Chevron e os danos socioambientais no Equador: crime sem castigo, por Luiz Eça
Resíduos da Chevron no Equador. Foto do CUBADEBATE
[Correio da Cidadania] A Chevron acaba de ganhar um processo nos EUA contra 30 mil indígenas e sitiantes do Equador. Eles pleiteavam uma indenização por catástrofe ambiental provocada pela gigantesca petrolífera, uma das maiores do mundo.
Que envenenou toda a água de uma região e causou efeitos destruidores em extensas áreas da floresta amazônica, a maior reserva de oxigênio do planeta.
Tudo começou assim. Entre 1964 e 1992, a Chevron explorou petróleo na região de Oriente, no leste da Amazônia equatoriana.
Depois se retirou, levando consigo bilhões de lucros, e deixando derramados no solo um legado de 18 bilhões de galões de resíduos tóxicos, contendo hidrocarboneto aromático policíclico, em níveis muitas vezes mais alto do que o permitido nos EUA.
Com isso, toda a água da região foi contaminada, aumentando em 150% as chances das pessoas de contraírem câncer, além de causar graves doenças e outros problemas de saúde nos atuais moradores e até nas próximas gerações.
Relata a ONG Friends of The Forest: “Morte, abortos e defeitos de nascimento se espalham pelas comunidades, ameaçando alguns grupos indígenas de extinção. A destruição do meio ambiente das florestas foi devastadora”.
Desde 1993, advogados de moradores das áreas afetadas abriram processos contra a Chevron, exigindo que limpasse a sujeira provocada e reparasse os danos causados à saúde das pessoas.
Em 1995, a empresa concordou, em parte. No entanto, a limpeza que fez foi meramente cosmética. Limitou-se a cobrir de lixo fossas de petróleo usadas pela companhia para armazenar permanentemente detritos de petróleo e de produtos químicos, que acabavam penetrando nos suprimentos subterrâneos de água.
O processo prosseguiu e, em 2011, uma corte de justiça equatoriana decidiu a favor dos querelantes, condenando a Chevron a lhes pagar 19 bilhões de dólares.
Houve recursos e a corte superior reduziu as indenizações a 9,5 bilhões de dólares. Mas os pobres índios e sitiantes não receberam nada.
A Chevron já havia se mudado do Equador, não deixou quaisquer recursos para cumprir a sentença a que fora condenada.
A solução seria processá-la nos EUA e outros países, onde ela opera. Começaram por New York, onde ficavam seus escritórios centrais. Um acordo sequer foi tentado.
Em entrevista à revista New Yorker, diretores da Chevron afastaram esta possibilidade: “Nós lutaremos até mesmo se o inferno congelar. E, se isso acontecer, lutaremos no gelo”.
A gigantesca multinacional convocou um time de 60 firmas de advogados para defender sua causa.
Eles alegaram que a Chevron era a vítima, não os 30 mil moradores da floresta, que estariam tentando enganar a justiça com acusações falsas.
Os pobres equatorianos, junto com seu advogado, Steven Donziger, foram acusados de promover uma extorsão contra a Chevron.
A empresa apelou para o estatuto RICO – criado originalmente para processar sindicatos do crime organizado.
Apresentou provas de que um dos juízes equatorianos teria sido subornado por alguém ligado à causa das comunidades atingidas.
O SF Gate – blog de San Francisco (em 23/2/2014) – lembrou memorando que, em 2008, Sam Singer – um expert em gerenciamento de crises – enviou ao executivo da Chevron, Ken Robertson. Aconselhava a Chevron a acusar o judiciário equatoriano de corrupto e montar um ataque contra os indígenas e sitiantes e seus advogados. O que foi feito.
A Chevron apresentou depoimentos de um ex-juiz do Equador, narrando o suborno de um dos juízes do processo para dar ganho de causa aos querelantes.
Essa figura, Alberto Guerra, a testemunha-chave da argumentação em favor da Chevron, acabou admitindo que a “Chevron pagou 48 mil dólares por evidências físicas do suborno e para pagar despesas de viagem dele e de sua família… despesas de advogado… e comprometeu-se a lhe pagar 12 mil dólares mensais, durante 2 anos, para suas despesas nos EUA”.
Muito em função do que essa testemunha relatou, o juiz Kaplan considerou desnecessário examinar todos os pareceres científicos dos danos causados ao povo e ao ambiente da floresta amazônica leste. E proibiu que fossem apresentados no julgamento pelo advogado dos 30 mil prejudicados.
Esqueceu-se de que os advogados da Chevron violaram lei federal ao pagarem pelo depoimento de uma testemunha e, especialmente, ao subornarem o ex-juiz Alberto Guerra para depor a seu favor.
Pelo princípio de que a árvore doente contamina os seus galhos, tudo apresentado com base no que foi obtido ilegalmente teria de ser desconsiderado.
Mas Kaplan considerou a Chevron inocente.
Para muitos advogados que acompanharam o processo, o juiz estava predisposto contra os autores do processo.
Tentou mesmo decidir de forma definitiva, excluindo a possibilidade de recurso a instâncias superiores, o que, porém, foi recusado.
Os 30 mil pobres equatorianos, sob ameaça do câncer e mortes prematuras, e comunidades indígenas condenadas a desaparecer por abortos, mortes de nascituros e crianças defeituosas, perderam esta batalha.
Mas não a guerra. Há recursos na justiça norte-americana e processos em andamento no Brasil, Canadá e México, onde a Chevron tem negócios e consideráveis ativos.
A lei tarda, mas não falha. Vamos ver se é verdade.
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Luiz Eça é jornalista.
Website: www.olharomundo.com.br
Artigo originalmente publicado no Correio da Cidadania, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
EcoDebate, 27/03/2014
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