As cidades, a população e o nosso futuro comum, artigo de Washington Novaes
Foto: Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas
[O Estado de S.Paulo] O noticiário dos jornais e da televisão anda sobrecarregado de informações sobre os nossos grandes dramas urbanos – falta de mobilidade, transportes precários, inundações, violência, etc. – e a ausência de perspectiva de soluções, com o número de habitantes crescendo. Ao mesmo tempo, leitores mandam mensagens para o autor destas linhas sugerindo que o único caminho seria reduzir a população – o Brasil já tem 85% da população nas cidades, só 15% nas zonas rurais (cerca de 30 milhões de pessoas). E continua a migração campo-cidades.
Cresce a expectativa de vida, que era de 63 anos e 7 meses em 1980 e já está em torno de 75 anos. Mas dos nossos 57 milhões de domicílios, segundo o IBGE, apenas 52,5% são adequados, com abastecimento de água, coleta de esgotos e de lixo – 27 milhões não contam com esses serviços. Nossa população teve aumento de 150 milhões de pessoas em 60 anos, já está em mais de 200 milhões, conforme o IBGE, e evoluirá para 228 milhões nas próximas décadas, até se estabilizar.
Na cidade de São Paulo, são mais 45.500 habitantes por ano, que elevarão a população para 12,2 milhões em 2030, segundo a Fundação Seade, quando a metrópole terá mais idosos que jovens (Estado, 23/1). A cada segundo, no mundo, um pessoa chega aos 60 anos. São mais de 800 milhões de idosos no todo; no Brasil, 23,8 milhões (Estado, 2/10/2012).
Como se faria para mudar o quadro? Entre estudiosos, as visões não são otimistas. Relatório da Royal Society, por exemplo (Folha de S.Paulo, 6/5/2012), ao mesmo tempo que adverte para a necessidade de reduzir o consumo (energia, alimentos) e a produção de lixo, principalmente nos países mais ricos, calcula que a população mundial poderá chegar a 15 bilhões em 2100, partindo dos mais de 7 bilhões de hoje. Já relatório da ONU prevê 9,6 bilhões em 2050. A Índia ultrapassará a China em 2028, com 1,45 bilhão; a população europeia diminuirá 14%; e a expectativa de vida em certas partes poderá estar acima de 80 anos em 2100, com 89 anos no Primeiro Mundo e 81 nos outros países. Pela primeira vez haverá mais pessoas acima de 60 anos do que crianças com menos de 5 (Fundo de População da ONU).
Outro relatório divulgado há pouco, da Oxford Martin Commission for Future Generations – da qual fazem parte o Prêmio Nobel Amartya Sen, a presidente chilena Michelle Bachelet, o ex-ministro brasileiro Luiz Felipe Lampreia e o ex-presidente do Banco Central Europeu Jean-Claude Trichet, entre outros -, depois de confirmar que seremos 8 bilhões de pessoas no mundo em 2025 e 9 bilhões em 2050, calcula que 60% do aumento da população em 2050 virá da Ásia e da África e 74% desse crescimento estará nos países mais pobres. E os idosos serão uma parte cada vez maior da força de trabalho.
Os mercados “emergentes”, concentrados nas cidades, passarão de um terço para dois terços a sua participação no mercado de consumo. Como convencê-los a reduzir esse consumo, agora que a ele chegam? Hoje, mais de 1,2 bilhão de pessoas, segundo o Banco Mundial, não têm acesso à energia elétrica, 550 milhões das quais na África e 400 milhões na Índia. Com todas as mudanças globais, os índices de concentração da riqueza continuaram a crescer nos últimos anos. Um terço da força de trabalho está desempregada ou é “muito pobre”. Chegaremos a 2015 ainda com 200 milhões de desempregados no mundo. Os jovens terão uma taxa de desemprego três a quatro vezes maior que a média. Mulheres, que são 66% da força de trabalho, ficam com 10% da renda e 1% da propriedade. Os idosos, que já são 38% da força de trabalho, chegarão a uma porcentagem bem maior em 2050.
Clima e outros fatores continuam a chamar a atenção para a crise de energia, no momento em que o consumo é seis vezes maior que em 1950. O consumo per capita dobrou. A produção de alimentos responde por um terço do consumo de energia e 70% do uso de toda a água no planeta. Como se fará para aumentar a produção, com mais terras, energia e água, nesse panorama? Das terras agrícolas, 80% estão nos países menos desenvolvidos e já ocupadas. Metade da população mundial não recebe água de boa qualidade. Cerca de 40% das terras estão degradadas. A desertificação avança (de acordo com outros estudos) 60 mil quilômetros quadrados por ano.
O panorama da biodiversidade não é mais animador, com uma em cada quatro espécies ameaçadas de extinção, um terço dos vertebrados desaparecidos em 40 anos. E a biodiversidade é nossa possibilidade de um futuro melhor, já que dela virão novos alimentos, novos materiais para substituir os que se esgotarem. Edward Wilson, o biólogo que provavelmente mais estudou e conhece essa biodiversidade, já escreveu (O Futuro da Vida, Editora Campus, 2002) que “precisamos com urgência de uma ética para a Terra”, pois “estamos à beira de um apocalipse no início do terceiro milênio”. Para ele, “a ciência e a tecnologia devem nos ajudar a encontrar uma saída”.
Esta é a questão: temos de enfrentar a crise do padrão civilizatório, encontrar e praticar novos formatos de viver. Que certamente exigirão uma redistribuição de recursos entre países e setores sociais. Não se vislumbram outras possibilidades. Como se reduzirá a população? Proibindo casamentos e nascimentos? Até a China está renunciando aos caminhos nessa direção herdados da era de Mao Tsé-tung.
Voltando às cidades, não temos políticas para desconcentrar a população. Continuamos a dar incentivos fiscais para a venda de mais automóveis – com mais congestionamentos. Os incentivos fiscais no País são R$ 33 bilhões maiores que a soma dos investimentos em obras públicas (Folha de S.Paulo, 16/3). O governo federal tem a receber de empresas, na dívida ativa, mais de R$ 1trilhão – mas não recebe (15/3). Que se espera que aconteça?
O problema não está nas nossas taxas de nascimentos, já abaixo da taxa de reposição. Mas só isso não resolve.
*Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo e reproduzido pelo EcoDebate, 24/03/2014
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Todos os problemas socioambientais do planeta Terra são derivados da superpopulação humana. Disto não há vestígio de dúvidas.
Quanto às taxas de nascimentos estarem abaixo das taxas de reposição, aqui no Brasil, suponho, é impossível acreditar, pois a população continua crescendo, e em ritmo acelerado.