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João XXIII e o profeta do Pajeú na luta pela Terra, artigo de Cristiano Morsolin

[EcoDebate] Diante de uma multidão na Praça São Pedro, os papas João Paulo II e João XXIII foram canonizados pelo papa Francisco ontem, domingo 27, em uma missa sem precedentes na história da Igreja Católica.

O papa Francisco mencionou a importância do Concílio Vaticano II, encontro convocado por João XXIII em 1962 que reformou diretrizes e abriu as portas da Igreja para o mundo moderno. “Na convocação do Concílio, João XXIII demonstrou uma delicada docilidade ao Espírito Santo, deixou-se conduzir e foi para a Igreja um pastor, um guia-guiado. Este foi o seu grande serviço à Igreja; foi o papa da docilidade ao Espírito”, afirmou.

Papa Francisco coincide com João XXIII no compromisso pela paz, em sua vontade de renovar a Igreja e mesmo numa certa intolerância pela prisão vaticana.

Papa Roncalli escolheu deliberadamente o termo “aggiornamento” [atualização], preparando-se para a sua obra de renovação, porque a palavra reforma assustaria os setores mais conservadores.

Roncalli também inseriu no órgão dirigente do Concílio personalidades reformadoras como o Cardeal belga Suenens, Dom Helder Câmara, Dom Aloísio Lorscheider, Dom Manuel Larraín (Chile), Dom Leonidas Proaño (Equador).

Sem esse impulso inovador, a assembleia conciliar não poderia desdobrar todas as suas potencialidades. Ainda hoje, os documentos do Vaticano II são a base do novo curso de Francisco.

Pacto das Catacumbas por uma Igreja pobre, sem poder e profética

No dia 16 de novembro de 1965, há 49 anos, poucos dias antes do encerramento do Vaticano II, cerca de 40 padres conciliares celebraram uma Eucaristia nas Catacumbas de Domitila, em Roma, pedindo fidelidade ao Espírito de Jesus. Depois dessa celebração, assinaram o “Pacto das Catacumbas”. O documento é um desafio aos “irmãos no Episcopado” a levar adiante uma “vida de pobreza”, uma Igreja “serva e pobre”, como sugerira o Papa João XXIII.

Os signatários – entre eles muitos brasileiros e latino-americanos, embora muitos outros aderiram ao pacto mais tarde – se comprometiam a viver em pobreza, a renunciar a todos os símbolos ou privilégios do poder e a pôr os pobres no centro do seu ministério pastoral.

A reforma tem que vir de dentro. E essa reforma interior, a fazer dentro dos corações, também se buscou ensaiar durante os anos em que durou o Concílio Vaticano II. E se dava mais nos bastidores do Concílio, lembra Dom Antônio Batista Fragoso, bispo de Crateús – Ceará.

Nós éramos um grupo de cerca de 30 bispos, alguns cardeais, que nos reuníamos, na parte da tarde, no Colégio Belga, para refletir sobre temas da atualidade como o da identidade de Jesus com os pobres. Quero entender o significado do que está escrito “Isto é o meu Corpo”, como entendemos isto com relação aos que passam fome, aos doentes, aos presos, aos estrangeiros: “aí estou eu”, “Eu sou isto”.

Tratava-se de dar consequência disto para a nossa vida pastoral e para a nossa espiritualidade, a partir desse entendimento da identidade de Cristo com os pobres.

E, após quatro anos, por ocasião do encerramento do Concílio, buscamos firmar um pacto entre nós, de nos comprometermos mais firmemente com alguns pontos mais importantes dessa experiência. Então nos reunimos na Catacumba de Santa Domitila, para celebrar esse pacto, pelo qual nos comprometemos a fazer incidir em nossa vida pastoral a causa dos pobres.

Além dos cerca de 40 signatários presentes à celebração do Pacto das Catacumbas, cerca de 500 bispos acabaram aderindo ao mesmo Pacto das Catacumbas”.

E assim decidiram formular um texto contendo 13 pontos, que passariam a ser tomados como suas metas de compromisso pessoal, pastoral e de sua espiritualidade.

Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral – dois terços da humanidade – comprometemo-nos: a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres; a requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria (1)”.

O texto teve uma forte influência sobre a Teologia da Libertação, que surgiria nos anos seguintes.

Um dos signatários e propositores do pacto foi Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho,Bispo de Afogados da Ingazeira (PE) (1961-2001), bispo emérito de Afogados da Ingazeira (PE). (2001-6),Coordenador da Pastoral Rural (1985-88) da CNBB Regional NE 2 (2).

Dom Francisco, vida enraizada

Dom Francisco, profeta do Pajeú

À semelhança das árvores, também as pessoas têm raízes. A extensão e a profundidade das raízes dão segurança às árvores; da mesma forma, no universo humano, a solidez das raízes está intimamente relacionada com a natureza da convivência que se estabelece entre as pessoas, ao longo dos anos. Na realidade, nada é indiferente, nada é neutro no mundo dos seres vivos. Assim como o equilíbrio ecológico assegura uma interação entre os elementos que dão vida à vegetação de um determinado ambiente, igualmente, na vida das pessoas, que estão bem situadas no seu meio, se estabelece uma forte empatia, de maneira especial, quando há uma causa maior que as identifica e, por consequência, as aproxima.

É nessa chave de leitura que vemos a figura do segundo Bispo de Afogados da Ingazeira, recentemente falecido, Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho. Sertanejo  cearense, de origem, sertanejo do Pajeú, por missão e opção. Portanto, um homem com raízes extensas e profundas, identificado com o seu tempo e alicerçado em seu meio; eclesial, social e politicamente, Dom Francisco teve sua vida enraizada no sertão pernambucano e na realidade nordestina.

Não lhe faltou a consciência de ser Bispo de seu tempo. Nessa condição, teve a oportunidade de viver a experiência rara de Padre conciliar, com os desafios e as expectativas, respectivamente, de João XXIII e de Paulo VI, ao convocar o Concilio Vaticano II, ao encerrá-lo e ao conduzir a implementação de suas disposições teológicas e pastorais. O Concilio lhe abriu horizontes eclesiais; por isso, em seus 45 anos de episcopado como membro da CNBB, atuou, com clarividência, na elaboração das diretrizes da ação evangelizadora da Igreja no Brasil, participou, com lucidez, da vida do Regional Nordeste 2 e norteou, com firmeza, a caminhada pastoral da Diocese de Afogados da Ingazeira.

Não lhe faltou a consciência de ser cidadão. Acompanhou a vida social do país e da região nordeste, identificando os seus estrangulamentos e enxergando suas potencialidades. A título de exemplo, em razão de sua consciência cidadã e de sua experiência, foi escolhido pela CNBB para integrar a Comissão Especial do “Mutirão Nacional para superação da miséria e da fome” cujo objetivo “é combater o escândalo da fome crônica e da carência alimentar que aflige milhões de brasileiros e brasileiras”. Sua coerência profética se fez ouvir, diante do histórico estado de miséria e pobreza que a estrutura de desigualdade social impõe a milhões de brasileiros. No período extremamente difícil da ditadura militar no Brasil, manteve-se fiel ao exercício de sua missão, como pastor e cidadão.

Eu ouvi os clamores do meu povo”: o episcopado profético do nordeste brasileiro

Iraneidson Santos Costa – Professor Adjunto II do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia considera o bispo Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho parte do “Episcopalismo Profético”.

Poucas gerações foram tão afins ao conceito de Episcopalismo Profético quanto os bispos nordestinos da segunda metade do século XX. Para efeito de demonstração, priorizamos neste artigo um grupo específico destes bispos, os signatários do documento “Eu ouvi os clamores do meu povo”, de 6 de maio de 19738. A historiografia da Igreja Católica não hesita em reconhecer neles “as declarações mais radicais jamais publicadas por um grupo de bispos em qualquer parte do mundo” (LÖWY, 2000, 145 (3), na medida em que denunciava, com base em estatísticas fornecidas pelos próprios órgãos oficiais, a realidade de miséria vivenciada pelos homens e mulheres nordestinos em termos de renda, trabalho, alimentação, habitação, educação e saúde.

Trazia, ademais, uma incisiva crítica ao alardeado “milagre”, desmascarado como “a maior ofensiva da história brasileira em favor da penetração de capitais estrangeiros”, terminando por concluir queo presente modelo de crescimento econômico, de resultados inúteis para a classe dos trabalhadores e oprimidos, visa desviar o nosso povo dos verdadeiros objetivos globais de transformação da sociedade. O processo histórico da sociedade de classe e a dominação capitalista conduzem fatalmente ao confronto das classes (…). A classe dominada não tem outra saída para se libertar, senão através da longa e difícil caminhada, já em curso, em favor da propriedade social dos meios de produção (…). O Evangelho nos conclama, a todos os cristãos e homens de boa vontade, a um engajamento na sua corrente profética (BISPOS e Superiores Religiosos do Nordeste, 1973, p, 59 (4).

Nos anos seguintes do Pacto das Catacumbas, dois manifestos – dos Bispos do Nordeste, em 1966, e dos Bispos do Terceiro Mundo, em 1968 – revelariam como o profetismo deve ser compreendido: antes como processo que evento. Divulgado em 14 de julho de 1966 pelo Regional Nordeste 2 da CNBB (CNBB Regional NE 2), o Manifesto dos Bispos do Nordeste teve como finalidade precípua sair em defesa de um documento lançado quatro meses antes pela Ação Católica Operária (ACO) do Nordeste, no qual se denunciava com palavras fortes a situação de desprezo, perseguição e exploração da classe operária.

Por seu turno, o aparecimento, em março de 1967, da Populorum Progressio, a mais importante encíclica social do papa Paulo VI, motivou a publicação de outro Manifesto, agora por parte de um coletivo bem mais amplo, que incluiu dezessete bispos de diversos países da África (Argélia e Egito), América Latina (Brasil e Colômbia), Ásia (China, Indonésia, Laos e Líbano), Leste Europeu (Iugoslávia) e Oceania. Uma vez mais capitaneado por dom Hélder Câmara, o “Manifesto dos Bispos do Terceiro Mundo”, datado de 15 de agosto daquele ano, trazia nada menos que cinco (ou seja, 30% do total) bispos proféticos nordestinos (além de dom Hélder, Antônio Fragoso, Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, Manuel Pereira da Costa e Severino Aguiar), defendendo uma postura bem mais radical:

Tomando consciência de certas necessidades para alguns progressos materiais, a Igreja, há um século, tolerou o capitalismo com o empréstimo a interesse legal e seus outros usos conformes à moral dos profetas e do Evangelho. Mas ela só pode se alegrar vendo aparecer, na Humanidade, um outro sistema social menos afastado dessa moral. […] Os cristãos têm o dever de mostrar que o verdadeiro “socialismo” é o cristianismo integralmente vivido, a justa divisão dos bens e a igualdade fundamental de todos. Longe de aborrecê-lo, saibamos aderir a ele com alegria, como uma forma de vida social melhor adaptada a nosso tempo e mais conforme ao espírito dos Evangelhos. Evitaremos, assim, que alguns confundam Deus e a religião com os opressores do mundo, dos pobres e dos trabalhadores, que são, com efeito, o feudalismo, o capitalismo e o imperialismo” (MANIFESTO dos Bispos do Terceiro Mundo, 1968, p. 210 (5).

Romarias da Terra

As realizações das Romarias da Terra datam do período seguinte ao Concílio Vaticano II.

No Nordeste a primeira Romaria ocorreu na gruta de Bom Jesus da Lapa (BA), em julho de 1978, representada pelo evento Missão da Terra. Omotivo daquela Missão foi causado pelas consequências da implantação dabarragem de Itaparica pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco, CHESF, que deslocou a população da área inundada, afetando de formadanosa a população residente nas áreas do submédio São Francisco, dosestados da Bahia e Pernambuco. Diante daquela situação, representantes da Comissão Pastoral da Terra CPT tiveram atuação marcante junto aos sindicatos dos trabalhadoresrurais, esclarecendo sobre a necessidade de uma maior geração de energia “…não deveria esmagar o povo, que produz, que paga impostos e que sustenta a nação” (CPT – 2a Assembleia Nacional 24/29 de setembro, 1979).

A partir daquele ano gradualmente as Romarias da Terra foram sendo difundidas nos demais estados, de acordo com as particularidades de cada área e dos seus organizadores.

No Sertão do Pajeú em Pernambuco a prática das Romarias da Terra também foi iniciada nos anos 90, motivada principalmente pelo período deseca, considerado pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, Sudene (1993) como o maior do século vinte.

Em torno dessa problemática, Dom Francisco Austregésilo de Mesquita, personalidade de forte capacidade conectiva e diretiva, própria do intelectual orgânico, no dizer gramsciano, por Maria de Fátima Yasbeck Asfora, Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (6) – concedeu entrevista à imprensa, criticando a omissão dos políticos nordestinos, além de legitimar os saques como arma a ser utilizada pelos agricultores famintos:

Os saques famélicos são excludentes de criminalidade, sendo reconhecidos pelo próprio Código penal brasileiro (…) É preciso um plano permanente que trate dos problemas e efeitos da seca. Nós somos gente, não somos coisas. Somos filhos de Deus e precisamos ter respeitados os nossos direitos humanos. Não podemos continuar sendo tratados como “gado”.

O profeta do Pajeú

Segundo Bispo Diocesano de Afogados da Ingazeira, se estivesse vivo, Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho faria 90 anos em 3 de abril.

Adelmo Barbosa, Professor e Secretário Municipal em Flores – PE declarou que “comemoraremos os 90 anos de nascimento do mais importante homem do Pajeú. O mais conhecido nas gerações que se sucederam desde 1960: Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho. Para nós, D. Francisco. Para os mais conhecidos e mais chegados D. Chico, (e para os que tinham coragem de “desafiá-lo” e chamar assim). Para o Brasil e o Mundo, D. Austregésilo. Assim era conhecido nos meios religiosos e acadêmicos.

Não sou a pessoa mais certa para falar dele. Não tenho todo o conhecimento de um Padre Assis, que conviveu com ele durante quase toda sua vida, desde os tempos de Seminário em Sobral, quando um era reitor e o outro seminarista. Nem de um D. Egídio, um dos primeiros padres italianos a conhecer a “fúria” (num bom sentido) do Homem-Palavra. Mas como qualquer cidadão pajeuzeiro ou afogadense, dados os limites geográficos de nossa querida Diocese, tenho condição sim, de falar de meu bispo. Palavras simples, é claro, mas de coração.

Cresci ouvindo-o ao som da histórica Rádio Pajeú de Afogados da Ingazeira, nas missas transmitidas ao vivo ou no “A nossa palavra” lendário e histórico programa que ajudou a tanta gente nestas plagas sertanejas.

Na missa, sempre começava com os dizeres “Meu querido irmão, minha irmã querida em Nosso Senhor Jesus Cristo. Aqui presente na Catedral de Afogados da Ingazeira, ou participando da missa através das ondas amigas da Rádio Pajeú”. E encerrava sua homilia com a jaculatória “Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, eternizada por Luiz Gonzaga em “Respeita Januário” e voz comum nas casas sertanejas como “prefixo” tal como disse Rei. No Programa, começava sempre com o seu forte boa tarde “Meus queridos radiouvintes, boa tarde”. Lembro-me que mamãe respondia “Boa Tarde” como se estivesse dizendo “Amém”. Ou então: Seja bem-vindo, D. Francisco, pode entrar em nossa casa.

Independentemente do tempo, D. Francisco foi homem à frente do seu tempo. Desde que foi anunciado por João XXIII bispo de Afogados da Ingazeira, no longínquo 1961, mostrou-se capaz de entender a vida do homem sertanejo. Falava por ele e fazia muito mais ainda. Como bispo e como homem.

Ele antecipara em suas palavras o que o Código Civil Brasileiro corrigiria um ano após sua “aposentadoria” em 2002. Ao dirigir-se ao povo, falava no homem e na mulher – “Meu querido irmão, minha irmã querida” –, e, ao dirigir-se à comunicação através da Rádio Pajeú, dizia: “… ou participando desta missa…”. Em uma época em que a palavra participar não era tão usada, ou por conta da fragilidade do sistema, ou por desconhecimento do povo.

Lembro-me, que ao falecer, em 7 de outubro de 2006, Padre Assis, ao ser convidado a falar sobre ele na Rádio FLORESCER – FM, passou 15 minutos desbravando seus feitos na região. E, em nenhum momento falou, em fé, em Igreja, em Deus. Não porque não quisesse ressaltar seus feitos religiosos, mas porque preferiu falar do homem social que foi D. Francisco. O homem que disseminou a comunicação no Pajeú. Destarte ter sido D. Mota – a quem sucedeu no comando do pastoreio – a instalar a Rádio Pajeú, D. Francisco não só a manteve como fez dela o maior veículo (até hoje) de comunicação do Sertão.

Mas não foi só na igreja nem na comunicação que se esmerou. Ele foi, sem dúvida, o maior defensor da pobreza do Vale sofrido. Não se intimidava diante de políticos, nem de pessoas de qualquer natureza, fosse na Rádio, na Igreja, debaixo dos pés de árvore onde celebrava missas e fazia reuniões, fosse nos salões nobres da Assembleia Legislativa de Pernambuco, ou nos mais altos andares da SUDENE, nas secas que insistentemente rondavam o Sertão. Sem querer agravar ninguém, digo, que sentimos falta de sua voz na última seca que assolou o Sertão Nordestino e que não sabemos se já acabou. Apesar da chuva que cai, graças a Deus.

D. Francisco dá nome à ponte que liga a cidade de Afogados da Ingazeira ao bairro do mesmo nome (Bairro da Ponte). E não sem razão, porque foi o maior defensor da passagem que liga a Capital do Vale do Pajeú às demais cidades da Diocese. Talvez porque ele foi a ponte que ligou Deus e o Povo Sertanejo. Ele falou da justiça, de como devemos agir em meio às dificuldades terrenas e de como deveríamos encontrar Deus aqui mesmo no Sertão.

Nossos momentos foram muitos. Inclusive no dia em que ele almoçou feijão com arroz (o que tínhamos) em nossa humilde casa do Riacho dos Barreiros; e fazia assim em qualquer lugar: desde as Pedras Soltas da divisa da serra do Teixeira, até a Pedra do Reino, (onde começa e termina os limites diocesanos) na divisa com o seu Estado de nascimento – o Ceará. Porque ele era Homem-Povo.

Mas quero destacar três momentos especiais com ele: o primeiro em uma entrevista concedida a Jonas Ramos para a Rádio FLORESCER, em sua casa cheia de livros, onde mostrou-se humilde e sensato. Falando como um professor ou como um Pai, a seus filhos, medrosos e assustados. Tão assustados que se esqueceram de se apresentar ao pastor. Estávamos: Jonas Ramos, Penha Vieira, Eddy Silva, Cosmo Queiroz, Carlinhos do Alto, Nice – Secretária de Paróquia de Flores – e Eu (não me lembro se tinha mais alguém). Nossas pernas bambeavam porque éramos nós e ele, numa entrevista intermediada por Padre Assis que, apesar de facilitar nossa entrada, nos deixou a sós com o Pastor.

Outra foi quando participei do Curso Bíblico-Teológico, no inesquecível Centro de Treinamento Diocesano em Afogados da Ingazeira. Em um dia de janeiro de 2003, quando falou por 5 horas seguidas, nessa, falou sobre o Concílio Vaticano II, do qual foi um dos padres conciliares.

Por último, da visita que fiz a ele em sua humilde residência (humilde no melhor sentido da palavra), em frente ao mesmo Centro de Treinamento (hoje o Centro é na imponente Escola Stella Maris em Triunfo), onde, em companhia de Assunção Roberto, fui convidá-lo para dar-nos uma palestra explicando o documento 69 da CNBB, do qual foi um dos idealizadores e redatores com D. Luciano Mendes de Almeida, e que fala das Diretrizes da CNBB no Mutirão Contra a Miséria e a Fome. A essa visita em forma de convite, sucedeu-se uma palestra na Câmara de Vereadores de Flores, na qual, mesmo aos 80 anos, falou três horas em pé, sem titubear em nenhum momento e sem beber água.

Desses três momentos, além dos outros inúmeros que eu tive o privilégio de viver com ele, como muitos de nossos diocesanos, ficou uma certeza: nós tivemos no Pajeú um Homem-Palavra, um Homem-Verdade, um Homem-Povo, um Homem-Justiça.

Se vivo fosse, completaria 90 anos nesta primeira semana de abril. Mas nós comemoraremos por ele, para que as gerações futuras nunca se esqueçam que o Pajeú teve alguém que nos defendeu. Um cearense arretado, tal como D. Helder e Miguel Arraes, desses que só nascem uma vez na vida.

Um advogado dos pobres. Um bispo. Um profeta (7)”.

O atual bispo da Diocese Afogados da Ingazeira, e dom Egidio Bisol, 64 anos, missionário italiano “fidei donum” esteve ligado a dom Francisco Austregésilo, bispo conhecido pela defesa intransigente do sertanejo e da correta aplicação dos recursos públicos, Dom Egidio está continuando a profecia do Dom Francisco.

CPT lança o relatório Conflitos no Campo Brasil 2013

No dia 28 de abril, segunda-feira, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou sua publicação Conflitos no Campo Brasil 2013 (8). É a 29ª edição do relatório anual que reúne dados sobre os conflitos e violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, neles inclusos os indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais.

O relatório destaca que houve 34 assassinatos no campo em 2013, contra 36 no ano anterior. Outros pontos que chamam atenção é que 15 desses assassinatos são de indígenas além de 10 das 15 vítimas de tentativas de assassinato, e 33 das 241 pessoas ameaçadas de morte. Em nenhum outro período houve registro semelhante.

A Amazônia continua como o principal palco dos conflitos. Nela se concentram 20 assassinatos ocorridos, 174 das 241 das ameaças de morte, 63 dos 143 presos, e 129 dos 243 agredidos. Das populações tradicionais que, em 2013, foram vítimas de algum tipo de violência, 55% se localizavam na região.

É importante que toda a Igreja Católica Universal, do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), os militantes da CPT, tenham memoria da luta na fé do Dom Francisco.

NOTAS

  1. http://kairosnostambemsomosigreja.wordpress.com/2014/04/15/rememorando-o-pacto-das-catacumbas-com-dom-helder-camara-dom-antonio-fragoso-dom-adriano-hipolito/

  2. A CNBB Regional NE 2 inclui os Estados de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Nordeste, com sede em Recife.

  3. LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000.

  4. MANIFESTO dos Bispos do Nordeste (Recife, 14 jul. 1966). In: CIRANO, Marcos (org.). Os caminhos de Dom Hélder: perseguições e censura (1964-1980). Recife: Guararapes, 1983. p. 19-20.

  5. MANIFESTO dos Bispos do Terceiro Mundo (15 ago. 1967). Paz e Terra, Rio de Janeiro, v. 3, n. 6, p. 205-215, abr. 1968.

  6. Maria de Fátima Yasbeck Asfora, Universidade Federal Rural de Pernambuco. ROMARIAS DA TERRA E DAS ÁGUAS: NOVAS EXPRESSÕES DAS REIVINDICAÇÕES DOS TRABALHADORES RURAIS. 1º ENCONTRO DA REDE DE ESTUDOS RURAIS, julho de 2006, UFF, Niterói (RJ)

  7. http://blognoticiasemdestaque.blogspot.com/2014/03/cronica-os-90-anos-de-d-francisco-na.html

  8. www.cptnacional.org.br

Cristiano Morsolin, operador de redes internacionais para a defesa dos direitos humanos e da criança na América Latina. Cofundador do OBSERVATÓRIO SELVAS de Milan (Italia) e colaborador internacional do Portal EcoDebate.

EcoDebate, 29/04/2014


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Alexa

One thought on “João XXIII e o profeta do Pajeú na luta pela Terra, artigo de Cristiano Morsolin

  • Se nada há mesmo a ser feito, a Igreja Católica deveria assumir o comando de todos os países capitalistas, e tudo estaria resolvido.

Fechado para comentários.