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Alvoroço cervejeiro no Brasil, artigo de Bruno Peron

 

cerveja
Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

[EcoDebate] A Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) informou que tal indústria produz 13 bilhões de litros de cerveja por ano no Brasil. A indústria brasileira neste setor é a terceira maior do mundo e só fica atrás da dos Estados Unidos e da China; há poucos anos, ela superou as da Alemanha e da Rússia. Mas o Brasil não é só grande produtor; é também grande consumidor. Nisto reside o gigante problema.

Desde a primeira metade do século XIX, quando Portugal abriu os portos às “nações amigas”, sua parceira favorita – a Inglaterra – inundou-nos com barricadas de sua cerveja escura. Logo tivemos as cervejas conhecidas como de “marca barbante”, cujo nome se deve à forma como se amarravam as tampas das garrafas para evitar abertura por pressão da fermentação. Mais tarde, outros países (Alemanha, Dinamarca) investiram no mercado consumidor brasileiro até que surgisse uma indústria nacional.

Não nego que a indústria cervejeira tenha impacto econômico no desenvolvimento do Brasil e portanto melhore nossos índices de emprego, investimento e renda. O portal Cerveja Brasil anuncia que a indústria cervejeira no Brasil emprega 1,7 milhão de pessoas e contribui para 1,6% do Produto Interno Bruto do país. Mas, junto do afã economicista, está a relação despropositada entre álcool e lazer, álcool e saúde, álcool e êxito. Neste sentido, os trabalhos de publicidade de marcas de cerveja têm cumprido seu papel de inebriar a busca dos brasileiros de autoconhecimento, salubridade e sociabilidade.

Porque não acredito em tudo que dizem, questiono a relação que estabelecem – ainda que usem estudos científicos – entre consumo de cerveja e saúde. Citam-se pesquisadores alemães que afirmam que o consumo diário de 1,5 a 2,0 litros de cerveja tem efeitos benéficos, como a melhora da capacidade física e a redução de riscos de infarto. Penso que, num país como a Alemanha, onde a indústria cervejeira é próspera, pesquisadores recebem uma boa grana para puxar a pesquisa para o lado dos ingredientes básicos (cevada, lúpulo e outros, que provavelmente têm efeitos benéficos devido a sua origem natural), e para generalizar a legitimidade do vício.

Assim, em vez de afirmar que ingredientes como malte e trigo triturados fazem mal à saúde, dou atenção aos malefícios de um único ingrediente (o álcool), que tem efeitos danosos para o equilíbrio mental. Não é à toa que o governo federal aprovou a Lei Seca em junho de 2008 para coibir acidentes de trânsito, e que haja grupos como o dos Alcoólicos Anônimos em prol da redução do consumo de álcool. O poder das indústrias no mundo evidencia uma contradição: a proibição de produtos estupefacientes como maconha e cocaína, mas a autorização de outros como álcool.

Notícia da Agência Brasil (Nova fórmula da cerveja está em consulta pública, Brasília, 22 de janeiro de 2014) informa que algumas marcas de cervejas vendidas no Brasil estão prestes a incluir ingredientes de origem animal (leite e mel). Para fazer uma comparação com outro produto, a partir do momento em que o governo federal autorizou a mistura de gasolina com outros ingredientes para venda em postos de combustível, temos nela cada vez menos gasolina e mais ingredientes desconhecidos em proporções bem variadas e em desacordo com a lei (combustível adulterado).

A indústria cervejeira brasileira também discute com o governo a aprovação de leis que permitam reduzir a percentagem de cevada maltada de 55% a 50% para reduzir seu custo de produção e, segundo ela, tornar-se mais competitiva; no entanto, um líquido só é considerado cerveja nas convenções internacionais se tiver lúpulo, mínimo de 55% de ingrediente maltado, e carência de qualquer conteúdo de origem animal. Para o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), a classificação da cerveja varia de acordo com o tipo de fermentação, o malte, a cor, e os teores de álcool e extrato. O mesmo Sindicato indica que quatro elementos constituem a cerveja: água, fermento, malte (que se substitui muitas vezes por arroz, milho ou trigo) e lúpulo.

A despeito dos dados de que se exporta parte da produção nacional de cerveja, o consumo deste produto não tem nada de “saudável” nem de “sociável” no Brasil nem em qualquer outro país. Uma grande proporção de acidentes de trânsito e de atos de violência tem sua causa na ingestão de bebidas alcoólicas. Advertências que seguem as propagandas, tais como “Beba com moderação” e “Se beber, não dirija”, são insuficientes para alertar o brasileiro das consequências do consumo deste produto.

Para o sucesso destas campanhas, há que enfrentar o lóbi das indústrias cervejeiras. Considerando-se os conflitos de meia-cidadania e débil-educação que todos os brasileiros experimentamos, a cultura da cerveja alvoroça ainda mais o país.

* Colaboração de Bruno Peron Loureiro, mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), para o EcoDebate, 11/03/2014


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