Projeto multidisciplinar viabiliza a recuperação de córregos urbanos
Multidisciplinaridade deve permear elaboração do projeto. Ações educativas ajudam a conscientizar a população
A recuperação de córregos urbanos é mais efetiva quando ocorre também um trabalho de educação e cidadania junto à população do entorno, mostra estudo da Escola Politécnica (Poli) da USP. A pesquisa aponta para a necessidade de uma visão multidisciplinar da implantação que leve em conta questões ambientais, como o material empregado no tratamento do canal (gabião, concreto, margem natural com manta, etc.) pois pode facilitar ou dificultar tanto a manutenção, como o estabelecimento de uma biota diversificada.
“Seria interessante o uso de concepções realizadas por equipes multidisciplinares que levassem em conta todos esses aspectos”, sugere a pesquisadora Juliana Caroline de Alencar da Silva. Outra constatação é a importância do uso de diferentes indicadores para o monitoramento da qualidade de cursos d’água.
Juliana fez um estudo de caso da recuperação de dois córregos na zona oeste de São Paulo: o Ibiraporã, no Morumbi; e o Sapé, no Rio Pequeno. Os dois córregos integram o Programa Córrego Limpo, iniciativa da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e da Prefeitura de São Paulo, iniciada em 2007.
Dentro do Córrego Limpo, há um projeto piloto pioneiro de governança colaborativa que inclui um trabalho com os moradores do entorno dos córregos, envolvendo diversas ações de educação e cidadania a fim de integrá-los ao processo de recuperação, sendo o Ibiraporã um dos contemplados. O processo de despoluição e o trabalho junto aos moradores, neste córrego, havia sido iniciado em 2009, na segunda fase do Córrego Limpo. Quando Juliana começou a trabalhar com este córrego, em 2011, ele já encontrava-se com as intervenções do programa concluídas e em processo de recuperação.
Ibiraporã
Para o monitoramento, a pesquisadora utilizou o indicador físico-químico Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO). Quanto maior a DBO, maior a presença de matéria orgânica no corpo d’água. “No Ibiraporã, verificamos que os níveis de DBO eram muito baixos, chegando a um mínimo de 5 miligramas por litro (mg/L), o que indica ausência de esgoto ou baixa influência deste.”
Porém, após um ano, os índices voltaram a subir devido a novas ligações clandestinas. Como os moradores haviam participado da governança colaborativa, era comum que entrassem em contato com a Sabesp pedindo a regularização das ligações. “Todas as vezes em que eu estive no córrego para realizar o monitoramento, eles queriam saber como estava a qualidade da água”, diz Juliana. No ultimo monitoramento realizado para a pesquisa, a DBO era de 15 mg/L, bem inferior à do período anterior às intervenções: 190 mg/L.
Sapé
Já com relação ao córrego Sapé, seu primeiro trecho (nascente) fez parte da primeira etapa do Córrego Limpo. Além da recuperação e canalização das águas, o projeto abarcou a urbanização da favela do entorno e a implantação de um parque linear entregue em 2009. Já o segundo trecho (favela do Sapé) faz parte da terceira etapa do Programa, a ser entregue ainda neste primeiro semestre. As intervenções no sistema de esgotamento sanitário, aliadas às ações de urbanização da favela, resultarão na conclusão completa do parque linear do Sapé.
Após a conclusão do primeiro trecho a DBO mínima registrada foi de 6 mg/L. Mas devido a lançamentos clandestinos sazonais em alguns períodos, a DBO chegou a atingir 170 mg/L. Antes das intervenções a DBO máxima registrada foi de 440 mg/L.
Indicadores biológicos
A pesquisadora fez ainda um monitoramento via indicadores biológicos, que verificam a presença de organismos vivos, como larvas de insetos na fase aquática. Somente foi possível fazer isso no Ibiraporã. A medição no Sapé não pôde ser realizada, pois algumas armadilhas de monitoramento colocadas no córrego desapareceram, inviabilizando a análise.
Os resultados foram contrários aos obtidos com o indicador físico-químico. A classificação do Córrego Limpo com a DBO foi de “condições boas a naturais”. E a do indicador biológico classificou o corpo d’água como “pobre, com poluição orgânica muito significativa”. “Isso chama a atenção para importância do uso conjunto de diversos indicadores em programas de monitoramento”, ressalta.
Juliana pretendia também estudar as cargas difusas (resíduos depositados na superfície da bacia e trazidos para o corpo d’água com o escoamento superficial das águas das chuvas), o que somente é viável quando as cargas pontuais (esgotos sanitários e industriais) são inexistentes. “Quando chove, ocorre um grande aporte de carga difusa para os corpos d’água. Essa carga é composta por lixo urbano, resíduos de óleo, pneu, graxa, poeira, dejetos de animais e poluição atmosférica, e isso é um problema para a recuperação dos córregos”, conta.
Sobre o tipo de material utilizado para o tratamento do canal, ela diz que os projetos não costumam levar estas questões ambientais em conta, devido a uma visão mais utilitarista da engenharia e que os diferentes materiais que podem ser usados na canalização têm custo semelhante. “O gabião é rápido de ser implantado, porém tem difícil manutenção e prejudica o estabelecimento de uma biota diversificada”, finaliza.
Foto: Divulgação / JULIANA CAROLINE DE ALENCAR DA SILVA
Matéria de Valéria Dias, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 24/02/2014
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Parabéns aos idealizadores do projeto de despoluição dos dois córregos. O problema de saneamento básico do Brasil é um verdadeiro caos. Quem sabe tais iniciativas se disseminem por esse País afora.
Quem acredita na viabilidade de um projeto como este, é capaz de acreditar em qualquer coisa.