UTI ambiental: práticas de manejo de bacias hidrográficas II, artigo de Osvaldo Ferreira Valente
[EcoDebate] Andei sumido aqui do EcoDebate por algum tempo e os leitores, que talvez estivessem acompanhando a série “UTI ambiental”, devem ter pensado que eu abandonei a promessa feita. Mas o sumiço foi circunstancial, decorrente apenas de efeitos colaterais provocados pela carga de janeiros, que não para de aumentar. Mas como já passou o carnaval (muitos dizem que o país só funciona depois dele) e ainda teremos copa e eleições, o ano promete ser curto e precisamos adiantar nossas tarefas. Vamos lá, então.
O último texto publicado falou sobre práticas vegetativas que podem ser aplicadas em manejo de bacias hidrográficas, com finalidade de aumentar a produção de água em épocas de estiagens; servem, também, para reduzir vazões de cheias. Mas é ledo engano pensar que elas são capazes de resolver o problema em quaisquer situações. Algumas dificuldades:
1) Vejam a encosta da Foto 1. Pensando apenas pelo lado ambiental, ela deveria ser reflorestada, mas a necessidade diária do proprietário faz com que ela continue a ser usada como pastagem, alojando algumas poucas vacas leiteiras que sustentam a sua pequena produção de queijos. A mudança de uso, com a reorganização da propriedade, leva tempo e a produção de água precisa ser mantida como condição primeira de qualquer alteração a médio e longo prazos. Os terraços, em forma de pequenos canais em nível ao longo da encosta, servirão para manter a produção de água do córrego que drena a pequena bacia onde está a propriedade. Situações com esta estão presentes em grande parte do território brasileiro e não serão resolvidas em curto prazo, apenas com imposições e radicalismos. A capacidade de retenção de enxurradas dos terraços pode ser comprovada pela Foto 2;
2) Na Foto 3 temos uma condição horrível. A área está próxima de núcleo urbano e é constantemente queimada pela ação de vândalos. Está numa pequena bacia que sustenta uma nascente responsável pelo abastecimento de algumas residências. Em caráter experimental, foram construídos alguns terraços nas encostas e, na área torrencial mostrada na Foto, foram abertas caixas de captação de enxurradas, em sequência, criando armazenamentos e infiltrações capazes de enriquecer o aquífero mantenedor da nascente. Deram bons resultados, aumentando em 30% as vazões de estiagens da nascente.
Está correto deixar aquela situação de descalabro na área torrencial? Como controlar a ação dos vândalos, para revegetação da área? São respostas que demandam tempo e muito trabalho de educação. E não me refiro somente à educação ambiental, não, mas à educação geral, que é o grande gargalo de desenvolvimento do país.
Os dois exemplos foram para mostrar que a realidade ambiental está muito além de nossos entusiasmos ambientalistas, pois a realidade social é tremendamente limitante. Não podemos desistir, mas que é dureza, isso é. Que traz algum desânimo temporário, também é verdade.
As soluções mostradas são conhecidas como práticas mecânicas de conservação, copiadas e adaptadas da conservação de solos, que as utiliza para controle de erosão. Aqui, como facilitadoras de infiltração.
Os terraços são canais de base estreita, com algo como 30 cm de largura e 25 cm de profundidade cavada. Seis terraços desses, em área de um hectare (100 x 100 m), conseguem reter, e posteriormente infiltrar no solo, 45.000 litros de água em uma chuva forte. Imaginem, então, quanto poderá ser infiltrado ao longo do período chuvoso, com inúmeros eventos de fortes precipitações pluviométricas.
As caixas de captação de enxurradas são valas abertas transversalmente ao fluxo superficial e de tamanhos variados, de acordo com a situação topográfica da área. Podem ser, por exemplo, de 1,5 m de largura, 1,0 m de profundidade e 3,0 m de comprimento, tendo capacidade de retenção de 4.500 m3 cada uma. A Foto 4 mostra duas caixas conjugadas, com volume retido em uma delas. Estão recebendo enxurradas de uma estrada vicinal. Já a Foto 5 mostra uma barraginha, que é uma opção para áreas planas, fazendo papel semelhante à da caixa.
Cuidado devemos ter no uso da barraginha, que é apontada, muitas vezes, como tecnologia milagrosa. Ela exige, por ser de dimensões maiores, áreas planas que só são encontradas, em regiões montanhosas, muito perto dos corpos d’água superficiais, e os volumes retidos e infiltrados por ela são rapidamente drenados, não esperando os períodos de estiagens. Nessas situações, os terraços e as caixas são mais eficientes, conforme exemplificado no esquema da Figura 1. Tais estruturas podem ser posicionadas bem mais distantes de nascentes e córregos e a lenta movimentação subterrânea da água infiltrada garantirá vazões de estiagens.
Foto 2
Foto 5
Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas, professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e autor de dois livros recém-publicados: “Conservação de nascentes – Produção de água em pequenas bacias hidrográficas”e “Das chuvas às torneiras – A água nossa de cada dia”; colaborador e articulista do EcoDebate. valente.osvaldo@gmail.com
Artigo anterior: UTI ambiental: práticas de manejo de bacias hidrográficas I; artigo de Osvaldo Ferreira Valente
EcoDebate, 12/03/2014
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Numa linguagem simples e convincente, o sempre mestre Prof. Osvaldo Valente apresenta , com muita lucidez, o que poderia ser feito nas pequenas propriedades. Ao invés de procurar culpados e responsabilidades, o professor curte a sua aposentadoria continua ensinando e mostrando técnicas simples para consertar os erros do passado e evitar possíveis erros do futuro.
A natureza é generosa e agradece os pequenos gestos. Em pouco tempo ela se restabelece e mostra a sua vitalidade. A natureza dispensa obras faraônicas e os oportunistas que se utilizam dela e, em seu nome, extrapolam suas emoções, às vezes, desprovidas de mínimos embasamentos técnicos.