envolvem menos de 1% do total de plantas conhecidas da região, segundo destaca o pesquisador biólogo Charles Clement, que é referência mundial quando se trata de recursos genéticos amazônicos e origem e domesticação de plantas em cultivos amazônicos. Professor de pós-graduação em programas de mestrado e doutorado, Clement levou seus alunos para conhecer algumas ações de conservação de recursos genéticos, visitando os Bancos Ativos de Germoplasma (BAG) e coleções da Embrapa Amazônia Ocidental, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Manaus (AM).
Na foto: Alunos de pós-graduação em visita às coleções de recursos genéticos da Embrapa em Manaus.
De acordo com Clement, existem cerca de 20 mil espécies de plantas superiores na região amazônica (considerando plantas com flores e frutos, sem contar os musgos) e desse total, em torno de uma dezena, ou 0,05% das espécies conhecidas recebem ações coordenadas para conservação de recursos genéticos. Das 20 mil espécies, se tem conhecimento sobre o uso de 3.500 espécies, das quais 83 têm populações que foram domesticadas e destas apenas 15 chegaram ao mercado.
A informação foi dada durante visita à Embrapa Amazônia Ocidental, que reuniu 13 alunos de mestrado e doutorado de três programas de pós-graduação: de Botânica, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), de Biotecnologia, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam); e da Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Bionorte), que é um programa multi-institucional e interdisciplinar voltado para a formação de doutores em temas relacionados à biodiversidade Amazônica.
Os alunos conheceram parte do trabalho que a Embrapa vem fazendo em ações de conservação de recursos genéticos para pesquisa científica. Os locais visitados foram o Banco Ativo de Germoplasma de Guaranazeiro e a Coleção de espécies florestais nativas da Amazônia, apresentados respectivamente pelos pesquisadores da Embrapa Amazônia Ocidental, Nelcimar Reis e Roberval Lima. Existem outros BAGs e coleções nesta e em outras Unidades da Embrapa, em todo o País, integrando a Plataforma Nacional de Recursos Genéticos, que integra redes voltadas à utilização e a conservação de recursos genéticos vegetais, animais e microbianos, – a maioria reunindo amostras de espécies de interesse para agricultura e alimentação. A conservação do recurso genético é mais do que o armazenamento ou o plantio de uma espécie, e inclui um conjunto de atividades e políticas que assegurem a existência e a contínua disponibilidade de um recurso genético, para que seja utilizado em aplicações diversas no presente e no futuro em favor da sociedade.
O pouco que se conhece do muito que se tem
Clement avalia que o que existe de conservação e uso dos recursos genéticos na Amazônia é muito pouco diante do potencial que se tem e isso faz diferença quando se quer alcançar o mercado. “Quando aumentamos a escala (de produção) para entrar no mercado, aí que vem a dificuldade, em encontrar plantas adaptadas, resistentes a pragas e doenças”, disse. Daí a importância de se ter o conhecimento da variabilidade genética de uma espécie e poder usá-la de acordo com a necessidade.
Na foto: Pesquisadores Charles Clement e Nelcimar Reis, no BAG de guaranazeiro
A pesquisadora da Embrapa Amazônia Ocidental, Nelcimar Reis, apresentou o Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de guaranazeiro, composto por 270 clones diferentes da espécie. Os clones são mantidos no campo em plantio e sua origem vem de coletas realizadas na década de 80, nos municípios amazonenses de Maués, Manaus e Iranduba. A pesquisadora Nelcimar exerce a curadoria do banco e explica que o curador tem a responsabilidade de conhecer e cuidar desse acervo para ser mantido para as gerações futuras. “É uma responsabilidade muito grande, porque é uma espécie nativa da Amazônia, que só ocorre aqui e todo o material está guardado aqui, para ser utilizado agora e no futuro, é uma espécie com grande potencial, e que ainda tem muito a ser conhecido”, afirma. Esse é o único banco de germoplasma de guaraná no mundo. Uma das principais dificuldades encontradas é que a manutenção do material em campo exige investimento e depende de recursos humanos para que seja bem cuidado e não se perca.
Nelcimar explicou que a partir desse BAG começaram as pesquisas para melhoramento genético do guaranazeiro. Inicialmente era feita a caracterização no campo e depois passou-se a fazer também no Laboratório de Biologia Molecular para verificar a variação genética. “Queremos saber se as diferenças encontradas no campo estão realmente no DNA”, explica. “Metade da coleção já foi avaliada”, afirma. Essas avaliações se complementam e espera-se com isso poder identificar mais precisamente a variação genética encontrada nos guaranazeiros e utilizar esse conhecimento para enfrentar problemas concretos, como doenças que afetam a produção, por exemplo a antracnose e superbrotamento, além de aumentar a produtividade da cultura. O Programa de Melhoramento Genético do guaranazeiro já recomendou 18 clones, para serem cultivados pelos agricultores, por apresentarem alta produtividade e resistência a doenças. “Não tem sentido conservar sem utilizar e o maior exemplo da utilização desse recurso genético são os 18 clones recomendados”, afirma.
“O exemplo que acontece com o guaraná é excelente com o que Embrapa está fazendo. Replicar isso para as outras 83 espécies que foram domesticadas na região requer muito mais do que a Embrapa hoje pode fazer”, afirma Clement, comentando sobre a importância de se investir na conservação e uso dos recursos genéticos.
O pesquisador Roberval Lima apresentou a Coleção de espécies florestais nativas da Amazônia, que reúne plantios florestais com o objetivo de conservar material genético com potencial para uso futuro. Estes plantios fizeram parte de um projeto em rede nos estados da região norte para selecionar espécies em relação ao solo e clima na Amazônia. No Amazonas, inicialmente eram em torno de 70 espécies. Atualmente estão selecionadas 12 espécies de rápido crescimento e melhor desempenho nas condições de solo e clima da região. Roberval informou que embora no Amazonas ainda sejam poucos os plantios florestais com espécies nativas, a partir desses estudos pode se dispor de espécies florestais sabendo quais as melhores com potencial para reflorestamento para atender diferentes usos como indústria de móveis, construção civil, produção de energia entre outros. Na coleção podem ser encontradas espécies como o angelim-pedra, copaíba, jatobá, cumaru, virola, castanheira-do-brasil, entre outras. O pesquisador explicou que esses resultados com espécies nativas para uso em reflorestamento podem ser aplicados para apoiar o produtor na adequação ambiental das propriedades ao novo Código Florestal, buscando conciliar produção e conservação.
A visita ocorreu no final de abril, envolvendo 13 alunos de mestrado e doutorado.
Fotos: Síglia Souza.
Texto de Síglia Regina, da Embrapa Amazônia Ocidental, publicado pelo EcoDebate, 09/05/2014
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